“Maria, não chores. Eu não volto para casa.” – A história de uma portuguesa entre o amor e a solidão
“Maria, não chores. Eu não volto para casa.” As palavras do João ecoaram no corredor frio do nosso apartamento em Almada. Senti o chão fugir-me dos pés, as mãos trémulas a segurar a barriga já saliente de cinco meses. O silêncio que se seguiu foi mais ensurdecedor do que qualquer grito.
“João, por favor… Não me deixes agora. Precisamos de ti. Eu… eu preciso de ti.” A minha voz saiu rouca, quase inaudível, mas ele não olhou para trás. Pegou na mala, fechou a porta devagar e deixou-me ali, sozinha com o eco das minhas súplicas.
Nunca imaginei que a minha vida pudesse dar uma volta tão grande em tão pouco tempo. Conheci o João numa festa de aniversário da minha prima Rita, há dois anos. Ele era divertido, tinha aquele sorriso maroto que me fazia rir mesmo nos dias mais cinzentos. Apaixonei-me depressa demais, talvez porque sempre tive medo da solidão. Cresci numa família onde o silêncio era regra e os abraços eram raros. O meu pai, António, era um homem austero, daqueles que acham que mostrar sentimentos é sinal de fraqueza. A minha mãe, Teresa, vivia para agradar ao marido e pouco sobrava para mim e para o meu irmão mais novo, o Miguel.
Quando contei à minha mãe que estava grávida, ela ficou em choque. “Maria, tu não tens juízo nenhum! E se o João te deixa? Como vais criar uma criança sozinha?” O meu pai nem falou comigo durante dias. Só a minha avó paterna, Dona Amélia, me deu um abraço apertado e disse: “Filha, um filho é sempre uma bênção. Vais ver que tudo se resolve.” Mas eu sentia o peso do julgamento em cada olhar, em cada comentário sussurrado pelas vizinhas do prédio.
Os primeiros meses da gravidez foram difíceis. O João parecia distante, sempre com desculpas para chegar tarde ou sair cedo. Eu tentava ignorar os sinais, agarrava-me à esperança de que tudo mudaria quando o bebé nascesse. Mas naquela noite fatídica, tudo desabou.
Passei horas sentada no chão da sala, a olhar para a porta fechada. As lágrimas corriam-me pelo rosto sem que eu conseguisse controlar. Lembrei-me das palavras da minha mãe: “Os homens nunca ficam quando as coisas apertam.” Senti raiva dela por ter razão, mas acima de tudo senti raiva de mim própria por ter acreditado que seria diferente.
Os dias seguintes foram um borrão de dor e vergonha. Tive de enfrentar os olhares curiosos das vizinhas, os comentários maldosos no café da esquina: “Coitada da Maria, foi deixada com um filho na barriga…” No trabalho, as colegas evitavam falar do assunto, mas sentia o desconforto no ar. Só a minha amiga Inês me apoiou verdadeiramente. “Maria, tu és mais forte do que pensas. Não precisas dele para seres feliz.”
Mas como ser feliz quando tudo à minha volta parecia desmoronar? As noites eram as piores. Deitava-me na cama vazia e sentia o bebé mexer-se dentro de mim, como se me lembrasse que não estava completamente sozinha. Falava com ele baixinho: “Vamos conseguir, meu amor. A mamã promete.” Mas nem sempre acreditava nas minhas próprias palavras.
O João desapareceu completamente da minha vida. Não atendia chamadas, não respondia às mensagens. Soube pela Rita que ele estava com outra mulher – uma colega do trabalho, loira e elegante, tudo aquilo que eu nunca fui. Senti-me trocada, descartada como um objeto velho.
A minha família dividiu-se entre o apoio e a crítica. O meu irmão Miguel tentou animar-me: “Mana, és uma guerreira! Vais dar conta do recado.” Mas o meu pai continuava frio e distante. Uma noite ouvi-o dizer à minha mãe: “Isto é uma vergonha para a família.” Doeu mais do que qualquer abandono.
O tempo foi passando e fui aprendendo a sobreviver à dor. Comecei a preparar o enxoval do bebé com a ajuda da avó Amélia e da Inês. Pintámos juntos o quarto de azul claro – eu não sabia ainda se era menino ou menina, mas gostava daquela cor suave que me acalmava o coração.
No dia em que fui à primeira ecografia sozinha, chorei no consultório ao ver o pequeno coração a bater no monitor. A médica sorriu-me: “Vai correr tudo bem, Maria.” Quis acreditar nela.
O parto foi difícil e solitário. A minha mãe esteve comigo no hospital de Santa Maria, mas o João nunca apareceu. Quando peguei no meu filho pela primeira vez – chamei-o de Tomás – senti um amor tão grande que quase me sufocou. Prometi-lhe ali mesmo que nunca o deixaria sentir-se sozinho neste mundo.
Os meses seguintes foram uma luta diária entre fraldas, noites sem dormir e contas para pagar. Voltei ao trabalho cedo demais porque precisava do dinheiro. A Inês ficou muitas vezes com o Tomás enquanto eu fazia turnos duplos no supermercado.
A relação com os meus pais continuava tensa. O meu pai evitava olhar para o neto; dizia que era difícil aceitar toda aquela situação. A minha mãe ajudava como podia, mas estava sempre nervosa e cansada.
Um dia, ao buscar o Tomás à creche, encontrei o João à porta do prédio. O coração disparou-me no peito.
“Maria… posso falar contigo?”
Olhei-o nos olhos e vi arrependimento misturado com vergonha.
“Agora queres falar? Depois de tudo?”
Ele baixou a cabeça: “Eu errei… Sei que não posso pedir-te perdão… Mas queria conhecer o Tomás…”
Senti uma raiva antiga a crescer dentro de mim.
“O Tomás não precisa de ti agora. Onde estavas quando ele nasceu? Quando eu precisei de ti?”
Ele ficou calado por uns segundos e depois afastou-se devagar.
Nessa noite chorei tudo outra vez – não por ele, mas por mim e pelo Tomás. Pela família que nunca tivemos e pelos sonhos desfeitos.
Com o tempo aprendi a perdoar – não por ele, mas por mim própria. O Tomás cresceu saudável e feliz; tornou-se a luz da minha vida. A relação com os meus pais melhorou aos poucos; até o meu pai começou a brincar com o neto ao domingo à tarde.
Hoje olho para trás e vejo uma mulher diferente daquela Maria ingénua que acreditava em finais felizes sem esforço. Aprendi que a solidão pode ser cruel mas também pode ser libertadora; obriga-nos a encontrar força onde pensávamos não ter.
Às vezes pergunto-me: será que vale mesmo a pena acreditar no amor depois de tanta dor? Ou será que devemos aprender primeiro a amar-nos antes de esperar ser amadas?
E vocês? Já sentiram esta solidão? Já tiveram de reconstruir-se depois de uma traição?