“Mãe, tens sessenta anos. Ele também não é novo. E ainda andam de mãos dadas pela cidade?”: Apaixonei-me pela primeira vez aos 60 anos

— Mãe, tens sessenta anos. Ele também não é novo. E ainda andam de mãos dadas pela cidade? — A voz da minha filha, Inês, ecoou pela sala, carregada de incredulidade e um toque de vergonha, como se eu tivesse cometido um crime.

Fiquei parada, com as mãos ainda húmidas do detergente da loiça, a olhar para ela. O olhar dela era duro, quase acusatório. Senti o peito apertar-se, como se cada palavra dela fosse um prego a cravar-se na minha pele.

Nunca me considerei uma romântica. Sempre fui prática. Acordava cedo para preparar os pequenos-almoços, corria para o autocarro das sete, passava o dia a atender clientes na papelaria do bairro. O meu casamento com o António foi mais uma parceria do que uma paixão. Vinte e sete anos juntos, três filhos criados, um empréstimo pago a custo. O amor? Não sei se alguma vez o senti verdadeiramente. Havia respeito, havia rotina. Havia silêncio nos serões e discussões sobre contas por pagar. Mas paixão? Não.

Quando o António saiu de casa, depois de meses de discussões abafadas e olhares vazios à mesa do jantar, senti alívio e culpa em doses iguais. Achei que a vida tinha acabado ali para mim. Que os meus dias seriam feitos de solidão e televisão, que a única emoção seria esperar pelos netos ao domingo.

Mas a vida tem um estranho sentido de humor.

Conheci o Manuel numa manhã de chuva, na fila da farmácia. Ele deixou-me passar à frente porque eu só tinha um frasco de xarope para a tosse. Sorriu-me com aqueles olhos azuis já marcados pelo tempo e fez uma piada sobre os remédios serem mais caros que vinho do Porto. Ri-me sem jeito, agradeci e fui à minha vida.

Duas semanas depois, encontrei-o no café da esquina. Estava sozinho, a ler o jornal. Troquei um aceno tímido e ele convidou-me para me sentar. Falámos sobre tudo: filhos, netos, as dores nas costas, as saudades do mar em Vila do Conde onde ele crescera. Senti-me leve como não me sentia há anos.

Começámos a encontrar-nos com frequência. Primeiro por acaso, depois de propósito. Passeios pelo Jardim da Cordoaria, cafés demorados ao fim da tarde, conversas sobre livros e filmes antigos. O Manuel era diferente de todos os homens que conheci: ouvia-me com atenção, fazia perguntas, ria das minhas histórias banais.

Quando me deu a mão pela primeira vez — já passava das oito da noite e a cidade estava iluminada — senti um calor subir-me pelo braço até ao coração. Tive vergonha. Olhei em volta para ver se alguém via aquela cena ridícula: dois velhos de mãos dadas como adolescentes.

Mas não larguei a mão dele.

A notícia espalhou-se depressa na família. O meu filho mais velho, Miguel, foi o primeiro a ligar:

— Mãe… ouvi dizer que andas com um senhor… Isso é verdade?

— É verdade, filho.

— Mas… não achas estranho? Não tens medo do que as pessoas vão dizer?

Respirei fundo antes de responder:

— Miguel, vivi quase toda a vida a pensar no que os outros iam dizer. Agora quero pensar em mim.

A Inês foi mais dura:

— Não percebo esta tua necessidade de te expores assim! Já não tens idade para essas coisas…

Senti-me pequena diante dela. Como se tivesse feito algo errado só por querer sentir-me viva outra vez.

Os meus netos foram os únicos que acharam graça:

— A avó tem namorado! — gritava o Tomás na escola, orgulhoso.

Mas nem tudo era fácil. A minha irmã Teresa deixou de me ligar durante semanas. No café do bairro começaram os cochichos:

— Viste a Maria? Agora anda aí feita menina nova…

Houve dias em que quis desistir. Em que achei que era melhor voltar à solidão confortável do sofá e das novelas. Mas depois lembrava-me do sorriso do Manuel quando me via chegar ao café, das nossas conversas sobre sonhos adiados e viagens nunca feitas.

Uma noite, depois de um jantar em casa dele — bacalhau com natas feito por ele próprio — sentei-me no sofá e chorei. Chorei por tudo o que perdi durante anos: a juventude gasta em sacrifícios, o amor nunca vivido, os sonhos engolidos pelo medo do ridículo.

O Manuel sentou-se ao meu lado e pegou-me na mão:

— Maria… tens medo?

— Tenho medo de perder isto tudo — confessei baixinho.

Ele sorriu:

— Eu também tenho medo. Mas prefiro arriscar do que passar o resto da vida arrependido.

Foi nesse momento que percebi: nunca é tarde para amar. Nunca é tarde para ser feliz.

Com o tempo, a família foi aceitando — uns mais depressa que outros. A Teresa voltou a ligar-me e até convidou o Manuel para o Natal. O Miguel trouxe os netos para conhecerem o “amigo especial” da avó e acabou por simpatizar com ele depois de uma longa conversa sobre futebol.

A Inês demorou mais tempo. Um dia apareceu em minha casa sem avisar. Sentou-se à mesa da cozinha e ficou em silêncio enquanto eu preparava chá.

— Mãe… desculpa se fui dura contigo — disse finalmente. — Só tenho medo que te magoem outra vez.

Abracei-a com força:

— Filha, magoei-me mais vezes por não viver do que por arriscar.

Hoje ando pela cidade de mão dada com o Manuel sem vergonha nenhuma. Rimos juntos das nossas dores nas costas e dos esquecimentos tolos. Planeamos viagens pequenas: um fim-de-semana no Gerês, um passeio à Foz do Douro.

Às vezes olho para trás e pergunto-me: porque é que demoramos tanto tempo a permitir-nos ser felizes? Porque é que deixamos o medo comandar a nossa vida?

E vocês? Quantas vezes deixaram de viver por medo do que os outros iam pensar?