Hoje expulsei o meu filho e a nora de casa: Porque finalmente percebi que a minha vida não é o hotel deles
— Mãe, não podes fazer isto! — gritou o Rui, com os olhos vermelhos de raiva e incredulidade. A Ana, a minha nora, ficou calada, mas vi-lhe as lágrimas a escorrerem pelo rosto. Eu tremia por dentro, mas mantive-me firme.
Nunca imaginei que um dia teria de dizer ao meu próprio filho para sair de casa. Mas hoje, depois de meses a viverem comigo, depois de tantas discussões, portas batidas e silêncios pesados, percebi que já não aguentava mais.
Tudo começou há quase um ano. O Rui ligou-me numa noite fria de novembro. “Mãe, eu e a Ana precisamos de um sítio para ficar. Só por uns tempos, até encontrarmos casa.” O tom dele era urgente, mas eu nem hesitei. “Claro, filho. Isto é a vossa casa também.” Lembro-me de desligar o telefone e sentir um aperto no peito — uma mistura de orgulho por poder ajudar e medo do que isso podia trazer.
No início, até foi bom. A casa encheu-se de vida outra vez. O Rui sempre foi o meu menino, mesmo depois de casar e sair de casa. A Ana era simpática, ajudava nas tarefas, e eu sentia-me útil outra vez. Mas os “uns tempos” transformaram-se em meses. E os meses trouxeram problemas.
Primeiro vieram as pequenas coisas: pratos sujos na pia, toalhas molhadas em cima da cama, sapatos espalhados pela entrada. Depois vieram as discussões entre eles — sobre dinheiro, sobre trabalho, sobre tudo e nada. Eu tentava não me meter, mas era impossível não ouvir as vozes altas pela casa.
Uma noite, acordei com gritos vindos da sala. O Rui estava a acusar a Ana de gastar demasiado dinheiro no supermercado. Ela chorava, dizia que só queria comprar comida decente. Eu entrei na sala e tentei acalmar as coisas.
— Por favor, não discutam assim — pedi-lhes. — Isto é a minha casa.
O Rui olhou para mim como se eu fosse uma estranha.
— Pois, mãe, mas tu não percebes! A vida lá fora está impossível! Os preços das rendas estão pela hora da morte! Achas que é fácil?
Fiquei calada. Eu sabia que era difícil. Reformada, com uma pensão pequena, também sentia na pele o peso das contas. Mas nunca lhes disse nada. Sempre pus os outros à frente de mim.
Com o tempo, comecei a sentir-me uma estranha na minha própria casa. Já não podia ver os meus programas na televisão porque eles estavam sempre na sala. A cozinha estava sempre ocupada quando eu queria preparar o jantar cedo. Até o meu quarto parecia menos meu — ouvi-os várias vezes a comentar que eu devia “modernizar” a decoração ou comprar um colchão novo.
Comecei a sair mais de casa só para ter algum tempo sozinha. Ia ao café da esquina beber um galão e ler o jornal. A dona Rosa, que já me conhecia há anos, percebeu logo que algo não estava bem.
— Está tudo bem lá em casa? — perguntou-me um dia.
Baixei os olhos e encolhi os ombros.
— O Rui e a Ana ainda lá estão… Não sei quanto tempo mais aguento.
Ela pousou a mão na minha.
— Tens de pensar em ti também, Maria.
Essa frase ficou-me na cabeça durante dias.
As coisas pioraram quando o Rui perdeu o emprego. Passava os dias fechado no quarto, a jogar no computador ou a ver séries. A Ana arranjou um part-time numa loja do centro comercial, mas chegava sempre cansada e mal falava comigo. As tarefas da casa começaram a acumular-se — era eu quem lavava a roupa deles, limpava o chão, fazia as compras.
Um sábado à noite, depois de mais uma discussão sobre quem ia lavar a loiça, sentei-me na cama e chorei como há muito não chorava. Senti-me usada, invisível. Senti que tinha perdido o controlo da minha própria vida.
No domingo seguinte, durante o almoço, tentei falar com eles.
— Filhos… precisamos de conversar.
O Rui nem levantou os olhos do telemóvel.
— O que foi agora?
— Isto não pode continuar assim — disse eu, com a voz a tremer. — Eu preciso do meu espaço. Preciso da minha vida de volta.
A Ana olhou para mim com tristeza.
— Nós não temos para onde ir…
— Eu sei — respondi. — Mas têm de começar a procurar uma solução. Não posso continuar assim.
O Rui levantou-se da mesa bruscamente.
— Sabes que mais? Esquece! Se queres que saiamos, saímos!
Durante uma semana quase não nos falámos. O ambiente era insuportável. Até que hoje de manhã acordei decidida: ia dizer-lhes que tinham de sair até ao fim do mês.
Quando lhes disse isso na sala, o Rui explodiu.
— És mesmo egoísta! Depois de tudo o que fiz por ti!
Senti uma dor aguda no peito.
— Fizeste por mim? Rui… eu sou tua mãe! Sempre estive aqui para ti! Mas agora preciso cuidar de mim também!
A Ana chorava baixinho no canto do sofá. O Rui atirou com as chaves para cima da mesa e saiu porta fora sem olhar para trás.
Agora estou sozinha na sala silenciosa. Olho para as fotografias antigas na estante — o Rui em pequeno, o dia do casamento deles — e sinto um vazio enorme misturado com alívio. Será que fiz bem? Será que alguma vez me vão perdoar?
Passei anos a viver para os outros. Agora tenho medo do silêncio, mas também sinto uma liberdade estranha pela primeira vez em muito tempo.
E vocês? Já tiveram de escolher entre ajudar quem amam e cuidar de vocês próprios? Onde está o limite entre ser mãe e ser apenas mulher?