Entre o Orgulho e o Amor: Quando os Meus Sogros Ricos Viraram as Costas à Própria Filha
— Não, Mariana. Não vamos ajudar. — A voz da minha sogra, Dona Lurdes, ecoou pela sala de jantar, abafando até o tilintar dos talheres. O silêncio que se seguiu foi tão pesado que quase me sufocou. O meu marido, Rui, olhou para mim com olhos suplicantes, mas não disse nada. Eu sentia o coração a bater descompassado, as mãos a suar debaixo da mesa.
Era véspera de Natal. A mesa estava posta com todo o requinte: toalha de linho, louça Vista Alegre, copos de cristal. O cheiro do peru assado misturava-se com o aroma do vinho tinto caro que só aparecia nestas ocasiões. Mas nada disso importava naquele momento. Eu só conseguia pensar no que tinha acabado de ouvir.
— Mãe… — tentei argumentar, a voz a tremer. — Não estou a pedir muito. Só uma ajuda para pagar a renda este mês. O Rui perdeu o emprego, eu estou a fazer tudo o que posso…
Dona Lurdes ergueu uma sobrancelha, como se eu tivesse acabado de insultar a família inteira.
— Mariana, tu sabes que nós trabalhámos muito para chegar onde estamos. Não é agora que vamos começar a sustentar adultos saudáveis. Tens de aprender a viver com as tuas escolhas.
O meu sogro, o Dr. Álvaro, nem sequer levantou os olhos do prato. Limitou-se a limpar os lábios com o guardanapo e a murmurar:
— Concordo com a tua mãe.
Senti uma onda de vergonha e raiva a invadir-me. Olhei para o Rui, esperando que ele dissesse alguma coisa, defendesse a nossa situação. Mas ele apenas baixou a cabeça, envergonhado.
A noite continuou num silêncio constrangedor. As piadas habituais do primo João sobre futebol não arrancaram sorrisos. A tia Rosa tentou mudar de assunto, falando sobre as férias em Vilamoura, mas ninguém parecia interessado.
Quando finalmente saímos da casa dos meus sogros, já passava da meia-noite. Rui caminhava ao meu lado, cabisbaixo.
— Não devias ter pedido assim… à frente de toda a gente — murmurou ele.
— E quando é que era suposto pedir? Quando estamos sozinhos? Eles nunca estão sozinhos! — respondi, sentindo as lágrimas a ameaçarem cair.
Chegámos ao nosso pequeno apartamento em Benfica e sentei-me no sofá roto da sala. O Rui ficou parado à porta, como se não soubesse o que fazer.
— Mariana… eu sei que isto está difícil. Mas os meus pais sempre foram assim. Orgulhosos. Eles acham que se nos ajudarem agora, nunca mais vamos levantar cabeça.
— E tu? Também achas isso?
Ele não respondeu.
Os dias seguintes foram um turbilhão de emoções. Tentei arranjar mais horas no café onde trabalhava, mas a patroa disse-me que não podia dar mais turnos. O Rui procurava emprego todos os dias, mas só recebia respostas negativas ou propostas miseráveis.
As contas acumulavam-se na gaveta da cozinha: luz, água, renda. Comecei a vender algumas roupas online, depois livros, depois até alguns presentes de casamento que nunca tínhamos usado.
A relação com o Rui tornou-se tensa. Discutíamos por tudo e por nada: pelo dinheiro que faltava, pela comida barata que comprávamos no supermercado, pelo futuro incerto.
Uma noite, depois de mais uma discussão acesa, sentei-me sozinha na varanda gelada do apartamento e perguntei-me como tinha chegado ali. Lembrei-me do dia em que conheci o Rui na faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Ele era divertido, sonhador, cheio de planos para o futuro. Eu acreditava que juntos podíamos conquistar o mundo.
Agora sentia-me sozinha mesmo quando ele estava ao meu lado.
A minha mãe ligava todos os dias para saber como estávamos. Ela própria não tinha muito para ajudar — vivia numa aldeia perto de Santarém e recebia uma reforma pequena — mas oferecia sempre palavras de conforto.
— Filha, não deixes que o orgulho te impeça de pedir ajuda a quem realmente te quer bem — dizia ela.
Mas eu sentia-me presa entre dois mundos: o dos meus sogros ricos e frios, e o da minha família humilde mas calorosa.
Um dia, ao chegar ao café para mais um turno, encontrei a minha colega Ana a chorar na casa de banho.
— O que se passa? — perguntei.
— O meu namorado bateu-me — confessou ela entre soluços.
Sentei-me ao lado dela e abracei-a. De repente percebi que todos carregamos dores escondidas. Que ninguém tem uma vida perfeita.
Naquela noite decidi que não podia continuar assim. Falei com o Rui:
— Ou arranjamos uma solução juntos ou cada um segue o seu caminho. Não aguento mais esta tensão.
Ele olhou para mim com lágrimas nos olhos:
— Mariana… eu amo-te. Mas sinto-me um fracasso. Não consigo dar-te aquilo que mereces.
Abracei-o com força:
— Eu não preciso de luxo. Só preciso de sentir que estamos juntos nisto.
No dia seguinte fui falar com a minha mãe. Contei-lhe tudo: as discussões, as dificuldades, a recusa dos sogros.
Ela pegou nas minhas mãos e disse:
— Vem para casa por uns tempos. Aqui tens sempre um prato na mesa e um teto onde dormir.
O Rui hesitou mas acabou por concordar em irmos os dois para Santarém durante uns meses. Foi estranho voltar à casa onde cresci, partilhar um quarto pequeno com o Rui e ouvir os galos a cantar de manhã cedo.
Mas ali reencontrei alguma paz. Ajudava a minha mãe na horta, cozinhava refeições simples mas saborosas e sentia-me útil outra vez.
O Rui começou a trabalhar numa oficina local e eu arranjei um part-time numa pastelaria da vila. O dinheiro continuava curto mas já não havia aquela angústia constante no peito.
Os meus sogros nunca ligaram para saber como estávamos. Nem uma mensagem no aniversário do Rui ou no nosso aniversário de casamento.
Às vezes perguntava-me se algum dia conseguiria perdoá-los pela frieza com que nos trataram naquele Natal fatídico.
O tempo foi passando e fomos juntando algum dinheiro. Conseguimos alugar um pequeno apartamento em Santarém e começámos uma nova vida longe das expectativas e julgamentos da família do Rui.
No primeiro Natal longe deles senti uma mistura estranha de tristeza e alívio. A mesa era simples mas cheia de amor: eu, o Rui, a minha mãe e alguns vizinhos que se tornaram amigos.
No final da noite olhei para o Rui e perguntei:
— Achas que fizemos bem em escolher o nosso orgulho em vez do dinheiro deles?
Ele sorriu:
— Fizemos bem em escolher-nos um ao outro.
Hoje olho para trás e vejo quanto cresci com esta experiência. Aprendi que às vezes é preciso perder tudo para perceber o que realmente importa.
E vocês? Acham que devemos engolir o orgulho por amor ou há limites para aquilo que aceitamos em nome da família?