“Aceitei cuidar do meu neto só por uns dias”: Um mês depois, percebi que a minha vida nunca mais seria a mesma

— Mãe, por favor, só por uns dias. Eu já não sei o que fazer. O Tomás está doente, tenho de ir trabalhar, o infantário fechou. Só uns dias, prometo. — A voz da minha filha, Sofia, tremia do outro lado da linha, carregada de cansaço e desespero.

Fechei os olhos e inspirei fundo. O relógio marcava quase sete da manhã. O cheiro do café ainda pairava na cozinha, mas o sabor já me parecia distante. — Claro, filha. Traz o Kiko. Eu fico com ele — respondi, tentando soar mais forte do que me sentia.

Kiko, o meu neto de quatro anos, entrou pela porta com a energia de quem nunca conheceu o peso do mundo. Trazia uma mochila maior do que ele às costas e um sorriso que me desarmou. Sofia deu-me um beijo apressado na testa e saiu quase a correr, murmurando desculpas e promessas de que voltaria logo.

No início, achei que seria simples. Afinal, já tinha criado dois filhos. O que seriam uns dias com um neto? Mas logo percebi que o tempo tinha passado por mim de forma cruel. Kiko era uma tempestade: corria pela casa, espalhava brinquedos, fazia perguntas sem fim.

— Avó, porque é que o céu é azul? — perguntava ele enquanto eu tentava preparar o almoço.
— Porque Deus pintou assim — respondia eu, sem saber se era resposta suficiente.

As noites eram as piores. Kiko chorava pela mãe e eu sentia-me impotente. Sentava-me ao lado da cama improvisada no meu quarto e contava-lhe histórias antigas, as mesmas que contava à Sofia quando era pequena. Mas ele não se acalmava facilmente.

— Quero a mãe — soluçava ele.
— A mãe já vem, meu amor. A avó está aqui contigo — dizia eu, tentando esconder as lágrimas.

Os dias foram passando e Sofia não voltava. Ligava à pressa, sempre com desculpas novas: o Tomás piorou, o trabalho não dá tréguas, o infantário continua fechado. Eu compreendia — ou tentava compreender — mas sentia-me cada vez mais sozinha naquela casa cheia de brinquedos espalhados.

O meu filho mais velho, Miguel, ligou-me numa noite em que Kiko finalmente adormeceu cedo.
— Mãe, não podes continuar assim. A Sofia está a abusar — disse ele num tom seco.
— Ela precisa de mim — respondi.
— E tu? Quem cuida de ti? — retrucou ele.

Fiquei sem resposta. Ninguém cuidava de mim há muito tempo. Desde que o António morreu, há cinco anos, a casa tornou-se grande demais para uma só pessoa. O silêncio era pesado, mas agora trocara-o pelo caos infantil.

Comecei a notar pequenas coisas: dores nas costas ao levantar Kiko ao colo, cansaço acumulado ao fim do dia, impaciência crescente quando ele fazia birras. Senti vergonha de mim mesma por não conseguir ser a avó perfeita.

Uma tarde, enquanto tentava convencê-lo a comer sopa, perdi a paciência.
— Basta! Não queres comer? Então ficas sem sobremesa! — gritei mais alto do que queria.
Kiko olhou para mim assustado e desatou a chorar. Senti-me um monstro.

Nessa noite, depois de o deitar, sentei-me na varanda com uma chávena de chá frio nas mãos e chorei baixinho. Lembrei-me da minha mãe, da forma como ela me dizia que ser mãe era para sempre — mas ninguém me avisou que ser avó podia ser tão difícil.

No dia seguinte, Sofia apareceu sem avisar. Trazia olheiras profundas e um ar derrotado.
— Mãe… desculpa. Eu não sei o que fazer — disse ela antes mesmo de entrar.
— Senta-te — convidei-a, tentando esconder o cansaço na voz.
Ela desabou em lágrimas na minha cozinha. Contou-me que o Tomás estava pior do que pensavam; que o marido andava ausente; que no trabalho ameaçavam despedir quem faltasse mais um dia.

— Eu não sou boa mãe — murmurou ela entre soluços.
Abracei-a como se ainda fosse uma menina pequena. — Somos todas más mães às vezes — confessei-lhe. — Mas tu és forte. Vais conseguir.

Sofia ficou connosco essa noite. Kiko dormiu agarrado à mãe como se temesse perdê-la outra vez. Eu fiquei acordada até tarde, ouvindo-os respirar no quarto ao lado e pensando em tudo o que mudara na minha vida naquele mês.

No dia seguinte, Sofia levou Kiko para casa. A casa ficou subitamente silenciosa outra vez. Sentei-me na sala vazia e olhei para os brinquedos esquecidos no tapete. Senti falta do barulho, das perguntas sem fim, até das birras.

Miguel ligou-me nessa noite:
— Então? Já estás mais descansada?
— Estou… mas sinto falta dele — admiti.
— És mesmo mãe-galinha — riu-se ele.
Sorri também, mas por dentro sentia um vazio estranho.

Os dias passaram devagar. Voltei à rotina antiga: café pela manhã, passeios curtos ao jardim, novelas à tarde. Mas nada parecia igual. Era como se uma parte de mim tivesse ficado presa naquele mês caótico com Kiko.

Às vezes penso: será que fiz bem em aceitar? Será que ajudei ou só prolonguei o sofrimento da Sofia? E quem sou eu agora? Uma avó cansada ou uma mulher renascida pelo amor incondicional?

E vocês? Já sentiram que a vossa vida mudou para sempre por causa de um simples “sim”? O que fariam no meu lugar?