Se a minha filha voltar para o marido, pode esquecer que tem mãe
— Se voltares para ele, Mariana, podes esquecer que tens mãe! — gritei, com a voz embargada, as mãos a tremerem tanto que quase deixei cair a chávena de chá. O silêncio que se seguiu foi tão pesado que parecia sufocar o ar da cozinha. Mariana olhou-me com aqueles olhos grandes, castanhos, cheios de lágrimas e raiva, e eu vi nela a menina que embalei tantas noites, mas também a mulher que já não reconhecia.
Nunca pensei chegar a este ponto. Sempre fui uma mãe dedicada, talvez até demasiado. O meu marido, António, dizia que eu mimava demais a Mariana, que lhe dava tudo de mão beijada. Mas como não o fazer? Ela era a minha única filha, fruto de anos de tentativas falhadas, de lágrimas escondidas no travesseiro e de promessas feitas à Senhora de Fátima. Quando finalmente a tive nos braços, jurei que nunca lhe faltaria nada.
Mas talvez tenha falhado. Talvez tenha dado demais. Mariana cresceu sensível, sim, mas também teimosa e impulsiva. Quando conheceu o Rui, tinha apenas vinte anos. Ele era mais velho, trabalhador numa empresa de construção civil em Setúbal, com um sorriso fácil e um olhar que parecia esconder segredos. No início, achei-o simpático. Mas logo começaram os problemas.
— Mãe, ele não me entende! — chorava ela ao telefone, já casada há dois anos. — Diz que sou ingrata, que não faço nada em casa…
Eu ouvia e tentava aconselhar:
— Mariana, o casamento é feito de cedências. Tens de tentar compreender o lado dele também.
Mas por dentro sentia uma raiva surda contra aquele homem que fazia a minha filha sofrer. E depois vieram as discussões mais sérias: gritos à noite, vizinhos a bater à porta, telefonemas aflitos.
Uma noite, Mariana apareceu-me à porta com uma mala na mão e um olho negro. O António estava sentado no sofá, a ver o telejornal. Quando viu a filha naquele estado, levantou-se num salto.
— O que é isto? Quem te fez isto?
Ela chorava tanto que mal conseguia falar:
— Foi o Rui… mas foi sem querer…
— Sem querer? — gritou o António. — Um homem que bate numa mulher não merece perdão!
Eu abracei-a com força, sentindo o coração despedaçar-se. Nessa noite dormiu connosco, como quando era pequena e tinha pesadelos. Mas no dia seguinte… voltou para ele.
Foi assim durante anos. Um ciclo sem fim: discussões, lágrimas, promessas de mudança. E eu sempre ali, pronta para acolhê-la quando tudo corria mal. O António cansou-se primeiro.
— Não podemos viver assim! — disse-me um dia. — Ou ela escolhe a família ou o marido.
Mas como escolher? Como pedir a uma mãe para abandonar uma filha?
O tempo passou e as coisas pioraram. Descobri que Mariana também não era inocente. Uma vizinha contou-me que ela tinha um caso com um colega do trabalho. Fiquei em choque.
— Mariana, é verdade? — perguntei-lhe um dia, quando estávamos sozinhas na cozinha.
Ela baixou os olhos:
— Mãe… eu já não aguentava mais. O Rui controlava tudo: o dinheiro, as minhas saídas… Eu sentia-me presa.
— Mas trair não resolve nada! — explodi. — Isso só complica!
Ela chorou ainda mais. Senti-me dividida entre a compaixão e a desilusão.
O António afastou-se cada vez mais da filha. Passava os dias no café ou no quintal, calado. Eu tentava manter a paz em casa, mas era impossível.
Um dia, Mariana apareceu novamente em casa com as malas. Disse que tinha decidido divorciar-se. Fiquei aliviada e apoiei-a em tudo: arranjei-lhe um advogado amigo da família, ajudei-a a procurar casa e até emprestei dinheiro para as despesas iniciais.
Mas bastaram três meses para tudo mudar outra vez. Um domingo à tarde ouvi-a ao telefone:
— Rui… eu também tenho saudades tuas… Sim… Eu sei…
O sangue gelou-me nas veias.
— Não me digas que vais voltar para ele! — perguntei-lhe assim que desligou.
Ela hesitou:
— Mãe… ele mudou… está arrependido… diz que vai fazer terapia…
Senti uma raiva tão grande que tive vontade de gritar:
— Quantas vezes já ouvimos isso? Quantas vezes vais cair na mesma armadilha?
Ela ficou em silêncio. Eu sabia que estava prestes a perder a minha filha para sempre — não para o Rui, mas para este ciclo destrutivo em que ela própria se metia.
Naquela noite não dormi. Fiquei sentada na cozinha escura, a ouvir os ponteiros do relógio e os meus próprios pensamentos: Onde foi que errei? Será culpa minha? Dei-lhe demasiado amor? Ou demasiado pouco?
De manhã fui ter com ela ao quarto:
— Mariana… se voltares para ele podes esquecer que tens mãe. Não aguento mais ver-te sofrer assim nem quero esse homem na nossa vida.
Ela olhou-me com uma mistura de dor e desafio:
— Então preferes perder-me?
— Prefiro perder-te agora do que ver-te destruída aos poucos.
Ela fez as malas em silêncio e saiu sem olhar para trás.
O António chorou pela primeira vez em muitos anos. Eu fiquei sozinha na cozinha, rodeada de fotografias antigas: Mariana bebé no colo do pai; Mariana na escola primária; Mariana vestida de noiva…
Os dias passaram lentos e pesados. Recebia notícias dela por amigas comuns: voltou para o Rui; dizem que ele está diferente; dizem que ela parece feliz… Mas eu conheço bem os sorrisos forçados da minha filha.
Às vezes pergunto-me se fiz bem ou mal. Se devia ter lutado mais por ela ou deixá-la ir mais cedo. Se alguma vez uma mãe pode realmente proteger um filho das próprias escolhas.
E vocês? O que fariam no meu lugar? Até onde vai o amor de mãe antes de se transformar em dor?