Quando Deixei a Minha Filha para Trabalhar em França: O Preço da Sobrevivência

— Mãe, não vás. Por favor, não vás — suplicava a Mariana, agarrada ao meu casaco, os olhos marejados de lágrimas. O cheiro do café acabado de fazer misturava-se com o sal das lágrimas dela, e eu sentia o coração a partir-se em mil pedaços. Mas o envelope com as contas em cima da mesa era um lembrete cruel: a luz estava quase a ser cortada, o senhorio já ameaçara despejo e o frigorífico estava quase vazio.

— Mariana, eu volto. É só por uns tempos. Vais ver que tudo vai melhorar — tentei sorrir, mas a voz saiu-me trémula, quase um sussurro. Ela abanou a cabeça, os cabelos castanhos colados à cara molhada.

— Não acredito em ti! Nunca mais vais voltar! — gritou, antes de correr para o quarto e bater com a porta. O som ecoou pela casa como um tiro.

Naquela noite, sentei-me na cama dela enquanto ela fingia dormir. Passei-lhe a mão pelo cabelo, tão macio como quando era bebé. Lembrei-me do dia em que nasceu, do primeiro choro, do cheiro a leite e talco. Como é que chegámos aqui? Como é que uma mãe pode escolher entre dar de comer à filha ou vê-la crescer?

No dia seguinte, apanhei o autocarro para Lisboa com uma mala pequena e o coração esmagado. A minha irmã Rosa ficou encarregue de olhar pela Mariana. Prometi-lhe que ligaria todos os dias. Prometi-lhe que voltaria no Natal. Prometi-lhe tantas coisas…

A viagem até Paris foi longa e fria. No autocarro, outras mulheres choravam baixinho, cada uma com a sua história de sacrifício. Quando cheguei ao bairro onde ia trabalhar, fui recebida pela Dona Odete, uma portuguesa que já lá estava há anos.

— Vais ver que te habituas — disse ela, enquanto me mostrava o quarto minúsculo onde ia dormir. — O pior é a saudade.

E foi mesmo. Os dias eram longos, as mãos cheias de detergente e as costas sempre doridas. À noite, ligava à Mariana. Muitas vezes ela não queria falar comigo.

— Não preciso de ti — dizia-me. — A tia Rosa trata de mim.

Cada palavra dela era uma facada. Mas eu continuava. Mandava dinheiro todos os meses, comprava-lhe roupas bonitas e livros para a escola. No Natal, não consegui voltar. A patroa precisava de mim para limpar depois da festa.

— Desculpa, filha — disse-lhe ao telefone, com a voz embargada.

— Já sabia — respondeu ela, fria.

Os anos passaram assim: eu em França, ela em Setúbal. Vi-a crescer pelas fotografias que a Rosa me enviava: o primeiro sutiã, o baile de finalistas, o diploma do secundário. Em cada foto, Mariana parecia mais distante.

Quando finalmente consegui regressar a Portugal, Mariana já tinha vinte e dois anos e estudava na universidade. Fui ter com ela ao café onde trabalhava aos fins-de-semana.

— Olá, filha — disse eu, nervosa.

Ela olhou para mim como se eu fosse uma estranha.

— O que queres? — perguntou.

— Só queria ver-te… falar contigo…

Ela encolheu os ombros.

— Não tenho nada para te dizer. Tiveste de escolher entre mim e o dinheiro. Escolheste o dinheiro.

Tentei explicar-lhe que não era assim tão simples. Que cada euro enviado era uma tentativa desesperada de lhe dar uma vida melhor. Que cada noite passada sozinha num quarto frio era por ela.

Mas ela não quis ouvir.

— Não estavas cá quando precisei de ti. Agora já não preciso — disse antes de se afastar.

Fiquei ali sentada muito tempo depois dela sair. Olhei para as mãos gastas pelo trabalho e perguntei-me se tudo aquilo tinha valido a pena.

Hoje vivo sozinha num pequeno apartamento em Setúbal. Mariana raramente me visita. Às vezes vejo-a na rua com amigos ou com o namorado e fico a pensar se algum dia me vai perdoar.

À noite olho para as fotografias antigas e pergunto-me: será que uma mãe pode ser perdoada por ter escolhido sobreviver? Será que alguma vez tive escolha? E vocês… o que fariam no meu lugar?