O Meu Filho e a Nora Mudaram-se Para a Casa ao Lado, e o Meu Sonho de Uma Família Unida Tornou-se Num Pesadelo
— Não quero que voltes a entrar aqui sem bater à porta, Dona Teresa! — A voz da Joana cortou o silêncio da manhã como uma faca afiada. Fiquei parada no corredor, com as mãos ainda húmidas do detergente, sentindo o rosto a arder de vergonha e incredulidade. Nunca ninguém me tinha falado assim dentro da minha própria casa, muito menos alguém que eu acolhi como filha.
O Miguel apareceu logo atrás dela, com aquele ar de quem não sabe para onde olhar. — Mãe, a Joana só quer um pouco de privacidade… — murmurou, sem coragem de me encarar.
Privacidade? Eu só tinha ido levar-lhes um tabuleiro de pastéis de nata acabadinhos de fazer, como fazia sempre que alguém novo chegava ao bairro. Era assim que a minha mãe me ensinou: receber bem, cuidar dos nossos. Mas ali estava eu, de tabuleiro na mão, a sentir-me uma intrusa na vida do meu próprio filho.
Quando o Miguel me disse que ele e a Joana estavam a pensar comprar a casa ao lado, quase chorei de alegria. O meu marido, o António, tinha morrido há três anos e desde então sentia um vazio enorme em casa. O Miguel era filho único e sempre fomos muito próximos. Imaginei logo os netos a correrem entre as duas casas, os almoços de domingo prolongados até ao lanche, a Joana a pedir-me receitas ou conselhos sobre como tirar nódoas das camisas do Miguel. Era esse o meu sonho: uma família unida, como nos filmes antigos.
Mas desde o primeiro dia que se mudaram, percebi que a Joana não queria nada disso. Não gostava de conversar à porta, não aceitava os meus bolos, recusava os convites para jantar. Sempre com um sorriso forçado e palavras cortantes. O Miguel tentava disfarçar, mas eu via-lhe nos olhos o desconforto.
Uma tarde, ouvi vozes altas vindas da casa deles. Não sou de espreitar nem de meter o nariz onde não sou chamada, mas aquela discussão parecia diferente. A Joana gritava:
— Se queres tanto estar com a tua mãe, vai viver com ela! Eu não casei contigo para viver colada à sogra!
O Miguel respondeu baixo demais para eu ouvir. Senti um aperto no peito. Será que eu estava mesmo a ser invasiva? Ou será que ela simplesmente não gostava de mim?
Os dias passaram e as coisas só pioraram. A Joana começou a evitar-me ativamente. Se eu estava no jardim, ela fechava as cortinas. Se cruzávamos no portão, limitava-se a um aceno frio. O Miguel vinha cada vez menos cá a casa. Quando vinha, parecia sempre apressado, como se tivesse medo que ela desse por falta dele.
Uma noite, já tarde, ouvi bater à minha porta. Era o Miguel. Trazia os olhos vermelhos e parecia mais pequeno do que nunca.
— Mãe… posso entrar?
Sentei-o na cozinha e servi-lhe chá quente, como fazia quando era miúdo e tinha pesadelos.
— O que se passa, filho?
Ele hesitou antes de responder:
— A Joana… ela diz que tu te metes demasiado na nossa vida. Que nunca vamos ser uma família se tu estiveres sempre por perto.
Senti uma dor aguda no peito. — Mas eu só quero ajudar…
— Eu sei, mãe. Mas ela sente-se sufocada.
Fiquei sem palavras. Sempre tentei ser uma sogra diferente das outras: compreensiva, carinhosa, sem impor nada. Mas agora parecia que tudo o que fazia era errado.
Na semana seguinte, decidi afastar-me um pouco. Não bati mais à porta deles, não ofereci mais bolos nem convidei para jantar. Custou-me horrores ver o Miguel passar por mim no jardim sem parar para conversar como antes.
Um dia, vi-o sentado sozinho no banco do parque em frente às casas. Sentei-me ao lado dele em silêncio.
— Sinto falta da nossa família — disse ele baixinho.
— Eu também — respondi.
Nesse momento percebi que o problema não era só meu ou da Joana. Era do Miguel também: dividido entre a mulher e a mãe, sem saber como agradar às duas.
As semanas passaram e fui-me habituando à solidão. Comecei a sair mais com as vizinhas, inscrevi-me num grupo de leitura na biblioteca municipal. Mas cada vez que via o Miguel passar apressado ou ouvia os risos deles do outro lado da parede fina das nossas casas geminadas, sentia um nó na garganta.
No Natal desse ano, decidi convidá-los para jantar. Preparei tudo com carinho: bacalhau à Brás, rabanadas como o António gostava, vinho do Porto especial guardado para ocasiões felizes.
A resposta chegou por mensagem:
«Dona Teresa, agradecemos o convite mas vamos passar o Natal só os dois este ano.»
Chorei sozinha na cozinha até adormecer sentada à mesa posta para três.
No início do ano seguinte soube pelos vizinhos que a Joana estava grávida. O Miguel não me contou nada; soube por terceiros. Fiquei devastada — ia ser avó e nem sequer sabia oficialmente.
Quando finalmente tive coragem de lhe perguntar diretamente, ele confirmou:
— A Joana não quer visitas nem confusões nesta fase…
A partir daí vi-os cada vez menos. O Miguel parecia cada vez mais apagado; a Joana cada vez mais distante.
O tempo passou devagar até ao dia em que ouvi um choro de bebé vindo da casa ao lado. O meu coração disparou — o meu neto tinha nascido! Esperei ansiosamente por um convite para conhecer o bebé… mas ele nunca veio.
Vi-os sair com o carrinho do bebé algumas vezes; tentei sorrir e acenar mas raramente obtinha resposta.
Um dia apanhei o Miguel sozinho no portão:
— Filho… posso conhecer o meu neto?
Ele olhou para trás antes de responder:
— A Joana acha melhor esperarmos mais um pouco…
Senti-me morrer por dentro.
Hoje passo os dias entre as paredes frias da minha casa, ouvindo ao longe os sons da vida nova do outro lado da parede: risos abafados, choros de bebé, passos apressados no corredor. Pergunto-me onde errei — será que fui demasiado presente? Ou será que nunca fui suficiente?
Às vezes olho para as fotografias antigas do António com o Miguel bebé ao colo e penso: será que algum dia vou ter a família unida com que sempre sonhei? Ou será este o preço de amar demasiado?