“Não, não vamos comprar esse sofá. E muito menos essa mesa!” – Como um crédito à habitação dividiu a minha família
— Não, não vamos comprar esse sofá. E muito menos essa mesa! — A voz da minha mãe ecoou pela sala vazia, tão fria quanto o olhar que me lançou naquele instante. O meu marido, o João, olhou para mim com aquele ar de quem já não tem forças para discutir. Eu, parada entre os dois, sentia-me como uma criança outra vez, incapaz de contrariar a autoridade materna.
Sempre sonhei ter uma casa minha. Cresci num T2 em Almada, paredes finas, vizinhos barulhentos, e uma mãe que fazia questão de controlar cada detalhe da nossa vida. Quando conheci o João na faculdade, prometemos um ao outro que um dia teríamos o nosso espaço, longe das pressões familiares. Trabalhámos anos a fio, poupámos cada cêntimo, e finalmente conseguimos: um crédito à habitação para um apartamento modesto em Odivelas. Era pequeno, mas era nosso.
No dia da mudança, a minha mãe apareceu com sacos de comida e um bloco de notas. — Filha, já fiz uma lista do que precisas para a casa. E não te esqueças: nada de móveis baratos do IKEA! — disse ela, como se eu ainda tivesse dez anos. O João sorriu, tentando ser diplomático:
— Obrigado, dona Teresa, mas já temos algumas ideias.
Ela ignorou-o. — Ideias? Vocês não percebem nada disto. Eu é que sei o que dura e o que não dura. — E assim começou o inferno.
Cada escolha era motivo para discussão. O sofá azul-escuro que eu adorava? “Vai parecer sempre sujo.” A mesa redonda de madeira clara? “Não combina com nada.” Até as cortinas foram alvo de debate: “Essas cores vão-te cansar em dois meses.”
O João tentava manter-se calmo, mas eu via-o a fechar-se cada vez mais. Uma noite, depois de mais uma visita da minha mãe, ele explodiu:
— Não aguento mais! Isto devia ser o nosso lar, mas sinto que estamos a viver na sombra dela!
Sentei-me ao lado dele no chão da sala ainda sem tapete e chorei. Chorei por mim, por ele, por nós. Porque era verdade: a minha mãe estava a destruir aquilo que tanto lutámos para construir.
No trabalho, os colegas perguntavam como estava a correr a nova casa. Eu sorria e dizia que estava tudo ótimo. Mas por dentro sentia-me uma fraude. A cada mensagem da minha mãe — “Já compraste a cómoda? Não te esqueças do que te disse sobre os colchões!” — sentia-me mais sufocada.
O pior foi quando ela apareceu sem avisar com um armário antigo do sótão dela.
— Trouxe isto para vocês. É de família! — anunciou, orgulhosa.
O João olhou para mim, esperando que eu dissesse alguma coisa. Mas eu não consegui. Vi-o sair da sala e ouvi a porta do quarto a fechar-se com força.
Naquela noite dormimos de costas voltadas. No silêncio escuro do quarto novo, ouvi-o sussurrar:
— Se isto continuar assim… não sei se consigo.
O medo instalou-se em mim como uma pedra no estômago. No dia seguinte, liguei à minha irmã mais velha, a Sofia.
— Achas que estou a exagerar? — perguntei-lhe, desesperada.
Ela suspirou do outro lado da linha.
— A mãe sempre foi assim contigo. Comigo também tentou, mas eu nunca deixei. Tens de pôr limites, Mariana.
Limites. Uma palavra tão simples e tão difícil de pôr em prática quando se trata da nossa mãe.
Na semana seguinte, decidi enfrentar o problema. Convidei a minha mãe para almoçar em nossa casa — só nós as duas. Preparei o seu prato preferido: bacalhau à Brás.
— Mãe, preciso de falar contigo — comecei, com as mãos a tremer.
Ela olhou-me desconfiada.
— O que foi agora?
Respirei fundo.
— Eu e o João queremos fazer as coisas à nossa maneira. Sei que queres ajudar, mas precisamos de espaço para errar e aprender sozinhos.
Ela ficou calada durante uns segundos eternos. Depois levantou-se da mesa e foi até à janela.
— Sempre foste tão teimosa… — murmurou.
— Mãe…
Ela virou-se para mim com os olhos marejados.
— Eu só quero o melhor para ti. Não percebes?
Senti as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto.
— Eu sei… Mas agora sou eu que tenho de decidir o que é melhor para mim.
Ela saiu sem dizer mais nada. Fiquei ali sentada, sozinha na sala vazia, sentindo-me ao mesmo tempo aliviada e culpada.
Os dias seguintes foram estranhos. A minha mãe deixou de ligar todos os dias. O João voltou a sorrir mais vezes e começámos finalmente a escolher os móveis juntos — sim, comprámos o sofá azul-escuro e a mesa redonda de madeira clara.
Mas a distância entre mim e a minha mãe pesava-me no peito como uma culpa antiga. No Natal desse ano, convidei-a para jantar connosco. Ela apareceu com um bolo-rei e um sorriso tímido.
— A mesa fica bem aqui — disse ela baixinho, apontando para o canto da sala.
Olhei para ela e percebi que talvez nunca aceitasse totalmente as minhas escolhas. Mas talvez isso fosse suficiente: aceitar que nunca teria a aprovação total dela e aprender a viver com isso.
Hoje olho para trás e pergunto-me: será possível ser verdadeiramente feliz quando quem mais amamos não aceita as nossas decisões? Ou será que a felicidade está precisamente em aprender a viver com essa falta de aceitação?
E vocês? Já sentiram este peso nas vossas escolhas? Como lidaram com isso?