“Mãe, tu sempre podias…”: O Verão em que Fui Avó a Tempo Inteiro e o Preço do Amor

— Mãe, tu sempre podias ter dito que não! — gritou o meu filho, Rui, do outro lado da mesa, a voz embargada entre a frustração e o cansaço. Olhei para ele, para a minha nora Sofia, e para os meus dois netos, sentados no sofá da sala, olhos colados ao telemóvel. Senti um nó na garganta. Como é que chegámos aqui?

Ainda há poucos meses, na primavera, tudo parecia tão simples. O Rui ligou-me numa tarde de domingo:

— Mãe, precisamos mesmo da tua ajuda este verão. Não queremos meter o Tomás e a Leonor nas ATL’s. Tu és a melhor avó do mundo! — disse ele, com aquela voz doce que só usava quando precisava de alguma coisa.

O meu coração derreteu-se. Quem não gosta de ouvir isso? Aceitei sem hesitar. Afinal, sempre fui aquela mãe que nunca dizia não. E avó… bom, avó é mãe duas vezes.

No início de junho, mudei-me para a casa deles em Oeiras. O Rui e a Sofia saíam cedo para Lisboa; eu ficava com os miúdos. Achei que ia ser fácil. Mas ninguém me avisou que cuidar de duas crianças de 6 e 9 anos durante três meses era mais difícil do que criar os meus próprios filhos.

O Tomás acordava às sete da manhã, cheio de energia. A Leonor fazia birra porque queria dormir mais. O pequeno-almoço era uma batalha: “Quero panquecas!”, “Eu só como cereais!”, “A mãe deixa-me ver desenhos animados enquanto como!”. Eu tentava manter a calma:

— Meninos, vamos lá ajudar a avó…

Mas eles olhavam para mim como se eu fosse invisível.

Os dias eram longos. Entre idas ao parque, refeições, banhos e discussões sobre tablets, sentia-me cada vez mais cansada. À noite, quando finalmente se deitavam, sentava-me na varanda com um chá e olhava para as luzes da cidade. Sentia falta da minha casa em Almada, do meu silêncio, dos meus livros.

A Sofia chegava sempre apressada:

— Obrigada, D. Teresa! Não sei como conseguíamos sem si…

Mas nunca havia tempo para conversar. O Rui estava sempre colado ao portátil ou ao telemóvel.

Um dia, depois de uma manhã especialmente difícil — a Leonor tinha feito xixi na cama e o Tomás atirou o pequeno-almoço ao chão — liguei à minha irmã:

— Maria do Céu, eu não aguento mais…

Ela suspirou:

— Teresa, tu tens de pensar em ti também. Eles já são crescidos.

Mas como dizer não ao meu filho? Como dizer não aos meus netos?

As semanas passaram. O calor apertava. Os miúdos começaram a implicar um com o outro por tudo e por nada. Um dia apanhei-os a discutir aos gritos:

— A avó gosta mais de mim! — berrava a Leonor.
— Não gosta nada! Ela só ralha comigo! — respondia o Tomás.

Senti-me derrotada. Será que estava a falhar como avó?

No final de julho, adoeci. Uma gripe forte deixou-me de cama dois dias. A Sofia ficou furiosa:

— Agora? Teresa, agora é que não nos podia acontecer isto…

O Rui tentou acalmar as coisas:

— Mãe, descansa. Mas vê se recuperas rápido…

Ninguém perguntou se eu precisava de alguma coisa. Ninguém me trouxe um chá ou ficou comigo à noite.

Quando melhorei, voltei à rotina. Mas algo tinha mudado em mim. Comecei a contar os dias para regressar a casa.

No último fim-de-semana de agosto, sentei-me com o Rui e a Sofia:

— Para o ano não posso repetir isto. Estou cansada.

O Rui olhou-me como se eu tivesse dito uma heresia:

— Mãe… sempre foste tu que nos ajudaste em tudo! Agora é que decides parar?

A Sofia acrescentou:

— Ale mamo, sempre podia ter dito que não…

Senti as lágrimas nos olhos. Levantei-me da mesa e fui para o quarto. Ouvi-os discutir baixinho na sala.

Na segunda-feira seguinte fiz as malas. O Tomás abraçou-me:

— Avó, vais voltar?

Apertei-o com força:

— Claro que sim, meu amor. Mas agora a avó precisa descansar.

Voltei para Almada com um misto de alívio e tristeza. Passei dias sem receber notícias deles. Senti-me descartável.

Só semanas depois o Rui me ligou:

— Mãe… desculpa. Fomos injustos contigo.

Chorei ao telefone. Percebi que tinha dado tudo por eles — como mãe e como avó — mas esqueci-me de mim própria.

Agora olho para trás e pergunto-me: até onde devemos ir por amor à família? Quando é que aprendemos a dizer basta? Será egoísmo pensar em nós próprios depois de uma vida inteira a cuidar dos outros?

E vocês? Já sentiram que deram tudo… e mesmo assim não foi suficiente?