Expulsei o meu filho e a nora de casa: sou uma má mãe ou finalmente dei-lhes asas para voar?
— Miguel, não aguento mais! — gritei, a voz a tremer entre raiva e desespero. — Isto não é vida para ninguém!
Ele olhou-me, olhos escuros cheios de mágoa, enquanto Sofia, sentada no sofá, apertava as mãos com força. O relógio da sala marcava quase meia-noite, mas ninguém tinha sono. O silêncio entre nós era tão pesado que quase sufocava.
Nunca pensei chegar aqui. Quando há três anos o Miguel me pediu para ele e a Sofia ficarem uns meses cá em casa, depois de perderem o emprego e o arrendamento do T2 em Benfica, achei que era o meu dever como mãe. “É só até arranjarmos trabalho e voltarmos a ter estabilidade, mãe”, prometeu-me ele, com aquele sorriso de menino que sempre me derretia.
No início, até foi bom. A casa encheu-se de vida, risos à mesa, jantares improvisados. Mas os meses passaram e as promessas foram ficando pelo caminho. O Miguel arranjou um part-time num call center em Alfragide, a Sofia fazia limpezas quando aparecia algum serviço. O dinheiro era pouco, mas eu acreditava que juntos íamos conseguir. Afinal, sempre fui mãe solteira, sempre lutei sozinha por ele.
Mas a rotina começou a pesar. A Sofia deixava loiça por lavar, o Miguel passava horas no computador. Pequenas coisas que se foram acumulando como pó nos cantos da casa. Eu sentia-me cada vez mais invisível na minha própria casa. As discussões começaram baixinho — “Podias ajudar mais”, “Isto não é um hotel” — mas depressa se tornaram gritos e portas a bater.
Uma noite, ouvi-os discutir no quarto:
— A tua mãe trata-me como se eu fosse uma inútil! — chorava a Sofia.
— Não digas isso… Ela só está cansada. — tentava o Miguel apaziguar.
— Cansada? Ela faz questão de me lembrar todos os dias que esta casa é dela!
Fiquei à porta, sem coragem de entrar. Senti-me horrível. Não era isto que queria para eles nem para mim.
O tempo foi passando e as feridas só aumentavam. O Miguel começou a chegar mais tarde a casa, evitava conversar comigo. A Sofia fechou-se numa concha de silêncio. Eu tentava manter a paz, mas sentia-me cada vez mais sozinha.
No Natal passado, tentei reunir todos à mesa. Fiz bacalhau com natas como ele gosta desde pequeno. Mas o jantar foi um desastre: discussões sobre dinheiro, sobre tarefas domésticas, sobre tudo e nada.
— Isto não pode continuar assim! — atirei eu, já sem forças.
— Então diz-nos o que queres! — respondeu o Miguel, olhos vermelhos de raiva.
Queria que tudo voltasse atrás. Queria o meu filho de volta, queria paz na minha casa. Mas sabia que isso já não era possível.
As semanas seguintes foram um arrastar de dias cinzentos. Até que ontem à noite, depois de mais uma discussão por causa do supermercado — “Compraste leite sem lactose outra vez? Sabes que não gosto disso!” — perdi o controlo.
— Basta! — gritei. — Quero-vos fora daqui. Já chega! Preciso da minha casa de volta!
O Miguel ficou branco como a cal da parede. A Sofia chorou baixinho. Senti-me um monstro.
Hoje de manhã entreguei-lhes as malas à porta e tirei-lhes as chaves. O Miguel não disse nada; apenas olhou para mim como se eu fosse uma estranha.
Agora estou sentada na sala vazia. O silêncio é ensurdecedor. Olho para as fotografias na estante: o Miguel em pequeno na praia da Nazaré, eu a segurá-lo ao colo no primeiro dia de escola. Onde foi que tudo se perdeu?
Sinto-me dividida entre culpa e alívio. Sei que talvez tenha sido dura demais, mas também sei que já não aguentava mais viver assim. Será que falhei como mãe? Ou será que finalmente lhes dei a oportunidade de crescerem por eles próprios?
Às vezes penso: será que o amor de mãe tem limites? Ou será que amar também é saber deixar ir?
E vocês? O que fariam no meu lugar?