Entre o Amor e o Orgulho: Quando a Ajuda da Minha Avó Não Era o Que Eu Precisava

— Não precisas de ajuda, então? — A voz da minha avó ecoou pela cozinha, carregada de uma mistura de mágoa e desafio. O cheiro do café acabado de fazer misturava-se com o aroma adocicado do bolo de laranja que ela insistira em trazer, como se um bolo pudesse resolver tudo.

Olhei para ela, com o meu filho recém-nascido ao colo, os olhos semicerrados de cansaço, e tentei não chorar. O Miguel ainda não tinha chegado do trabalho e eu sentia-me uma ilha, rodeada de tarefas, dúvidas e um bebé que chorava mais do que dormia. A minha avó, a Dona Amélia, era uma força da natureza: sempre pronta a ajudar, mas só à sua maneira.

— Preciso, avó. Só… — hesitei, tentando encontrar as palavras certas — precisava que ficasses com o bebé enquanto eu tomava um banho. Só isso. — A minha voz saiu num sussurro, quase uma súplica.

Ela franziu o sobrolho, pousou a chávena com força na mesa e respondeu:

— Um banho? Com tanta coisa para fazer, tu queres é tomar banho? Olha, no meu tempo, uma mulher aguentava-se. Não havia cá essas modernices. — E virou-me as costas, começando a arrumar a loiça que já estava limpa.

Senti uma raiva surda a crescer dentro de mim. Não era a primeira vez que discutíamos. Desde que o bebé nascera, a minha avó aparecia todos os dias, mas nunca fazia o que eu realmente precisava. Trazia comida, criticava a forma como eu segurava o bebé, dizia que o leite materno era pouco e que devia dar-lhe farinha, e nunca, nunca, ficava com ele para eu poder descansar. Era como se quisesse ajudar, mas só para mostrar que sabia mais do que eu.

— Avó, por favor… — tentei de novo, mas ela já estava de costas, a limpar o balcão com movimentos bruscos.

— Não precisas de mim para nada, pois não? — atirou, sem me olhar. — Então, não me peças nada. — E saiu, batendo a porta com força.

O silêncio que ficou foi ensurdecedor. O bebé começou a chorar, talvez assustado com o barulho, talvez a sentir a minha tensão. Sentei-me no sofá, abracei-o com força e chorei também. Senti-me a pior mãe do mundo. Porque é que não conseguia fazer tudo sozinha? Porque é que a minha avó não conseguia simplesmente ajudar-me como eu precisava?

Os dias seguintes foram um ciclo de exaustão. O Miguel chegava tarde, cansado, e perguntava sempre:

— O que é o jantar?

Eu olhava para ele, com olheiras profundas, e respondia:

— O que consegui fazer. — Às vezes era sopa, outras vezes só pão com queijo. Ele suspirava, mas não dizia nada. O silêncio dele doía tanto quanto as palavras da minha avó.

Certa tarde, a minha mãe ligou-me. A voz dela era suave, mas carregada de preocupação:

— A tua avó está magoada. Diz que não a deixas ajudar.

— Mãe, ela só faz o que quer. Eu só queria que ela ficasse com o bebé meia hora! — explodi, a voz embargada.

— Sabes como ela é. Sempre foi assim. — A minha mãe suspirou. — Ela acha que ajudar é fazer as coisas à maneira dela. Não sabe ouvir.

— E eu? Quem me ouve a mim? — perguntei, sentindo-me ainda mais sozinha.

Nessa noite, depois de adormecer o bebé, sentei-me na varanda. Oiço os vizinhos a conversar, o cheiro a sardinha assada vindo do rés-do-chão, e penso em todas as mães que conheço. Algumas têm avós que ficam com os netos, que lhes dão banho, que as deixam dormir uma sesta. Outras, como eu, têm avós que ajudam, mas só para mostrar que ainda mandam.

No dia seguinte, a minha avó voltou. Entrou sem bater, como sempre, e pousou um tacho de arroz de pato na bancada.

— Trouxe-te isto. — disse, sem me olhar nos olhos.

— Obrigada, avó. — respondi, tentando soar grata.

Ela olhou para o bebé, que dormia no berço, e depois para mim.

— Estás com má cara. — comentou, seca.

— Estou cansada. — admiti.

— Pois, no meu tempo não havia cá cansaço. — murmurou, mas desta vez sem agressividade.

Ficámos em silêncio. Eu queria pedir-lhe para ficar com o bebé, mas temi outra discussão. Ela queria ajudar, mas não sabia como. Era como se falássemos línguas diferentes.

De repente, ela sentou-se ao meu lado.

— Sabes, quando a tua mãe nasceu, eu também estava sozinha. O teu avô trabalhava no campo, só vinha à noite. Eu fazia tudo. — A voz dela tremia um pouco. — Às vezes, também chorei. Mas não havia ninguém para ver.

Olhei para ela, surpresa. Nunca a tinha ouvido falar assim.

— Avó… — comecei, mas ela levantou a mão.

— Não sou boa a mostrar estas coisas. Só sei fazer à minha maneira. — Fez uma pausa, olhando para as mãos enrugadas. — Mas se quiseres, posso tentar ficar com ele enquanto tomas banho. Só não me peças para lhe dar banho, que já não tenho jeito para isso.

Sorri, emocionada. Levantei-me, entreguei-lhe o bebé e fui tomar o banho mais rápido da minha vida, com lágrimas de alívio a misturarem-se com a água quente.

Quando voltei, a minha avó embalava o bebé, a cantar-lhe uma cantiga antiga. O meu coração encheu-se de gratidão e tristeza ao mesmo tempo. Porque é que demorámos tanto tempo a entender-nos?

Os dias foram passando e, aos poucos, fomos encontrando um equilíbrio. A minha avó continuava a trazer comida, mas agora ficava uns minutos com o bebé para eu poder respirar. O Miguel começou a perceber que eu precisava de mais do que sopa ao jantar. E eu aprendi que pedir ajuda não é sinal de fraqueza, mas de coragem.

Ainda hoje, quando oiço mães a falar das suas avós maravilhosas, sinto uma pontada de inveja. Mas depois lembro-me da minha avó, sentada no sofá, a embalar o meu filho com mãos trémulas e voz rouca, e percebo que cada família tem o seu próprio caminho.

Será que algum dia vamos conseguir ouvir verdadeiramente o que o outro precisa? Ou estamos todos condenados a ajudar só à nossa maneira? O que acham vocês?