Entre o Amor e a Injustiça: O Peso das Diferenças na Família

— Não percebes, mãe? Não é justo! — A voz do Rui ecoou pela cozinha, tensa, quase a tremer. Eu estava ali, de costas para eles, a fingir que lavava a loiça, mas cada palavra era uma facada. — A Ana e eu também precisamos de ajuda. Não é só a Mariana!

A minha sogra suspirou, aquele suspiro pesado que sempre me fez sentir pequena. — Rui, já falámos sobre isto. Cada um tem as suas necessidades. A Mariana está sozinha com os miúdos, tu tens a Ana ao teu lado. E eu já vos deixei comida, não foi?

Fechei os olhos. Comida. Sempre comida. Batatas, cebolas, às vezes um frango congelado. E à Mariana? Transferências de duzentos euros aqui, trezentos ali. Sabia porque o Rui via as notificações no telemóvel da mãe quando ela se esquecia de o silenciar.

Quando casei com o Rui, há seis anos, achei que ia ganhar uma segunda mãe. Cresci órfã desde os doze anos e sempre invejei quem tinha família grande. Mas depressa percebi que na família dele havia lugares marcados à mesa — e o meu era junto à porta.

A Mariana era a filha mais nova, divorciada há pouco mais de um ano, com dois filhos pequenos. Sempre foi a preferida da mãe, mas nunca pensei que isso se traduzisse em euros e cêntimos. O Rui tentava não se importar, mas eu via-o a fechar-se cada vez mais.

Uma noite, depois de mais uma discussão sobre contas para pagar, sentei-me ao lado dele no sofá.

— Achas que estou a exagerar? — perguntei-lhe em voz baixa.

Ele abanou a cabeça. — Não. Mas também não quero guerra com a minha mãe.

— E eu? Não mereço sentir-me parte da família?

Ele ficou calado. O silêncio dele doía mais do que qualquer palavra.

No domingo seguinte fomos almoçar à casa da sogra. A mesa estava posta para todos: nós, a Mariana e os filhos dela. Durante o almoço, a sogra levantou-se e foi buscar um envelope.

— Mariana, toma lá isto para os miúdos — disse ela, sorrindo.

A Mariana agradeceu com um beijo na cara da mãe. O Rui olhou para mim de lado; eu fingi não ver.

Depois do almoço, ajudei a arrumar a cozinha. A sogra aproximou-se e pousou-me uma mão no ombro.

— Ana, não fiques assim. Eu sei que às vezes parece injusto…

Virei-me para ela, finalmente sem conseguir conter tudo o que sentia.

— Parece? Dona Lurdes, é injusto. Nós também temos contas para pagar. Também temos dificuldades. Porque é que só ajuda a Mariana?

Ela ficou séria. — A Mariana está sozinha.

— E eu? Sabe quantas vezes chorei sozinha porque não sabia como ia pagar o infantário do Tomás? Sabe quantas vezes tive vergonha de pedir ajuda ao Rui porque ele já estava tão cansado?

Ela baixou os olhos. — Não sabia…

— Pois devia saber — respondi, sentindo as lágrimas a quererem saltar.

Nessa noite, em casa, o Rui abraçou-me forte.

— Foste corajosa — disse ele.

Mas eu não me sentia corajosa. Sentia-me exausta.

Os dias passaram e nada mudou. Continuámos a receber sacos de comida à porta — às vezes nem tocava à campainha, só ouvíamos o barulho do saco a pousar no chão. A Mariana continuava a receber envelopes e transferências.

Comecei a evitar os almoços de domingo. O Rui ia sozinho ou com o Tomás. Eu dizia que estava cansada ou que tinha trabalho para acabar.

Um dia, recebi uma mensagem da Mariana:

«Desculpa se achas que estou a tirar alguma coisa de ti ou do Rui. Eu nunca pedi nada à mãe.»

Fiquei ali parada a olhar para o telemóvel. Não sabia se respondia ou se ignorava. Acabei por escrever:

«Não é contigo. Só queria sentir-me parte da família.»

Ela respondeu com um emoji triste e nunca mais falou do assunto.

No trabalho comecei a sentir-me mais ansiosa, menos concentrada. Uma colega percebeu e perguntou se estava tudo bem.

— É só cansaço — menti.

Mas era mais do que isso: era o peso de não ser suficiente nem para a minha própria família.

No Natal desse ano, fomos todos jantar à casa da sogra. Havia presentes para todos; para mim, uma caixa de bombons e um avental bordado «Para a melhor nora». Para a Mariana, um envelope grosso e um casaco novo para cada filho.

Quando chegámos a casa, chorei no banho até não ter mais lágrimas.

O Rui entrou na casa de banho sem bater e sentou-se ao meu lado no chão frio.

— Não aguento ver-te assim — disse ele.

— Então faz alguma coisa! — gritei-lhe, sem querer.

Ele ficou calado muito tempo antes de responder:

— Vou falar com ela outra vez.

Na semana seguinte, o Rui foi sozinho falar com a mãe. Voltou cabisbaixo.

— Diz que faz o melhor que pode e que não vai mudar — disse ele.

A partir daí comecei a afastar-me ainda mais da família dele. O Tomás perguntava porque não íamos ver a avó; eu dizia que estava ocupada.

Um dia, ao buscar o Tomás à escola, encontrei a sogra à porta do portão.

— Ana… podemos falar?

Assenti sem vontade.

— Sei que estás magoada comigo — começou ela. — Mas acredita que faço tudo por amor aos meus filhos.

— Mas não somos todos filhos? — perguntei-lhe baixinho.

Ela olhou para mim com olhos cansados.

— Às vezes o coração não sabe dividir igual…

Fiquei sem resposta. O Tomás saiu da escola e correu para mim; peguei-lhe ao colo e fui embora sem olhar para trás.

Hoje olho para trás e vejo como esta ferida nunca sarou verdadeiramente. Continuo casada com o Rui; continuamos juntos apesar das diferenças familiares. Aprendi a proteger-me e a proteger o meu filho deste sentimento de exclusão. Mas ainda me pergunto: será possível perdoar uma injustiça destas? Ou será que há dores familiares que nunca se curam?

E vocês? Já sentiram esta diferença dentro da vossa própria família? Como lidaram com isso?