Aos Dezoito, O Mundo do Meu Filho Virou do Avesso: Uma História de Gravidez na Adolescência em Portugal

— Miguel, não podes estar a falar a sério! — gritei, sentindo o chão fugir-me dos pés. O meu filho, com os olhos vermelhos e as mãos a tremer, olhava para mim como se procurasse uma saída, uma desculpa, qualquer coisa que o salvasse daquele momento. — Mãe… a Inês está grávida. — repetiu ele, quase num sussurro, como se dizer as palavras mais alto as tornasse mais reais.

O relógio da cozinha marcava quase meia-noite. O meu marido, António, estava sentado à mesa, em silêncio, com o olhar fixo na chávena de café frio. Oiço o vento lá fora a bater nas janelas da nossa casa em Vila Nova de Poiares, uma aldeia onde toda a gente se conhece e as notícias correm depressa demais. Senti-me encolher por dentro. Eu, que sempre fui dona de casa dedicada, que me orgulhava dos filhos bem comportados e das conversas à mesa ao domingo, agora via tudo isso ameaçado por uma notícia que nunca pensei ouvir.

— E agora? — perguntei, sem saber se falava para mim ou para eles. António levantou-se devagar, passou a mão pela cabeça e saiu da cozinha sem dizer palavra. O silêncio dele doeu-me mais do que qualquer discussão.

Miguel ficou ali parado, com os olhos cheios de lágrimas. Lembrei-me de quando ele era pequeno e vinha ter comigo depois de um pesadelo. Agora era eu quem queria acordar deste sonho mau.

Naquela noite não dormi. Fiquei sentada na sala, a olhar para as fotografias antigas: o Miguel no batizado, o António com ele ao colo no primeiro dia de escola, a família toda reunida no Natal. Como é que chegámos aqui? Onde é que falhei?

No dia seguinte, acordei com o som do telemóvel. Era a minha irmã, Teresa. — Já soubeste? — perguntou ela, sem rodeios. — A mãe da Inês ligou-me em lágrimas…

A notícia já corria pela aldeia. Senti vergonha, raiva e medo. Medo do que iam dizer de nós na mercearia, na missa ao domingo, nas festas da terra. Medo do futuro do meu filho.

Quando António voltou do trabalho nesse dia, mal me olhou nos olhos. — Isto é uma vergonha — disse ele baixinho. — O Miguel ainda nem acabou o 12º ano… E agora? Vai trabalhar nas obras? Vai largar tudo?

Discutimos pela primeira vez em muitos anos. Eu queria proteger o Miguel, mas também sentia raiva dele por nos ter posto nesta situação. António queria castigar, mas no fundo estava tão perdido quanto eu.

Os dias seguintes foram um turbilhão. A Inês veio cá a casa com os pais. A mãe dela chorava sem parar; o pai dela mal conseguia olhar para nós. Sentámo-nos todos na sala como se estivéssemos num tribunal.

— Eles são só miúdos! — gritou o pai da Inês. — Como é que vão criar uma criança?

Miguel tentou falar, mas a voz falhou-lhe. Inês agarrou-lhe na mão e olhou para mim com uns olhos tão assustados como os dele.

— Eu não vou desistir do bebé — disse ela baixinho.

Naquela noite, depois de todos irem embora, sentei-me ao lado do Miguel no sofá. Ele chorava em silêncio.

— Mãe… eu não sei o que fazer — confessou ele.

Abracei-o como quando era pequeno. Senti-me dividida entre o amor por ele e o medo pelo futuro.

As semanas passaram devagar. As pessoas começaram a olhar para mim de lado na padaria. Ouvi comentários sussurrados atrás das costas: “Lá vai a mãe do Miguel…”, “Coitada da família…” Até as minhas amigas de sempre começaram a afastar-se.

Em casa, o ambiente era pesado. António quase não falava com o Miguel. Eu tentava manter tudo unido: fazia o jantar preferido dele, perguntava-lhe pela escola, mas sentia-o cada vez mais distante.

Um dia, ouvi-o ao telefone com um amigo:

— Não sei se vou conseguir acabar o curso… O meu pai não fala comigo… Sinto-me sozinho.

O meu coração partiu-se em mil pedaços.

Comecei a ir à missa todos os domingos, não tanto pela fé mas porque precisava de silêncio para pensar. Um dia, o padre Manuel falou sobre perdão e aceitação na homilia. Senti as lágrimas caírem-me pela cara abaixo.

Quando cheguei a casa nesse dia, sentei-me com António à mesa da cozinha.

— Não podemos continuar assim — disse-lhe. — O Miguel precisa de nós agora mais do que nunca.

Ele olhou para mim com os olhos cansados.

— Eu só queria que ele tivesse uma vida melhor do que a nossa…

— Talvez ainda possa ter — respondi eu. — Mas só se estivermos ao lado dele.

Nessa noite chamámos o Miguel à sala. António pediu-lhe desculpa por ter sido tão duro. Pela primeira vez em semanas vi um sorriso tímido no rosto do meu filho.

Começámos a planear juntos: como é que ele podia acabar o 12º ano à noite; como podíamos ajudar a Inês; como íamos lidar com os comentários da aldeia.

A gravidez avançou e comecei a sentir-me avó antes do tempo. Fui com a Inês às consultas no centro de saúde de Coimbra; ajudei-a a escolher roupinhas; comecei até a sonhar com o cheiro de bebé em casa outra vez.

No entanto, nem tudo foi fácil. O pai da Inês continuava zangado; houve discussões sobre dinheiro; houve noites em que ouvi o Miguel chorar no quarto ao lado porque tinha medo de não ser bom pai.

No dia em que a bebé nasceu — uma menina chamada Leonor — senti um amor tão grande que me faltaram as palavras. Vi o Miguel pegar nela ao colo e percebi que ele tinha crescido dez anos naquela hora.

Hoje olho para trás e vejo tudo aquilo que mudámos: aprendi a aceitar sem julgar; aprendi que ser mãe é apoiar mesmo quando dói; aprendi que as famílias perfeitas só existem nas fotografias antigas.

Às vezes pergunto-me: quantas mães passam por isto e nunca têm coragem de falar? Quantas famílias se perdem porque têm medo do que os outros vão dizer? Se pudesse voltar atrás faria tudo igual — porque foi no meio do caos que descobri quem realmente somos.