“Agora tens a tua própria família, Inês! Não voltes mais!” – Um regresso a casa que mudou tudo

— Inês, não percebes? Agora tens a tua própria família! Não voltes mais! — A voz da minha mãe ecoou pela sala, cortando o ar como uma lâmina fria. Fiquei ali, parada, com as chaves ainda na mão, sentindo o chão fugir-me dos pés. O meu filho, Tomás, olhava para mim com olhos assustados, sem perceber o que se passava. O meu marido, Miguel, tentava segurar-me pelo braço, mas eu já não sentia nada. Só ouvia aquela frase, repetida como um eco cruel.

Nunca pensei ouvir algo assim da boca da minha mãe. Sempre fui a filha que voltava, que ligava todos os domingos, que fazia questão de manter as tradições vivas. Mas naquele dia, tudo mudou. Tinha regressado a casa dos meus pais em Braga para lhes apresentar o Tomás, agora com três anos. Queria partilhar com eles o orgulho de ser mãe, mostrar-lhes que, apesar de todas as dificuldades, estava a conseguir construir uma vida feliz. Mas encontrei uma porta fechada — literal e metaforicamente.

— Mãe… — tentei dizer qualquer coisa, mas ela virou-me as costas e desapareceu pela cozinha. O meu pai nem sequer saiu do sofá; limitou-se a olhar para a televisão, como se nada tivesse acontecido.

Miguel puxou-me para fora da casa. — Vamos embora, Inês. Não tens de passar por isto — sussurrou-me ao ouvido.

Mas eu não queria ir. Queria respostas. Queria saber porque é que os meus pais se tinham tornado estranhos para mim. Porque é que aquela casa, onde cresci rodeada de amor e gargalhadas, agora me parecia tão fria e distante.

Na viagem de regresso ao Porto, o silêncio era pesado. Tomás adormeceu no banco de trás. Miguel olhava pela janela, claramente desconfortável. Eu só pensava em tudo o que tinha perdido.

Lembrei-me das noites em que a minha mãe me embalava quando tinha pesadelos. Das tardes de domingo em que cozinhávamos juntas bolos de laranja e canela. Do meu pai a ensinar-me a andar de bicicleta no parque da cidade. Onde estavam essas pessoas agora?

A verdade é que tudo começou a mudar quando decidi casar com o Miguel. Ele não era de Braga, nem sequer do Norte — era lisboeta, filho de professores universitários, com uma visão do mundo muito diferente da nossa família tradicional. Os meus pais nunca aceitaram bem a nossa relação. Diziam que eu estava a afastar-me das minhas raízes, que estava a esquecer quem era.

Quando engravidei do Tomás, pensei que tudo mudaria. Que um neto seria suficiente para os unir novamente. Mas enganei-me.

— Eles nunca gostaram de mim — disse Miguel uma vez, numa discussão acesa depois do Natal em que os meus pais quase nem falaram connosco.

— Não é isso… Eles só precisam de tempo — tentei justificar.

Mas agora percebia que talvez nunca aceitassem as minhas escolhas. E isso doía mais do que qualquer outra coisa.

Naquela noite, depois de adormecer o Tomás no quarto dele, sentei-me na varanda do nosso apartamento e chorei como há muito não chorava. Senti-me sozinha no mundo, sem chão nem tecto.

No dia seguinte, recebi uma mensagem da minha irmã mais nova, Sofia:

«A mãe está muito magoada contigo. Diz que já não és a mesma.»

Respondi-lhe apenas: «E ela é?»

Durante semanas tentei ligar à minha mãe. Ela não atendia. O meu pai também não respondia às mensagens. Sofia dizia-me para dar tempo ao tempo, mas eu sentia que estava a perder tudo aquilo que me definia.

No trabalho, comecei a distrair-me facilmente. Os colegas notaram o meu ar ausente. Uma vez, a minha chefe chamou-me ao gabinete:

— Inês, está tudo bem? Precisas de uns dias?

— Não… só preciso de resolver umas coisas em casa — menti.

Mas como se resolve um coração partido?

Miguel tentava animar-me:

— Temos o Tomás, temos um ao outro… Não precisas deles para seres feliz.

Mas eu precisava. Precisava das minhas raízes para saber quem era.

Uma noite, depois de adormecer o Tomás, sentei-me com Miguel na sala.

— Achas que estou a ser egoísta? — perguntei-lhe.

— Não… Acho que estás magoada. E tens razão para estar — respondeu ele.

— Sinto falta deles… Sinto falta de casa…

Miguel abraçou-me em silêncio.

Os meses passaram e fui aprendendo a viver com essa ausência. Mas havia sempre um vazio nos aniversários do Tomás, nos Natais passados sem avós, nas pequenas conquistas do dia-a-dia que queria partilhar com eles.

Um dia, Sofia ligou-me:

— A mãe está doente… Não sei se devias vir cá…

O coração bateu mais forte. Fui imediatamente para Braga com o Tomás e Miguel. Quando cheguei ao hospital, vi a minha mãe deitada na cama branca e fria. Parecia tão pequena… tão frágil…

Ela olhou para mim com lágrimas nos olhos:

— Desculpa… Fui dura contigo… Só queria proteger-te…

Abracei-a como se fosse a última vez.

O meu pai chorou baixinho ao nosso lado.

Nesse momento percebi que as famílias são feitas de amor e dor em doses iguais. Que por vezes é preciso perder quase tudo para perceber o valor do que temos.

Hoje tento ser uma mãe diferente para o Tomás — presente, aberta ao diálogo, capaz de aceitar as escolhas dele mesmo quando forem diferentes das minhas.

Mas ainda me pergunto: será possível encontrar um equilíbrio entre as raízes e as asas? Ou teremos sempre de sacrificar uma parte de nós para sermos felizes?