A Minha Sogra Levou Tudo – Até a Chaleira! Tempestade Familiar Entre Quatro Paredes
— Não vais dizer nada, Pedro? Vais mesmo deixar que a tua mãe leve até a chaleira? — perguntei, com a voz trémula, enquanto via D. Amélia empacotar os últimos talheres na caixa de cartão.
Pedro olhou para mim, os olhos baixos, como se procurasse uma desculpa no chão da cozinha. — Maria, ela só vai ficar com as coisas até arranjar o apartamento dela… — murmurou, sem convicção.
Senti o peito apertar. Era o nosso primeiro apartamento, pequeno mas acolhedor, onde cada objeto tinha uma história nossa. Agora, tudo desaparecia diante dos meus olhos, levado pelas mãos frias da minha sogra. D. Amélia não pedia licença; entrava e saía como se fosse dona do espaço e da nossa vida.
Lembro-me do dia em que ela chegou com as malas. “O senhorio aumentou-me a renda, não posso pagar. Fico aqui uns tempos”, anunciou, sem sequer perguntar se era conveniente. Pedro, como sempre, acenou com a cabeça. Eu sorri, por educação, mas por dentro já sentia o peso da invasão.
Os dias transformaram-se em semanas. D. Amélia criticava tudo: o tempero da comida, a forma como dobrava as toalhas, até o modo como falava com Pedro. “No meu tempo, as mulheres sabiam cuidar da casa”, dizia ela, lançando-me olhares de reprovação.
Uma noite, depois de mais uma discussão sobre o jantar — “O arroz está empapado!” — fechei-me na casa de banho e chorei baixinho. Senti-me pequena, impotente. Pedro tentava consolar-me: “Ela é assim com toda a gente… Vai passar.” Mas não passava.
A gota de água foi naquele sábado chuvoso. Eu tinha planeado um jantar romântico para mim e Pedro — velas, vinho do Douro, bacalhau à Brás — mas quando cheguei a casa, D. Amélia estava na cozinha a empacotar tudo: pratos, copos, até a chaleira elétrica que comprei com o meu primeiro ordenado.
— O que está a fazer? — perguntei, já sem conseguir esconder o desespero.
— Vou levar isto para o meu novo apartamento. Preciso destas coisas. Vocês são novos, podem comprar tudo outra vez — respondeu ela, sem sequer me olhar nos olhos.
Pedro entrou na cozinha nesse momento. Olhou para mim e depois para a mãe. — Mãe… talvez possas deixar algumas coisas…
— Não te metas! — cortou ela. — Sempre foste um menino mimado! Se não fosse eu, nem tinhas onde cair morto!
Senti uma raiva surda crescer dentro de mim. Pela primeira vez em anos de casamento, gritei:
— Basta! Isto é demais! Esta casa é minha também! Não pode levar tudo!
D. Amélia virou-se para mim com um sorriso frio:
— Tu? Tu só estás aqui porque eu deixo! Se não gostas, podes ir embora!
Pedro ficou paralisado. Eu tremia dos pés à cabeça. Saí de casa naquela noite sem destino certo. Caminhei pelas ruas molhadas do Porto até os pés doerem. Sentei-me num banco do Jardim das Virtudes e chorei até não ter mais lágrimas.
Na manhã seguinte, voltei para casa determinada a mudar tudo. Encontrei Pedro sentado à mesa da sala vazia — só restava uma cadeira e uma chávena lascada.
— Maria… desculpa — murmurou ele. — Eu não sei o que fazer.
— Ou ela ou eu — disse-lhe, olhando-o nos olhos pela primeira vez em muito tempo. — Não aguento mais viver assim.
Pedro ficou em silêncio durante longos minutos. Depois levantou-se e foi ao quarto falar com a mãe. Ouvi gritos abafados atrás da porta fechada: “Ela é tua mulher! Tens de escolher!” “Eu sou tua mãe! Sempre fui eu a cuidar de ti!”
Naquela noite, D. Amélia saiu de casa com as caixas e um olhar magoado. Pedro ficou sentado no sofá, cabisbaixo.
Os dias seguintes foram estranhos e silenciosos. A casa parecia maior e mais fria sem as coisas dela — mas também sem as minhas coisas que ela levara consigo. Tive de recomeçar do zero: comprei pratos baratos no supermercado, uma chaleira nova numa loja chinesa da esquina.
Pedro tentava compensar: fazia o jantar, arrumava a casa, comprava flores baratas no mercado do Bolhão. Mas havia um vazio entre nós que nem as flores conseguiam preencher.
Certa noite, sentei-me com ele à mesa improvisada:
— Achas que algum dia vamos voltar a ser como antes?
Ele olhou para mim com tristeza:
— Não sei… Sinto que perdi as duas mulheres mais importantes da minha vida.
A verdade é que nunca mais fomos os mesmos. A relação ficou marcada por silêncios e mágoas não ditas. A família de Pedro deixou de me falar; nas festas de Natal fingiam que eu não existia.
Um dia recebi uma mensagem da D. Amélia: “Espero que estejas feliz agora que tens tudo só para ti.” Apaguei sem responder.
Os anos passaram. Fui reconstruindo a minha vida aos poucos — fiz novos amigos no trabalho, inscrevi-me num curso de cerâmica para ocupar os fins-de-semana solitários. Pedro e eu continuámos juntos por inércia durante algum tempo, mas o amor foi-se apagando devagarinho.
Quando finalmente decidi sair de casa — desta vez por minha vontade — levei apenas uma mala e a chaleira azul que comprei depois daquela tempestade familiar.
Hoje olho para trás e pergunto-me: quantas mulheres vivem presas ao medo de desagradar à família do marido? Quantas perdem a própria voz para manter uma paz que nunca existiu? Será que vale mesmo a pena sacrificar quem somos por alguém que nunca nos defende?