Entre o Amor e a Verdade: Seis Traços Irresistíveis e um Destino Inesperado

— Não me venhas com desculpas, Mariana! — gritou a minha mãe, batendo com força a porta da cozinha. O som ecoou pela casa antiga em Alfama, misturando-se ao trovão que ribombava lá fora. Eu tremia, não só de frio, mas de raiva. Por que é que tudo tinha de ser tão difícil entre nós? Por que é que nunca conseguíamos falar sem nos magoarmos?

Naquela noite, enquanto a chuva escorria pelos vidros embaciados, pensei em tudo o que me tornava quem sou. Dizem que os homens se apaixonam por mulheres autênticas, confiantes, compassivas, inteligentes, independentes e com sentido de humor. Mas será que esses traços são mesmo uma bênção? Ou apenas uma armadilha para corações sensíveis como o meu?

O meu telemóvel vibrou. Era o Miguel. “Preciso de falar contigo. Estou cá em baixo.” O meu coração disparou. Miguel era o meu melhor amigo desde a infância, mas ultimamente havia algo diferente no ar entre nós. Desci as escadas a correr, ignorando os protestos da minha mãe.

— Mariana, espera! — ouvi-a gritar, mas já estava na rua, sentindo a chuva gelada na pele.

Miguel estava encostado ao seu velho Renault Clio, molhado até aos ossos. Os seus olhos castanhos procuraram os meus.

— Preciso de te dizer uma coisa — disse ele, hesitante. — Não aguento mais guardar isto para mim.

O meu coração apertou-se. — O que foi?

Ele respirou fundo. — Estou apaixonado por ti.

Fiquei sem palavras. Sempre fui aquela rapariga confiante, que não tem medo de dizer o que pensa. Mas ali, perante Miguel, senti-me vulnerável como nunca.

— Miguel… eu… — comecei, mas ele interrompeu-me.

— Eu sei que tens o Pedro. Mas não consigo fingir mais. Tu és diferente de todas as outras. És autêntica, és verdadeira. E isso… isso é irresistível.

As palavras dele ecoaram na minha cabeça durante dias. Pedro era o meu namorado há quase dois anos. Trabalhava numa consultora no Saldanha, era educado, bonito e fazia tudo para me agradar. Mas ultimamente sentia-me sufocada naquela relação perfeita demais para ser real.

Na semana seguinte, fui ter com a Sofia ao café A Brasileira. Ela era a minha prima e confidente, sempre pronta para ouvir os meus dramas.

— Então, já decidiste? — perguntou ela, mexendo no café.

— Não sei o que fazer — confessei. — O Pedro é tão previsível… E o Miguel faz-me sentir viva.

Sofia sorriu com aquele ar matreiro dela. — Sabes qual é o teu problema? És demasiado honesta contigo própria. Não consegues fingir sentimentos.

— Achas isso mau?

— Não! É raro encontrar alguém assim. Mas também te traz problemas… As pessoas querem autenticidade até ao momento em que ela as obriga a confrontar as próprias mentiras.

As palavras dela ficaram a martelar-me na cabeça. No dia seguinte, Pedro apareceu em minha casa com um ramo de flores.

— Mariana, tenho uma surpresa para ti — disse ele, sorrindo nervoso.

— O que foi?

— Arranjei bilhetes para irmos a Paris no fim de semana! Só nós os dois!

Senti um nó no estômago. Ele era tão atencioso… mas eu já não conseguia corresponder àquele entusiasmo.

— Pedro… precisamos de conversar — disse eu, baixando os olhos.

Ele percebeu logo. O seu sorriso desfez-se.

— Há outro?

Assenti em silêncio. Ele largou as flores no chão e saiu sem dizer palavra.

Naquela noite chorei até adormecer. Senti-me egoísta por magoar alguém tão bom. Mas também sabia que não podia viver uma mentira.

Os dias passaram e comecei a sair com o Miguel. No início era tudo perfeito: risos partilhados nas ruas estreitas de Lisboa, conversas profundas à beira do Tejo, beijos roubados à porta do elevador da Bica.

Mas depressa percebi que a autenticidade também tem um preço alto. Miguel era ciumento, inseguro. Queria saber tudo sobre mim: onde ia, com quem falava, o que sentia a cada momento.

Uma noite, depois de um jantar em casa dele, explodi:

— Não aguento mais esta pressão! Eu sou independente! Preciso do meu espaço!

Ele olhou-me magoado. — Tu és demasiado livre para mim…

Saí porta fora sem olhar para trás. Caminhei pelas ruas molhadas de Lisboa até chegar ao miradouro de Santa Catarina. Sentei-me num banco e deixei as lágrimas correrem livremente.

Foi aí que apareceu a Ana Rita, uma colega do trabalho que sempre admirei pela sua inteligência e humor ácido.

— Mariana? Estás bem?

— Não… Sinto que ninguém me entende. Dizem que sou irresistível por ser autêntica e independente… mas ninguém aguenta isso por muito tempo.

Ela sentou-se ao meu lado e riu-se baixinho.

— Sabes qual é o segredo? Não é agradar aos outros. É seres fiel a ti própria até ao fim — disse ela, olhando para as luzes da cidade lá em baixo.

Naquela noite tomei uma decisão: ia viver por mim e para mim. Comecei a investir na minha carreira como ilustradora, aceitei novos desafios e fiz novas amizades.

A minha mãe continuava a criticar as minhas escolhas:

— Nunca vais arranjar um homem se continuares assim! — dizia ela ao pequeno-almoço.

Mas eu já não me importava tanto. Descobri que ser autêntica pode afastar algumas pessoas… mas também atrai outras ainda mais especiais.

Meses depois conheci o João num workshop de arte urbana no Cais do Sodré. Ele era diferente: respeitava o meu espaço, admirava a minha independência e fazia-me rir como ninguém.

Certa noite, enquanto caminhávamos juntos pela Avenida da Liberdade iluminada pelas luzes de Natal, ele parou e olhou-me nos olhos:

— Gosto de ti exatamente como és: forte, honesta, livre… E isso é raro hoje em dia.

Sorri-lhe com o coração cheio de esperança pela primeira vez em muito tempo.

Hoje olho para trás e vejo como cada traço — confiança, compaixão, inteligência, independência, sentido de humor e autenticidade — me trouxe até aqui. Nem sempre foi fácil; perdi pessoas pelo caminho e enfrentei muitos conflitos familiares e amorosos. Mas ganhei algo ainda mais valioso: respeito por mim própria e a certeza de que só vale a pena amar quem nos aceita tal como somos.

Será que vale mesmo a pena sacrificar quem somos só para agradar aos outros? Ou será que a verdadeira felicidade está em sermos fiéis à nossa essência — mesmo quando isso nos traz solidão ou dor? Gostava de saber o que vocês pensam…