Descobri que o homem da minha vida era casado. A vingança foi doce, mas valeu a pena?
— Não me mintas, Miguel! — gritei, a voz embargada de raiva e desespero, enquanto ele tentava, em vão, encontrar palavras para justificar o injustificável. O cheiro a café frio misturava-se com o perfume dele, ainda impregnado na minha roupa, e tudo me parecia irreal. Como é que cheguei aqui? Como é que me deixei enganar assim?
Conheci o Miguel numa tarde chuvosa de novembro, na pastelaria do Sr. António, ali ao pé da Praça das Flores. Eu estava a tentar aquecer-me com um galão e um pastel de nata, quando ele se sentou à minha frente, com aquele sorriso fácil e olhar intenso. Começámos a conversar sobre livros — ele dizia adorar Saramago, eu confessei a minha paixão por Sophia de Mello Breyner — e antes que desse por isso, já estávamos a rir como velhos amigos. Trocámos números de telefone e, nos dias seguintes, as mensagens tornaram-se cada vez mais frequentes e íntimas.
A minha mãe sempre me avisou para não confiar demasiado depressa nos homens. “Os homens portugueses são muito dados à conversa, mas nem sempre dizem tudo”, dizia ela, com aquele ar de quem já tinha visto demasiado da vida. Mas eu não quis ouvir. O Miguel era diferente — ou assim pensei.
Durante meses vivi num sonho. Ele levava-me a jantar ao Bairro Alto, passeávamos de mão dada pelo Jardim da Estrela, e até me apresentou ao seu melhor amigo, o Rui. Nunca me levou a casa dele, é verdade, mas dizia que estava em obras e que preferia ficar comigo no meu pequeno apartamento em Campo de Ourique. Eu acreditava em tudo.
Até ao dia em que vi uma mensagem no telemóvel dele. “A que horas chegas a casa? A Leonor está cheia de saudades do pai.” O nome Leonor soou-me estranho — nunca tinha ouvido falar dela. Fingi que não vi nada, mas aquela noite não dormi. No dia seguinte, enquanto ele tomava banho, mexi no telemóvel dele. Descobri tudo: fotos de família no Algarve, mensagens carinhosas para uma mulher chamada Marta, desenhos de uma menina pequena colados no fundo da galeria.
O choque foi tão grande que quase vomitei. Senti-me suja, usada, ridícula. Quando ele saiu da casa de banho, confrontei-o. “Quem é a Marta? Quem é a Leonor?” Ele ficou pálido como a cal da parede. Tentou explicar-se: “É complicado… Eu amo-te, mas não consigo deixar a minha família agora…” Tive vontade de lhe bater.
Passei dias sem comer, sem dormir. A minha irmã Inês foi lá a casa e obrigou-me a sair da cama. “Não podes deixar esse canalha destruir-te! Faz alguma coisa!” E foi aí que decidi: não ia ser vítima. Ia mostrar-lhe que comigo ninguém brinca.
Comecei por enviar uma mensagem à Marta: “Olá Marta, sou a Ana. Acho que devíamos conversar sobre o Miguel.” Ela respondeu quase de imediato: “Quem és tu?” Marcámos encontro num café discreto em Alcântara. Quando ela chegou, percebi logo quem era: bonita, elegante, com um olhar cansado de quem já desconfiava de tudo há muito tempo.
Contei-lhe tudo. Mostrei-lhe as mensagens, as fotos. Ela chorou em silêncio durante minutos intermináveis. “Eu sabia… Sempre soube… Mas nunca quis acreditar.” Senti pena dela — mas também raiva por mim própria.
A Marta decidiu confrontá-lo naquela noite. Eu esperei ansiosamente por notícias. Às duas da manhã recebi uma mensagem dela: “Obrigada por me mostrares a verdade. Ele saiu de casa.” Senti um alívio estranho — mas também um vazio enorme.
Nos dias seguintes o Miguel tentou ligar-me dezenas de vezes. Mandou flores para o trabalho, escreveu cartas longas cheias de promessas e desculpas. A minha mãe dizia para eu ignorar: “Quem trai uma vez, trai sempre.” Mas o coração não obedece à razão.
O Rui, o tal melhor amigo dele, também me procurou. Queria saber se eu estava bem. Acabámos por nos encontrar para um café e ele contou-me coisas que me deixaram ainda mais revoltada: “O Miguel sempre foi assim… Nunca soube o que queria da vida.” Senti-me usada por todos os lados.
No trabalho comecei a falhar prazos e a perder a paciência com os colegas. A minha chefe chamou-me ao gabinete: “Ana, tu não és assim… O que se passa contigo?” Não consegui conter as lágrimas e contei-lhe tudo. Ela abraçou-me e disse: “Já todas passámos por alguma coisa parecida… Vais sair dessa mais forte.”
A Inês insistia para eu ir ao psicólogo. “Não podes guardar isso tudo aí dentro!” Acabei por aceitar e comecei a fazer terapia com a Dra. Teresa, uma mulher calma e paciente que me ajudou a perceber que nada disto era culpa minha.
Entretanto, soube que o Miguel estava a viver num quarto alugado em Benfica e que a Marta tinha pedido o divórcio. A Leonor ficou com ela. Senti uma pontada no peito ao imaginar aquela menina sem o pai em casa — mas depois lembrei-me das mentiras todas e endureci o coração.
Um dia recebi uma mensagem inesperada da Marta: “Queres vir cá jantar? Acho que precisamos as duas de fechar este capítulo.” Fui até à casa dela em Alvalade com um bolo de chocolate comprado à pressa na pastelaria do costume. Falámos durante horas sobre tudo: sobre os sonhos desfeitos, as promessas quebradas, as noites mal dormidas.
No final do jantar ela disse-me: “Sabes… Não te culpo por nada disto. O Miguel é que nunca soube ser homem.” Chorámos as duas — mas senti finalmente um peso a sair-me dos ombros.
O tempo passou devagarinho. Voltei a sair com amigos, comecei a correr no Parque Eduardo VII para libertar a cabeça e até aceitei um convite para jantar do Rui — só como amigos, desta vez.
Às vezes ainda penso no Miguel. Pergunto-me se ele sente falta de mim ou se já encontrou outra para enganar. Mas depois olho para mim ao espelho e vejo uma mulher mais forte, mais atenta aos sinais do mundo.
Hoje sei que a vingança pode ser doce no momento — mas deixa sempre um travo amargo na boca. Valeu mesmo a pena? Ou teria sido melhor simplesmente virar costas e seguir em frente?
E vocês? Já sentiram este misto de raiva e alívio depois de uma traição? O que fariam no meu lugar?