Aos 42, Conheci Um Homem Intrigante. Comprei Uma Tarte Cara e Fui à Casa Dele, Só Para Ele Fazer Chá Com Um Só Saquinho e Guardar a Tarte. Eis Como Tudo Acabou
— Não vás, Ana. Vais só perder tempo — disse a minha irmã, Joana, enquanto eu me olhava ao espelho, ajeitando o cabelo com mãos trémulas. O reflexo devolvia-me uma mulher de 42 anos, com rugas finas nos olhos e um sorriso hesitante. Ignorei o aviso dela, mas as palavras ecoavam na minha cabeça como um trovão distante.
Naquela manhã de sábado, acordei com o coração acelerado. O Rui era diferente dos outros homens que conheci. Conhecemo-nos numa reunião de trabalho — ele era consultor financeiro da empresa onde trabalho como administrativa. Trocámos olhares cúmplices durante semanas, até que ele me convidou para tomar um chá em sua casa. “Traz qualquer coisa doce”, pediu ele, com aquela voz grave que me fazia estremecer.
Fui à pastelaria mais cara do bairro e comprei uma tarte de amêndoa reluzente. O preço fez-me hesitar, mas queria impressioná-lo. Caminhei até à casa dele com a caixa nas mãos, sentindo-me adolescente outra vez.
Quando cheguei, ele abriu a porta com um sorriso contido. A casa cheirava a livros velhos e café frio. Sentei-me no sofá de veludo verde, tentando disfarçar o nervosismo.
— Trouxe-te uma tarte — disse eu, estendendo-lhe a caixa.
Ele olhou para a tarte como se fosse um objeto estranho.
— Obrigado, Ana. Vou pôr aqui de lado para depois — respondeu, colocando-a no frigorífico sem sequer abrir a caixa.
Fiquei ali sentada, a olhar para as mãos. Ele foi à cozinha e voltou com duas chávenas e um bule de água quente. Pegou num único saquinho de chá preto e mergulhou-o rapidamente em cada chávena.
— Desculpa, só tinha este saquinho — murmurou.
Sorri, mas por dentro senti-me ridícula. Tinha investido tanto naquele momento e ali estava eu, a beber chá aguado enquanto a tarte repousava esquecida.
O silêncio instalou-se entre nós como uma parede invisível. Tentei puxar conversa:
— Gosto muito deste bairro. Lembra-me os passeios com o meu pai quando era miúda.
Ele assentiu, distraído, olhando para o telemóvel.
— O meu pai morreu há dois anos — continuei, esperando alguma empatia.
— Pois… — respondeu ele, sem levantar os olhos.
Senti uma pontada no peito. Lembrei-me das discussões em casa da minha mãe, das acusações veladas entre mim e a Joana sobre quem cuidava mais dela desde que o pai partiu. Senti-me sozinha ali, como tantas vezes me sentira na infância.
De repente, o Rui levantou-se:
— Tenho de fazer uma chamada rápida para o trabalho. Volto já.
Fiquei sozinha na sala, rodeada por livros e silêncios. Olhei para as fotos nas estantes: Rui em viagens sozinho, Rui com colegas de trabalho, mas nenhuma família. Senti uma tristeza funda — não só por mim, mas por ele também.
Quando voltou, parecia apressado.
— Olha, Ana… Desculpa, mas surgiu um imprevisto. Tenho mesmo de sair daqui a pouco.
Levantei-me devagar. Senti-me descartável, como aquela tarte cara esquecida no frigorífico.
No caminho para casa, as lágrimas caíram sem aviso. Liguei à Joana:
— Tinhas razão. Não devia ter ido.
Ela ficou em silêncio do outro lado da linha e depois disse:
— Não é por causa dele. É porque tu mereces mais do que migalhas.
Cheguei a casa e sentei-me na cozinha vazia. O cheiro da tarte ainda me perseguia. Lembrei-me da última vez que o meu pai me levou ao parque e comprou uma fatia de bolo só para mim. “Nunca aceites menos do que mereces”, disse ele nesse dia.
Naquela noite, escrevi uma mensagem ao Rui: “Obrigada pelo chá. Espero que aprecies a tarte.” Ele respondeu apenas: “Obrigado pela companhia.” Nada mais.
Passei dias a remoer aquele encontro. No trabalho, evitávamos cruzar olhares. A Joana insistia para eu sair mais, conhecer pessoas novas. Mas eu sentia-me presa num ciclo de desilusão e medo de arriscar outra vez.
Um mês depois, recebi uma mensagem inesperada da minha mãe: “Preciso falar contigo e com a Joana.” Fui até à casa dela com o coração apertado. A sala estava igual à minha infância: móveis antigos, cheiro a sopa de legumes e fotografias dos meus pais sorridentes.
A minha mãe olhou-nos nos olhos:
— Estou cansada de ver-vos afastadas por coisas pequenas. O vosso pai não ia gostar disto.
A Joana chorou baixinho. Eu abracei-a pela primeira vez em meses. Percebi que procurava nos outros o que faltava em mim: aceitação, carinho, pertença.
Naquela noite, sentei-me na varanda com um chá quente (desta vez feito com dois saquinhos) e pensei em tudo o que tinha vivido nos últimos meses: o medo da solidão, a ânsia de ser amada, as feridas antigas da família.
Será que procuramos nos outros aquilo que só podemos encontrar em nós próprios? Quantas vezes aceitamos migalhas quando merecemos um banquete? Talvez seja hora de deixar de esperar que alguém abra a caixa da tarte por nós e aprender a saborear a vida — mesmo quando ela não é doce como esperávamos.