“Vemo-nos Daqui a Cinco Anos!” – Uma Promessa Feita ao Marido Que Partiu com Tudo
— Vais mesmo deixar-nos assim? — perguntei, com a voz embargada, enquanto via António a enfiar as últimas camisas na mala. O cheiro do seu perfume misturava-se com o odor frio da manhã, e o silêncio dos nossos filhos no quarto ao lado pesava mais do que qualquer palavra.
Ele não me olhou nos olhos. — Preciso de outra vida, Ana. Não aguento mais esta rotina. Não é culpa tua… — murmurou, mas eu já não ouvia. Oiço apenas o estalar do fecho da mala e o som da porta a fechar-se atrás dele. Ficámos eu, o Pedro e a Mariana, sozinhos numa casa demasiado grande para três corações partidos.
A notícia espalhou-se rápido pela vila de Torres Novas. A minha mãe foi a primeira a chegar, com o olhar carregado de julgamento e preocupação. — Eu avisei-te, Ana. Ele nunca foi homem para te dar estabilidade. — As palavras dela eram facas afiadas, mas eu não tinha forças para responder. O meu pai limitou-se a sentar-se à mesa da cozinha, calado, a olhar para os netos como se pudesse protegê-los do mundo só com a presença.
Os meses seguintes foram um exercício de sobrevivência. O António deixou-nos com dívidas, a casa hipotecada e contas por pagar. Tive de arranjar dois empregos: de manhã, limpava escritórios; à tarde, fazia atendimento numa pastelaria. Os meus filhos cresceram depressa demais. O Pedro, com apenas oito anos, começou a ajudar-me em casa, enquanto a Mariana chorava baixinho à noite, perguntando quando é que o pai voltava.
As pessoas cochichavam na rua. — Coitada da Ana… — diziam as vizinhas à janela. — O António foi-se embora com aquela tal de Sofia, a rapariga nova do café. — Eu fingia não ouvir, mas cada palavra era um prego na minha dignidade.
Um dia, ao chegar a casa exausta, encontrei uma carta no tapete da entrada. Era do António: “Vemo-nos daqui a cinco anos. Preciso de tempo para mim.” Senti raiva, tristeza e uma estranha sensação de alívio. Pelo menos agora sabia que não voltaria tão cedo.
Os anos passaram devagar. Vi os meus filhos crescerem sem o pai: o Pedro tornou-se um adolescente fechado, revoltado com o mundo; a Mariana refugiou-se nos livros e nos desenhos. Eu própria fui mudando — deixei de ser apenas “a mulher do António” para ser “a Ana que nunca desiste”.
Houve noites em que chorei até adormecer, outras em que me levantei antes do sol para garantir que nada faltava aos meus filhos. A minha mãe continuava a aparecer todos os domingos com tupperwares de comida e conselhos não pedidos. O meu pai ensinou o Pedro a consertar coisas em casa, tentando preencher o vazio deixado pelo genro.
A vida foi-se recompondo aos poucos. Fiz novas amizades na pastelaria; até me apaixonei brevemente por um cliente habitual, o João, mas nunca consegui entregar-lhe o coração inteiro. Havia sempre uma parte de mim presa ao passado, à promessa não cumprida do António.
Cinco anos depois daquela manhã gelada em que ele partiu, ouvi baterem à porta ao anoitecer. O Pedro abriu e ficou estático. Era o António: mais magro, cabelo grisalho nas têmporas e um olhar cansado.
— Olá… posso entrar? — perguntou ele, hesitante.
A Mariana correu para o quarto; eu fiquei ali, parada na sala, sem saber se gritava ou chorava.
— O que queres aqui? — perguntei finalmente.
Ele baixou os olhos. — Fiz tudo mal, Ana. Pensei que ia encontrar felicidade noutro lado… mas perdi-me. A Sofia deixou-me há meses. Não tenho para onde ir.
O Pedro explodiu: — Agora lembras-te de nós? Depois de tudo o que fizeste?
O António tentou aproximar-se dele, mas o meu filho recuou como se tivesse visto um fantasma.
— Não podes simplesmente voltar como se nada fosse! — gritou a Mariana da porta do quarto, lágrimas nos olhos.
Eu respirei fundo. Senti-me dividida entre a raiva e a compaixão. Lembrei-me das noites sozinha, das contas por pagar, dos aniversários passados sem ele… mas também dos momentos felizes antes da traição.
— Não sei se consigo perdoar-te — disse-lhe baixinho. — Mas os teus filhos merecem uma explicação.
Sentámo-nos todos à mesa da cozinha. O António contou-nos como tudo correu mal: perdeu o emprego, a Sofia cansou-se dele e acabou por deixá-lo sozinho numa cidade onde ninguém o conhecia. Disse que pensava em nós todos os dias, mas teve vergonha de voltar mais cedo.
A conversa durou horas. Houve gritos, lágrimas e silêncios pesados. No fim, ficou claro que nada voltaria a ser como antes.
O António pediu para ficar uns dias até arranjar trabalho e casa. Aceitei por causa dos meus filhos — eles precisavam de fechar aquele capítulo das suas vidas.
Os dias seguintes foram estranhos: ele tentava ajudar em casa, mas tudo parecia forçado. O Pedro mal lhe falava; a Mariana evitava cruzar-se com ele nos corredores.
Uma noite, sentei-me sozinha na varanda e olhei para as estrelas. Senti-me cansada mas também orgulhosa do caminho que percorri sozinha.
O António acabou por sair passado um mês; arranjou um quarto numa pensão e um emprego numa oficina local. Os filhos foram visitando-o aos poucos; eu mantive-me distante.
Hoje olho para trás e percebo que sobrevivi ao pior momento da minha vida — e renasci mais forte do que alguma vez imaginei ser possível.
Pergunto-me muitas vezes: quantas mulheres terão passado pelo mesmo? E quantas terão tido coragem de recomeçar sem olhar para trás? Se fosse convosco… conseguiriam perdoar?