Quando Descobri o Casamento do Meu Filho Pela Vizinha: O Silêncio de Uma Mãe Portuguesa
— Maria, já soubeste? O teu Rui vai casar-se! — A voz da Dona Emília, a vizinha do terceiro andar, ecoou pelo corredor do prédio, carregada de uma excitação quase infantil.
Fiquei parada, com as compras ainda nos braços, sentindo o chão fugir-me dos pés. O Rui? O meu Rui? Casar-se? E eu sem saber de nada? Senti o coração apertar-se no peito, como se alguém o tivesse fechado numa mão fria e impiedosa.
— Como assim, Dona Emília? — perguntei, tentando manter a voz firme, mas ela tremeu, traindo-me. — O Rui não me disse nada…
Ela olhou-me com pena, aquela pena que só as vizinhas sabem dar, e pousou a mão no meu braço.
— Ai Maria, desculpa… Pensei que já soubesses. Vi-o ontem à noite a entrar com aquela rapariga loira, a Sofia. Ouvi-os a falar no elevador, estavam tão felizes… Disseram que iam marcar a data para o mês que vem. — E baixou a voz, como se quisesse proteger-me da própria notícia.
Agradeci-lhe com um aceno de cabeça e entrei em casa. Fechei a porta devagar, como se o silêncio pudesse proteger-me da dor. Sentei-me à mesa da cozinha, entre as batatas e o pão ainda quente da padaria. O relógio marcava quatro da tarde, mas para mim o tempo tinha parado.
O Rui era tudo para mim. Depois de o pai dele nos ter deixado — foi-se embora com outra mulher quando o Rui tinha dez anos — fui mãe e pai. Trabalhei noites inteiras na fábrica de conservas em Matosinhos para lhe dar tudo. Nunca lhe faltou nada, nem amor, nem comida quente na mesa. E agora… agora ele ia casar-se e eu era a última a saber?
Peguei no telefone. Liguei-lhe uma vez, duas, três. Caixa de mensagens. Escrevi-lhe uma mensagem: “Rui, precisamos de falar.”
As horas passaram lentas. O sol pôs-se atrás dos telhados e as sombras cresceram na sala. Só ao fim da noite ouvi a chave na porta.
— Mãe? — A voz dele soou hesitante.
Levantei-me devagar. Olhei-o nos olhos. Era o meu menino, mas já não era menino nenhum. Tinha barba por fazer e olheiras fundas.
— Vais casar-te? — perguntei sem rodeios.
Ele baixou os olhos.
— Ia contar-te… Só que… — fez uma pausa — Tu nunca gostaste da Sofia.
Senti um nó na garganta.
— Não é disso que se trata, Rui! Eu sou tua mãe! Como é que sou a última a saber?
Ele suspirou, passou as mãos pelo cabelo.
— Mãe, tu controlas tudo! Sempre controlaste! Eu precisava de fazer isto à minha maneira…
As palavras dele cortaram-me como facas. Lembrei-me das vezes em que lhe dei sopa à boca quando estava doente, das noites em claro à espera que chegasse das saídas com os amigos.
— Controlar? Rui… Eu só queria o melhor para ti.
Ele olhou-me finalmente nos olhos.
— Eu sei. Mas agora preciso de viver a minha vida.
O silêncio caiu entre nós como uma parede de vidro. Ele foi para o quarto sem dizer mais nada. Fiquei ali na cozinha, sozinha com as minhas mágoas e as memórias dos anos passados.
Nos dias seguintes, mal nos falámos. Ele saía cedo para o trabalho e voltava tarde. Eu fingia que não me importava, mas cada vez que ouvia a porta fechar-se sentia um vazio maior dentro de mim.
Uma tarde, decidi ir ter com a Sofia. Sabia onde ela trabalhava — numa loja de roupa no centro do Porto. Entrei na loja com o coração aos pulos.
Ela viu-me e ficou tensa.
— Dona Maria…
— Sofia, precisamos de conversar — disse-lhe sem rodeios.
Ela levou-me até ao armazém nos fundos da loja.
— Eu sei que não gosta de mim — começou ela antes que eu dissesse alguma coisa.
— Não é isso — interrompi-a. — Eu só quero perceber porque é que o Rui não me contou nada.
Ela suspirou.
— Ele tem medo de magoá-la. Diz que sente que nunca vai ser suficiente para si… Que nunca vai conseguir agradá-la.
As palavras dela doeram mais do que eu esperava. Será que eu tinha sido assim tão dura? Será que o meu amor sufocou o meu filho?
Saí dali com mais dúvidas do que respostas. Passei pelo rio Douro antes de voltar para casa. Sentei-me num banco e vi os barcos rabelos a passar devagarinho pela água escura. Lembrei-me do Rui em pequeno, a correr atrás dos pombos na Ribeira, sempre a rir…
Quando cheguei a casa, ele estava à minha espera na sala.
— Foste falar com a Sofia? — perguntou ele, sem raiva na voz, só cansaço.
Assenti.
— Fui. E percebi que talvez tenha errado contigo… Quis proteger-te tanto que acabei por te afastar.
Ele aproximou-se e sentou-se ao meu lado.
— Mãe… Eu amo-te. Mas preciso de espaço para ser eu próprio. Para errar, para acertar… Para viver à minha maneira.
As lágrimas correram-me pela cara abaixo sem vergonha nenhuma.
— Só quero que sejas feliz, Rui. Mesmo que isso signifique deixar-te ir…
Ele abraçou-me com força. Pela primeira vez em muito tempo senti que talvez houvesse esperança para nós.
Os dias seguintes foram feitos de pequenos gestos: um café juntos ao domingo de manhã, uma chamada rápida ao fim do dia só para saber se estava tudo bem. Comecei a conhecer melhor a Sofia — descobri nela uma rapariga doce e dedicada ao Rui. Aos poucos fui aceitando que o meu filho já não era só meu.
O casamento foi simples, numa igreja pequena perto do mar. Chorei durante toda a cerimónia — lágrimas de tristeza pelo tempo perdido e de alegria por ver o Rui feliz.
Hoje olho para trás e pergunto-me: quantas mães portuguesas vivem presas ao silêncio e ao medo de perder os filhos? Quantos filhos fogem porque sentem o peso do nosso amor? Será possível amar sem sufocar?
E vocês? Já sentiram este silêncio nas vossas famílias? Como se aprende a deixar ir quem mais amamos?