Entrei em Casa Para Ver os Móveis Novos, Mas o Que Encontrei Mudou Tudo
— Não faças barulho, Joana! — sussurrei para mim mesma, enquanto rodava a chave na porta da nossa casa nova. O cheiro a madeira fresca misturava-se com o perfume dos móveis acabados de montar. O Miguel tinha prometido que ia ser surpresa — “Vais ver, amor, vai ficar tudo perfeito!” — mas eu não resisti à curiosidade e cheguei mais cedo do trabalho.
O silêncio era estranho. Nem um som de rádio, nem passos apressados. Só o eco dos meus próprios sapatos no soalho. Subi as escadas devagar, sentindo o coração bater mais forte a cada degrau. Quando cheguei ao corredor do quarto, ouvi vozes abafadas. Uma risada feminina. O sangue gelou-me nas veias.
— Miguel, pára! — ouvi, baixinho, seguido de um sussurro que não consegui distinguir.
Abri a porta devagar. A luz do fim da tarde entrava pela janela e iluminava a cena: Miguel, meu marido, sentado na beira da cama, com a Andreia — minha prima — ao lado dele. Ela ajeitava a blusa apressadamente. O olhar de ambos encontrou o meu. Por um segundo, ninguém respirou.
— Joana… — começou ele, levantando-se de rompante.
— Não digas nada! — gritei, sentindo as lágrimas queimarem-me os olhos. — Como foste capaz?
Andreia tentou aproximar-se. — Joana, por favor…
Afastei-me dela como se tivesse tocado fogo. — Sai da minha casa! Agora!
Ela saiu quase a correr, tropeçando nos próprios pés. Miguel ficou parado à minha frente, pálido como cal. Eu tremia dos pés à cabeça.
— Não é o que parece…
— Não é? Então explica-me! Explica-me porque é que a minha prima está aqui contigo, no nosso quarto!
Ele passou as mãos pelo cabelo, desesperado. — Ela veio ajudar-me com os móveis… Eu…
— Achas que sou estúpida? — cuspi as palavras como veneno. — Achas mesmo?
Miguel calou-se. Senti-me desabar por dentro. Tudo aquilo pelo qual tínhamos lutado — a casa nova, os planos para o futuro, os jantares em família — parecia desmoronar-se à minha frente.
Corri para o jardim das traseiras e sentei-me no banco de pedra onde costumávamos conversar nas noites quentes de verão. O telefone tocou: era a minha mãe.
— Joana? Está tudo bem? Ouvi dizer que já tens os móveis novos!
Engoli em seco. — Mãe… não está nada bem.
Ela percebeu logo pelo tom da minha voz. — O que aconteceu?
— O Miguel… ele traiu-me. Com a Andreia.
Do outro lado ouvi um suspiro pesado. — Filha…
— Como é que isto me aconteceu? — perguntei, mais para mim do que para ela.
A minha mãe tentou consolar-me, mas eu só queria desaparecer. Fui para casa dos meus pais naquela noite. O silêncio à mesa foi ensurdecedor. O meu pai olhava para mim com uma tristeza que nunca lhe tinha visto nos olhos.
No dia seguinte, acordei com mensagens do Miguel:
“Joana, precisamos falar.”
“Por favor, deixa-me explicar.”
“Eu amo-te.”
Apaguei tudo sem responder.
A Andreia também tentou ligar-me. Não atendi. Como podia ela fazer-me isto? Crescemos juntas, partilhámos segredos de infância… E agora ela destruía a minha família?
Os dias seguintes foram um pesadelo. A notícia espalhou-se pela vila como fogo em mato seco. As vizinhas cochichavam quando eu passava na rua:
— Coitada da Joana…
— Nunca pensei isso da Andreia!
— O Miguel sempre foi tão certinho…
A vergonha colava-se à pele como suor num dia de agosto.
A minha sogra apareceu em casa dos meus pais com um bolo de laranja e olhos vermelhos de tanto chorar.
— Joana, filha… não deixes que isto acabe com tudo. O Miguel está arrependido.
Olhei para ela sem conseguir sentir nada além de dor.
— Ele traiu-me com a minha própria prima! Como é que se perdoa uma coisa destas?
Ela agarrou-me as mãos com força.
— Todos erramos… Mas às vezes vale a pena lutar pela família.
Fiquei a pensar nas palavras dela durante dias. Será que valia mesmo a pena lutar? Ou seria melhor recomeçar sozinha?
Uma semana depois, aceitei encontrar-me com o Miguel num café discreto da vila. Ele estava magro, olheiras fundas.
— Joana… não há desculpa para o que fiz. Eu sinto-me miserável.
Olhei-o nos olhos pela primeira vez desde aquele dia fatídico.
— Porquê? Porquê logo com ela?
Ele baixou a cabeça.
— Senti-me perdido… Tu andavas tão ocupada com o trabalho e com a casa nova… Eu sei que não justifica nada! Mas foi um erro estúpido e momentâneo.
As lágrimas correram-lhe pelo rosto. Pela primeira vez vi o homem por trás do marido perfeito: frágil, arrependido, humano.
— E agora? — perguntei.
Ele estendeu-me a mão por cima da mesa.
— Só quero uma oportunidade para te provar que te amo e que nunca mais te vou magoar.
Fiquei ali sentada, sem saber o que fazer. Parte de mim queria perdoar; outra parte gritava para fugir dali e nunca mais olhar para trás.
Voltei para casa dos meus pais nessa noite e chorei até adormecer. Sonhei com os tempos em que eu e o Miguel éramos só dois miúdos apaixonados na escola secundária de Viseu, antes de tudo se complicar com casas novas e expectativas familiares.
Os dias passaram devagar. A Andreia foi embora da vila — dizem que foi viver para Lisboa com uma tia distante. A família ficou dividida: uns achavam que eu devia perdoar o Miguel; outros diziam que ele não merecia uma segunda oportunidade.
Comecei a ir à psicóloga da vila para tentar perceber o que queria realmente para mim. Descobri forças que não sabia ter: voltei ao trabalho, reatei amizades antigas e comecei a cuidar mais de mim.
Um mês depois, decidi voltar à nossa casa nova — sozinha desta vez. Entrei devagarinho, sentindo o cheiro dos móveis novos misturado com as memórias daquele dia terrível. Sentei-me no sofá da sala e olhei em volta: tudo estava igual… mas eu já não era a mesma pessoa.
Peguei no telefone e liguei ao Miguel:
— Podemos conversar?
Ele chegou meia hora depois, nervoso mas esperançado.
— Joana…
Fiz-lhe sinal para se sentar ao meu lado.
— Não sei se consigo perdoar-te já… ou sequer se algum dia vou conseguir esquecer o que aconteceu. Mas quero tentar reconstruir quem sou — comigo mesma primeiro. Depois logo vejo se há espaço para nós dois outra vez.
Ele assentiu em silêncio, lágrimas nos olhos.
Hoje olho para trás e vejo como um momento pode mudar tudo numa vida aparentemente perfeita. A confiança é como um vaso de cristal: parte-se num segundo e nunca volta a ser igual.
Mas será possível reconstruir algo bonito sobre os cacos do passado? Ou será melhor aprender a viver sozinha e inteira?
E vocês? Já passaram por algo assim? Conseguiram perdoar ou seguiram em frente?