Entre Irmãs e Filhos: O Peso de uma Rivalidade Sem Fim

— Mãe, viste o boletim do Tomás? — A voz da Inês ecoou pela cozinha, carregada de ansiedade e uma ponta de orgulho ferido.

Eu estava a preparar o jantar, mas o cheiro a cebola frita já não me distraía do peso que sentia no peito. Olhei para ela, tentando adivinhar o que vinha a seguir. Sabia que aquele tom era prenúncio de mais uma comparação, mais uma ferida aberta entre as minhas filhas.

— Vi, filha. Está muito bom — respondi, escolhendo as palavras com cuidado, como quem pisa ovos.

— Pois, mas a Mariana já veio dizer que o Duarte ganhou o prémio de melhor aluno outra vez. — Inês bufou, cruzando os braços. — Parece que nunca chega, não é? Tudo o que faço com o Tomás… nunca chega para ela.

A Mariana entrou na cozinha nesse momento, com o Duarte pela mão. O miúdo sorria, orgulhoso do diploma colorido que trazia. Mariana olhou para a irmã com aquele ar de superioridade discreta que sempre soube usar tão bem.

— Olá, mãe. Olá, Inês. O Duarte trouxe uma surpresa hoje! — disse, pousando o diploma na mesa como se fosse um troféu olímpico.

O silêncio caiu como uma cortina pesada. Tomás, o filho da Inês, ficou parado à porta, olhos baixos. Senti o coração apertar-se ao ver a tristeza dele. Era só uma criança, mas já carregava nos ombros o peso de uma competição que não era dele.

— Parabéns, Duarte — disse eu, forçando um sorriso. — E tu, Tomás? Como correu a escola hoje?

Ele encolheu os ombros. — Normal.

O olhar da Inês era um pedido mudo de ajuda. Mas como podia eu ajudar? Desde pequenas que as minhas filhas competiam por tudo: notas, amigos, atenção. A Inês sempre foi mais sensível, mais insegura. A Mariana parecia ter nascido com uma armadura invisível — tudo lhe saía bem à primeira vista.

Lembro-me de quando eram pequenas. A Inês chorava porque não conseguia andar de bicicleta sem rodinhas; a Mariana já fazia corridas pelo bairro. A Inês trazia desenhos rabiscados da escola; a Mariana ganhava concursos de pintura. Eu tentava equilibrar os elogios, mas sentia sempre que falhava com uma ou com outra.

Agora eram mulheres feitas, cada uma com o seu filho — e a história repetia-se.

— Mãe, não achas que devias ser mais justa? — atirou a Inês um dia, depois de um almoço de domingo em que Mariana monopolizou a conversa com as conquistas do Duarte.

— Justa? — perguntei, sentindo-me pequena diante dela.

— Sim! Parece que só te orgulhas do que a Mariana faz. O Tomás esforça-se tanto… mas ninguém vê.

Tentei explicar-lhe que me orgulhava dos dois netos, mas ela não quis ouvir. Chorou baixinho no meu colo, como quando era menina e vinha pedir colo depois de uma discussão com a irmã.

A Mariana também me procurou numa noite dessas. — Mãe, a Inês nunca vai perceber que não é uma competição? Eu só quero partilhar as coisas boas do Duarte…

Olhei para ela e vi a mesma menina teimosa de sempre, mas agora cansada de tentar provar algo à irmã.

O pior era ver os meninos arrastados para esta guerra fria. O Tomás começou a evitar os encontros de família; dizia que tinha trabalhos para fazer ou jogos para jogar com os amigos. O Duarte perguntava-me porque é que o primo não queria brincar com ele.

Uma tarde chuvosa, ouvi-os discutir no quarto dos brinquedos:

— A minha mãe diz que eu sou melhor a matemática! — gritou Duarte.
— Pois a minha mãe diz que eu sou mais rápido a correr! — respondeu Tomás, vermelho de raiva.

Intervim antes que se pegassem fisicamente. Sentei-me no chão com eles e tentei explicar que cada um tinha as suas qualidades. Mas vi nos olhos deles o reflexo das mães: aquela necessidade de provar algo ao outro.

Comecei a sentir-me culpada. Onde tinha falhado? Teria sido demasiado dura com a Inês? Teria elogiado demais a Mariana? Ou seria simplesmente impossível evitar rivalidades entre irmãos?

O meu marido, António, tentava relativizar:

— São coisas de irmãs… sempre foi assim em todas as famílias.

Mas eu sabia que não era bem assim. Havia algo mais fundo aqui: uma dor antiga, um ressentimento nunca resolvido.

No Natal passado tentei juntar todos à mesa e pedi um momento de silêncio antes da ceia.

— Quero dizer-vos uma coisa — comecei, sentindo as mãos tremerem. — Amo-vos às duas por igual. E amo os meus netos mais do que tudo neste mundo. Não quero ver-vos competir… quero ver-vos felizes.

A Inês chorou em silêncio; a Mariana desviou o olhar. Os meninos ficaram calados durante o resto da noite.

Mas nada mudou realmente. Dias depois, recebi mensagens das duas: cada uma justificando-se, cada uma magoada à sua maneira.

A rivalidade continuava — agora mais subtil, mas ainda presente em cada gesto, cada palavra atravessada à mesa do almoço.

Às vezes pergunto-me se algum dia vão conseguir perdoar-se uma à outra… ou se vão arrastar esta competição até ao fim dos meus dias. Será possível quebrar este ciclo? Ou estamos todos condenados a repetir os erros do passado?

E vocês? Já sentiram este peso na vossa família? Como se quebra um ciclo destes antes que seja tarde demais?