Entre a Fé e o Silêncio: Como Encontrei Força para Salvar o Meu Casamento

— Vais mesmo sair outra vez, António? — perguntei, tentando esconder o tremor na voz enquanto ele procurava as chaves no aparador.

Ele nem olhou para mim. — Tenho de ir ao café com o Rui. Preciso de espairecer.

O som da porta a fechar foi seco, quase cruel. Fiquei ali, parada na sala, com o cheiro do café ainda no ar e a televisão a murmurar notícias que já não me interessavam. O relógio marcava nove da noite. O nosso filho, o Miguel, dormia no quarto ao lado, alheio à tempestade silenciosa que se abatia sobre nós há meses.

Nunca pensei que o nosso casamento chegasse a este ponto. Quando casei com o António, há doze anos, jurei diante de Deus que seria para sempre. Lembro-me do brilho nos olhos dele, das promessas sussurradas na igreja de Santa Maria, do arroz a chover sobre nós enquanto ríamos, felizes. Mas agora, tudo parecia tão distante, quase como se tivesse acontecido a outra pessoa.

A rotina foi-nos engolindo. O António começou a chegar tarde, sempre cansado, sempre com desculpas. Eu tentava manter a casa em ordem, cuidar do Miguel, trabalhar no supermercado do bairro. Mas a solidão foi-se entranhando em mim como uma humidade fria. As conversas tornaram-se discussões, as discussões viraram silêncios. E eu, que sempre fui de fé, comecei a duvidar até de Deus.

Nessa noite, sentei-me no sofá e chorei baixinho. Não queria que o Miguel me ouvisse. Peguei no terço da minha mãe — herança de uma mulher que nunca perdeu a esperança — e comecei a rezar. As palavras saíam entrecortadas pelas lágrimas: “Senhor, mostra-me o caminho. Dá-me força para não desistir.”

No dia seguinte, acordei com os olhos inchados e uma decisão: não podia continuar assim. Liguei à minha irmã, a Joana. Ela sempre foi o meu porto seguro.

— Marta, tens de falar com ele — disse-me ela, sem rodeios. — Não podes deixar que isto vos destrua. E lembra-te: Deus nunca nos abandona.

Mas como falar com alguém que já não nos ouve? Quando o António chegou a casa nessa noite, tentei mais uma vez.

— António, precisamos de conversar.

Ele suspirou, largando a mochila no chão. — Outra vez, Marta? Não vês que estou cansado?

— Eu também estou cansada! — explodi, surpreendendo-me com a minha própria voz. — Cansada de fingir que está tudo bem. Cansada de dormir ao teu lado e sentir-me sozinha.

Ele ficou calado. Pela primeira vez em meses, olhou-me nos olhos. Vi ali o homem por quem me apaixonei, mas também um estranho.

— Não sei o que queres que eu faça — murmurou.

— Quero que lutes por nós. Ou pelo menos que me digas se ainda vale a pena lutar.

Ele saiu da sala sem responder. O silêncio voltou a instalar-se, pesado como chumbo.

Nessa noite, ajoelhei-me ao lado da cama do Miguel e rezei com ele. Pedi a Deus que me desse um sinal, qualquer coisa que me indicasse o caminho. Senti uma paz estranha a invadir-me, como se alguém me dissesse para não desistir.

Os dias seguintes foram um teste à minha fé. O António continuava distante. No trabalho, a dona Lurdes reparou nos meus olhos vermelhos.

— Está tudo bem, Marta?

Quase desabei ali mesmo, entre as prateleiras de enlatados.

— Não sei o que fazer, dona Lurdes. Sinto-me perdida.

Ela pousou a mão no meu ombro. — Quando perdi o meu marido, achei que nunca mais ia sorrir. Mas Deus deu-me força para continuar. Às vezes, é preciso confiar n’Ele mesmo quando tudo parece perdido.

As palavras dela ficaram comigo. Nessa noite, fui à missa sozinha. Sentei-me na última fila e chorei em silêncio enquanto o padre falava sobre perdão e recomeço. Senti uma presença quente ao meu lado — talvez fosse só imaginação, mas naquele momento pareceu-me real.

Quando cheguei a casa, encontrei o António sentado à mesa da cozinha, com uma chávena de chá nas mãos.

— Marta… — começou ele, hesitante. — Estive a pensar no que disseste.

Sentei-me à sua frente, o coração aos pulos.

— Eu sei que tenho estado ausente — continuou ele. — O trabalho tem sido um inferno e… não sei lidar com isto tudo. Sinto-me um falhado.

A sinceridade dele apanhou-me de surpresa. Pela primeira vez em muito tempo, vi lágrimas nos olhos do António.

— Não és um falhado — disse-lhe, pegando-lhe na mão. — Só precisamos de nos encontrar outra vez.

Conversámos até tarde nessa noite. Falámos dos nossos medos, das mágoas acumuladas, dos sonhos adiados. Chorámos juntos. Rezámos juntos.

Não foi fácil. Nos dias seguintes, houve recaídas. Discussões por coisas pequenas: quem ia buscar o Miguel à escola, quem esquecia de comprar pão. Mas havia uma diferença: já não fugíamos um do outro. Começámos a ir à missa em família aos domingos. O Miguel perguntava porque é que rezávamos tanto agora.

— Porque precisamos de ajuda — expliquei-lhe. — E Deus está sempre disposto a ouvir-nos.

Aos poucos, fomos recuperando a confiança. O António começou a chegar mais cedo a casa. Eu aprendi a pedir ajuda quando precisava, em vez de guardar tudo para mim. A fé tornou-se o nosso refúgio.

Um dia, a Joana veio jantar connosco e comentou:

— Nunca pensei ver-vos assim outra vez. Estão diferentes.

Sorri-lhe, emocionada.

— Foi Deus que nos ajudou — respondi. — E muita conversa difícil pelo meio.

Hoje olho para trás e vejo quanto crescemos. O nosso casamento não é perfeito — nunca será — mas agora sabemos que juntos somos mais fortes. Aprendi que a fé não é uma solução mágica; é uma luz ténue que nos guia quando tudo parece escuro.

Às vezes pergunto-me: quantos casais desistem antes de tentar? Quantos esquecem que Deus pode ser o elo perdido entre dois corações partidos? Se partilhaste algo semelhante, gostava de saber: como encontraste força para continuar?