Vinte Anos de Mentiras: O Meu Marido Tinha Outra Vida e Descobri Tudo com Um Telefonema
— Maria, tens a certeza que não queres vir jantar connosco hoje? — perguntou a minha filha Sofia, com aquele olhar doce que sempre me desarma.
— Não, querida, vai tu. Preciso de acabar umas coisas aqui em casa — respondi, tentando esconder o cansaço na voz. Na verdade, só queria ficar sozinha. Sentia-me estranha há semanas, como se algo estivesse fora do lugar, mas não sabia explicar o quê.
O relógio marcava quase nove da noite quando o telefone tocou. O número era desconhecido. Atendi sem pensar muito.
— Boa noite, posso falar com o João? — perguntou uma voz feminina, hesitante.
— O João não está. Quem fala? — perguntei, sentindo um frio estranho no estômago.
— Sou a Marta… Marta Silva. Desculpe, é que… é urgente. O João ainda não chegou a casa e os meninos estão preocupados.
Meninos? Casa? Senti o chão fugir-me dos pés.
— Desculpe… meninos? — repeti, quase sem voz.
Do outro lado, silêncio. Depois, um suspiro pesado.
— A senhora é…?
— Sou a mulher dele. — As palavras saíram-me num sussurro, como se não fossem minhas.
O silêncio tornou-se insuportável. Ouvi um choro contido do outro lado da linha e depois a chamada caiu. Fiquei ali, com o telefone na mão, paralisada. O mundo à minha volta parecia ter parado. O João tinha outra família. Outra mulher. Outros filhos.
Sentei-me no chão da cozinha, incapaz de respirar. As lágrimas começaram a cair sem controlo. Vinte anos de casamento… vinte anos de mentiras. Como é que nunca percebi?
Quando o João chegou a casa, já passava da meia-noite. Ouvi a chave na porta e levantei-me devagar, como se estivesse a atravessar um campo minado.
— Maria? Ainda acordada? — disse ele, pousando as chaves na mesa.
Olhei-o nos olhos e vi ali uma estranheza que nunca tinha reparado antes. Uma distância.
— Recebi um telefonema — disse-lhe, tentando manter a voz firme. — Da Marta Silva.
Vi o rosto dele empalidecer. Por um segundo, pareceu-me que ia desmaiar.
— Maria… eu posso explicar… — começou ele, mas as palavras ficaram presas na garganta.
— Explicar o quê? Que tens outra família? Que tens filhos com outra mulher? — gritei-lhe, sentindo uma raiva que nunca tinha sentido antes.
Ele sentou-se à minha frente e passou as mãos pelo rosto.
— Eu nunca quis magoar-te… — murmurou.
Ri-me amargamente.
— Nunca quiseste magoar-me? Vinte anos de mentiras! Como é que foste capaz?
Ele tentou tocar-me na mão, mas afastei-me como se me queimasse.
— Maria… tudo começou há muitos anos… conheci a Marta numa altura em que estávamos afastados… as coisas complicaram-se… ela engravidou… eu não consegui sair dessa situação…
— E então decidiste viver duas vidas? — interrompi-o. — E nós? Eu e a Sofia? Somos o quê para ti?
Ele baixou os olhos e ficou em silêncio. Senti-me invisível. Como se toda a minha vida tivesse sido uma ilusão.
Nos dias seguintes, vivi num estado de choque. A Sofia percebeu logo que algo estava errado. Um dia entrou no meu quarto e encontrou-me sentada na cama, rodeada de fotografias antigas.
— Mãe… o que se passa?
Olhei para ela e vi os olhos do pai nela. Senti uma dor tão profunda que quase não consegui falar.
— O teu pai… tem outra família — disse-lhe finalmente, num sussurro.
Ela ficou em silêncio durante muito tempo. Depois abraçou-me com força.
— Vamos ficar bem, mãe. Temos uma à outra.
Mas eu não sabia se algum dia voltaria a ficar bem. Comecei a recordar todos os momentos em que o João esteve “em trabalho” ou “em reuniões”. Todas as viagens inesperadas. Todos os aniversários em que chegava tarde ou parecia distante. Como é que nunca vi nada?
A minha mãe veio visitar-me quando soube da notícia pela vizinha D. Emília — porque numa aldeia portuguesa nada fica escondido por muito tempo.
— Maria, tens de ser forte. Os homens são todos iguais — disse ela, com aquela sabedoria amarga de quem já sofreu demais.
Mas eu não queria ser forte. Queria gritar, partir tudo à minha volta, desaparecer. Sentia-me traída não só pelo João, mas por mim mesma. Como pude ser tão cega?
Os dias passaram arrastados. O João tentou falar comigo várias vezes, mas eu recusava-me a ouvi-lo. Um dia apareceu com flores — as mesmas flores que me ofereceu no nosso primeiro aniversário de casamento.
— Maria, perdoa-me… eu amo-te…
Atirei-lhe as flores para o chão.
— Não sabes o que é amor! Se soubesses, nunca tinhas feito isto!
A Sofia afastou-se do pai durante semanas. Não lhe atendia as chamadas nem respondia às mensagens. Vi nela a mesma dor que sentia em mim: uma ferida aberta que talvez nunca sarasse.
Um dia recebi uma carta da Marta Silva. Escreveu-me a pedir desculpa por ter entrado na minha vida daquela forma brutal e explicou-me que também ela tinha sido enganada durante anos — só recentemente descobrira que o João era casado comigo.
Li aquela carta vezes sem conta. Senti pena dela e dos filhos dela. Eles também eram vítimas das mentiras do João. Perguntei-me quantas vidas ele teria destruído com as suas escolhas cobardes.
A minha família dividiu-se: alguns achavam que devia perdoar o João “pelo bem da Sofia”, outros diziam para me divorciar imediatamente e recomeçar do zero. Eu sentia-me perdida entre opiniões e conselhos contraditórios.
Uma noite sentei-me sozinha na varanda e olhei para o céu estrelado da nossa aldeia alentejana. Lembrei-me de quando era miúda e acreditava no amor eterno dos meus pais — até ao dia em que o meu pai também saiu de casa para nunca mais voltar.
Será que estamos todos condenados a repetir os erros dos nossos pais?
O João acabou por sair de casa algumas semanas depois daquela noite fatídica do telefonema. Levou apenas uma mala pequena e deixou um bilhete:
“Desculpa por tudo. Amo-te sempre.”
Fiquei ali sentada durante horas, com o bilhete nas mãos, sem saber se chorava ou gritava ou simplesmente desistia de sentir seja o que for.
A Sofia aproximou-se de mim e sentou-se ao meu lado em silêncio. Abraçámo-nos como se fosse a última vez.
Hoje olho para trás e vejo vinte anos da minha vida envoltos numa névoa de dúvidas e perguntas sem resposta. Pergunto-me onde perdi a mim mesma no meio deste casamento feito de silêncios e ausências disfarçadas de rotina.
Será possível reconstruir quem somos depois de uma traição destas? Ou ficamos para sempre presos às mentiras dos outros?