Vi o meu cunhado com outra mulher e calei-me para proteger a minha irmã grávida – hoje todos me culpam pela tragédia

— Não digas nada à Mariana, por favor. — A voz do Rui tremia, os olhos fixos nos meus como se procurasse redenção. O cheiro a café frio misturava-se com o perfume barato da mulher que acabara de sair do café com ele. Eu estava ali por acaso, a folhear um livro enquanto esperava pelo autocarro, quando os vi juntos, rindo-se, as mãos entrelaçadas debaixo da mesa. O meu coração disparou, as mãos suaram. Mariana, a minha irmã, estava grávida de sete meses do primeiro filho deles.

Senti o mundo a desabar. O Rui, sempre tão dedicado, tão presente… Como podia ser ele? Como podia ser eu a testemunha disto? Ele percebeu que eu tinha visto tudo e veio ter comigo, pálido, quase a chorar.

— Por favor, Inês. Não faças isto agora. Ela não aguenta. Tu sabes como ela está frágil…

Eu sabia. Mariana tinha tido dois abortos espontâneos antes desta gravidez. Cada perda foi um abismo. Vi-a perder o brilho nos olhos, vi o Rui a segurá-la noite após noite. E agora isto. Senti-me presa numa armadilha cruel: dizer-lhe e arriscar uma tragédia, ou calar-me e viver com o peso do segredo?

Durante dias não dormi. O Rui mandava mensagens: “Obrigado por me protegeres”, “Vou acabar com tudo”, “A Mariana nunca vai saber”. Mas eu via-o chegar tarde, inventar desculpas esfarrapadas. Mariana perguntava-me se achava que ele andava estranho. Eu desviava o olhar.

— Achas que ele já não me ama? — perguntou-me ela uma noite, sentada na cama, as mãos sobre a barriga enorme.

— Claro que ama, mana… — menti, sentindo um nó na garganta.

O Natal aproximava-se e a família reunia-se em nossa casa como todos os anos. O meu pai, sempre desconfiado do Rui, lançava olhares de lado. A minha mãe preocupava-se com cada detalhe da ceia, tentando manter a paz entre todos. Eu sentia-me uma impostora no meio daquela felicidade fingida.

Na noite de Natal, Mariana começou a sentir dores fortes. Corremos para o hospital. O Rui tremia ao volante, eu segurava-lhe a mão e rezava em silêncio para que tudo corresse bem. Horas depois nasceu o pequeno Tomás, perfeito, saudável. Mariana chorava de alegria e eu chorei também — de alívio e de culpa.

Os meses passaram e tentei convencer-me de que fiz o certo. O Rui parecia mais presente, mais carinhoso. Mas um dia, ao ir buscar o Tomás à creche para ajudar a minha irmã, vi novamente o Rui com a mesma mulher — desta vez num carro estacionado à porta de um hotel barato.

O choque foi maior ainda. Senti raiva, nojo, impotência. Quis confrontá-lo ali mesmo, mas temi pelo que poderia acontecer à Mariana se tudo viesse ao de cima agora que finalmente parecia feliz.

Guardei o segredo mais uma vez. Mas os segredos têm vida própria — crescem no escuro até rebentarem pelas costuras.

Foi numa tarde chuvosa que tudo desabou. Mariana encontrou mensagens no telemóvel do Rui enquanto ele tomava banho. Gritos ecoaram pela casa:

— Como pudeste? Como pudeste fazer-me isto depois de tudo? — A voz dela era um lamento desesperado.

O Rui tentou justificar-se, mas as palavras eram inúteis. Mariana ligou-me em lágrimas:

— Tu sabias? Diz-me que não sabias!

Fiquei em silêncio demasiado tempo.

— Inês… tu sabias? — repetiu ela, agora num sussurro magoado.

— Eu… — tentei falar, mas as palavras não saíam.

Ela desligou na minha cara.

A partir desse dia fui persona non grata na família. A minha mãe chorava sempre que me via; o meu pai não me dirigia a palavra; Mariana bloqueou-me em todas as redes sociais e recusava-se a atender as minhas chamadas. Só via o Tomás à distância, nas raras vezes em que passava por eles na rua.

O Rui saiu de casa semanas depois; dizem que vive agora com a outra mulher. Mariana entrou numa depressão profunda e foi internada durante algum tempo. A família desfez-se como um castelo de cartas.

Perguntam-me porque não falei antes. Dizem que fui cúmplice da traição, que traí a confiança da minha irmã por medo do confronto ou por pena do Rui. Eu própria me pergunto isso todos os dias: teria sido melhor contar-lhe logo? Teria evitado tanto sofrimento? Ou teria destruído tudo ainda mais cedo?

Às vezes sonho com aquela tarde no café — revejo cada detalhe: o som das chávenas, o riso abafado deles, o olhar suplicante do Rui. Penso em todas as vezes em que olhei para a Mariana e menti para protegê-la… ou para me proteger a mim?

Hoje vivo sozinha num pequeno apartamento em Lisboa. Os Natais são silenciosos; as mensagens da família rareiam. Carrego esta culpa como uma pedra no peito — uma culpa que ninguém quer partilhar comigo.

Se pudesse voltar atrás… teria tido coragem de dizer a verdade? Ou será que há segredos que nunca deviam ser revelados? E vocês — o que teriam feito no meu lugar?