Vi o meu cunhado com outra mulher e calei-me para proteger a minha irmã grávida – hoje todos me culpam pela tragédia

— Não podes contar nada à Ana, ouviste? — sussurrei para mim própria, enquanto as mãos tremiam e o coração batia tão forte que parecia querer saltar do peito. O cheiro a café frio misturava-se com o perfume barato que ainda sentia no elevador, aquele mesmo aroma adocicado que reconheci quando vi o Miguel, o meu cunhado, abraçado a uma mulher que não era a minha irmã.

A imagem deles juntos, rindo-se como se fossem adolescentes apaixonados, ficou gravada na minha memória. Eu só queria subir ao apartamento da Ana para lhe levar as compras, mas naquele instante, tudo mudou. Senti-me como se tivesse aberto uma porta proibida — e agora não sabia como fechá-la.

Quando entrei em casa da Ana, ela estava sentada no sofá, com as pernas inchadas apoiadas numa almofada e um sorriso cansado. — Olá, mana! — disse ela, tentando animar-se. — O Miguel ainda não chegou, foi buscar pão. — A minha garganta fechou-se. Quis abraçá-la e dizer-lhe tudo, mas olhei para a barriga dela, já tão redonda, e calei-me.

Durante dias, vivi num limbo. O Miguel continuava a chegar tarde, inventava desculpas esfarrapadas e eu via a Ana a tentar acreditar em cada uma delas. Uma noite, ela ligou-me a chorar: — Achas que ele já não me ama? Estou tão feia… — Eu menti-lhe. Disse-lhe que era normal, que os homens ficavam nervosos com a chegada de um bebé. Mas por dentro sentia-me uma traidora.

O Natal aproximava-se e a família reunia-se como sempre. A mesa cheia de bacalhau e filhoses não conseguia disfarçar o clima tenso. O meu pai olhava desconfiado para o Miguel, a minha mãe tentava animar toda a gente com piadas forçadas. Eu sentia-me sufocar com o segredo. Quando o Miguel saiu para atender uma chamada, segui-o até à varanda.

— Miguel, precisamos de falar — disse-lhe em voz baixa.

Ele virou-se, os olhos frios. — Não tens nada a ver com isso, Inês. Fica fora disto.

— Ela é minha irmã! Está grávida do teu filho! Como é que consegues…? — As palavras morreram-me na boca.

— Não te metas — repetiu ele, antes de voltar para dentro.

Nessa noite não dormi. Pensei em contar tudo à Ana, mas cada vez que imaginava o rosto dela desfeito em lágrimas, recuava. Lembrei-me de quando éramos miúdas e ela me protegia dos miúdos maus na escola. Agora era eu quem devia protegê-la.

As semanas passaram e o Miguel tornou-se cada vez mais ausente. A Ana começou a desconfiar. Um dia apareceu-me em casa sem avisar, os olhos vermelhos de tanto chorar.

— Inês… preciso de te perguntar uma coisa. Tu achas que o Miguel me está a trair?

O mundo parou. Senti um nó no estômago.

— Não sei… — menti outra vez. — Ele anda cansado, só isso.

Ela abraçou-me com força e chorou no meu ombro. Senti-me miserável.

Naquela noite sonhei com a minha mãe a gritar comigo: “Porquê que não disseste nada?” Acordei encharcada em suor.

No dia seguinte, recebi uma chamada da minha mãe: — Inês, vem já cá a casa! A Ana está no hospital!

Corri como nunca tinha corrido na vida. Quando cheguei ao hospital, vi o Miguel sentado no corredor, com as mãos na cabeça. A minha mãe chorava baixinho ao lado dele.

— O que aconteceu? — perguntei ofegante.

— Ela perdeu o bebé… — sussurrou a minha mãe.

O chão fugiu-me dos pés. Entrei no quarto da Ana e vi-a deitada, pálida como nunca. Os olhos dela encontraram os meus.

— Sabias… não sabias? — murmurou ela.

Não consegui responder. Sentei-me ao lado dela e chorei em silêncio.

Os dias seguintes foram um pesadelo. O Miguel desapareceu de casa e da vida da Ana. A minha mãe mal me falava; o meu pai olhava para mim como se eu fosse uma estranha.

Numa noite gelada de fevereiro, sentei-me à mesa da cozinha com a minha mãe.

— Porque é que não disseste nada? — perguntou ela finalmente, com voz dura.

— Eu só queria proteger a Ana… ela estava tão feliz com o bebé…

— E agora? Achas que fizeste bem?

Não soube responder-lhe. A Ana mudou-se para casa dos meus pais e deixou de falar comigo durante meses. Eu tentava ligar-lhe todos os dias; ela nunca atendia.

Os vizinhos começaram a cochichar: “A Inês sabia de tudo…” Sentia os olhares na rua, as conversas interrompidas quando eu passava.

Um dia encontrei o Miguel num café do bairro. Estava com a mesma mulher do elevador. Olhou para mim sem qualquer vergonha.

— A culpa não é tua — disse ele baixinho antes de sair.

Mas eu sabia que era. Ou pelo menos sentia que era.

Passaram-se meses até a Ana me perdoar. Um dia apareceu à porta do meu apartamento com um saco de compras na mão e lágrimas nos olhos.

— Preciso de ti — disse apenas.

Abraçámo-nos durante muito tempo sem dizer palavra.

Hoje ainda me pergunto: teria sido diferente se eu tivesse contado tudo desde o início? Será que há segredos que devem mesmo ser guardados para proteger quem amamos? Ou será que o silêncio pode ser mais cruel do que a verdade?