Vi Como o Meu Noivo Falava com a Ex-Mulher e os Filhos — E Decidi Cancelar o Casamento. A Felicidade “Grátis” Não Era Para Mim
— Não tens vergonha, Miguel? — perguntei, a voz trémula, enquanto segurava o telemóvel com força. O silêncio dele do outro lado da linha era ensurdecedor. Eu já tinha ouvido aquela conversa antes, mas nunca com tanta clareza. A voz da ex-mulher dele, a Carla, ecoava pela casa quando ele punha o telemóvel em alta voz sem perceber. — Os teus filhos não são um fardo! — gritava ela, e eu sentia o peito apertar.
Nunca pensei que a minha vida fosse dar tantas voltas depois dos 40. Chamo-me Teresa, tenho 48 anos, sou gestora numa empresa de consultoria em Lisboa. Sempre fui independente, trabalhei muito para conquistar o meu espaço. O divórcio do meu primeiro marido foi doloroso, mas aprendi a viver sozinha e até gostava da minha rotina tranquila. Quando conheci o Miguel num evento corporativo, achei que talvez fosse altura de abrir espaço para alguém novo.
Miguel era charmoso, divertido e parecia ter superado o passado. Era divorciado há três anos, tinha dois filhos adolescentes e falava deles com orgulho — ou assim parecia. Começámos a sair, a partilhar cafés ao fim da tarde e passeios à beira-rio. Ele fazia-me rir como há muito ninguém fazia. Quando me pediu em casamento, achei que finalmente tinha encontrado alguém que compreendia a minha maturidade e as minhas cicatrizes.
Mas havia sempre uma sombra nas conversas dele sobre a ex-mulher. — A Carla é complicada, sabes? — dizia-me ele, franzindo o sobrolho. — Faz tudo para me dificultar a vida com os miúdos. — Eu ouvia e tentava não julgar; afinal, cada história tem dois lados.
A primeira vez que vi a Carla foi num sábado de manhã. Fomos juntos buscar os filhos dele, o Diogo e a Matilde, para passarem o fim de semana connosco. Ela estava à porta do prédio, com os braços cruzados e um olhar cansado. — Olá, Miguel — disse ela, seca. — Não te esqueças que a Matilde tem explicação de matemática às cinco.
Miguel respondeu com um aceno frio e puxou os miúdos pelo braço. No carro, Diogo ficou calado, a olhar pela janela. Matilde mexia no telemóvel sem parar. Tentei puxar conversa:
— Então, Matilde, gostas de matemática?
Ela encolheu os ombros. — É só mais uma coisa que tenho de fazer.
O resto do dia foi estranho. Miguel parecia impaciente com os filhos, como se fossem um incómodo na nossa programação romântica. À noite, depois de os deixarmos em casa da mãe, discutimos.
— Achas que estás a ser justo com eles? — perguntei.
Ele bufou. — Não percebes, Teresa. Eles estão sempre do lado da mãe. Nunca me dão descanso.
Fiquei calada, mas algo dentro de mim começou a mudar.
O tempo foi passando e as pequenas coisas tornaram-se impossíveis de ignorar: Miguel esquecia-se dos aniversários dos filhos, reclamava sempre que tinha de pagar pensão de alimentos e falava da ex-mulher como se ela fosse o único problema da vida dele.
Uma noite, enquanto jantávamos em casa dos meus pais em Almada para lhes contar sobre o noivado, a minha mãe perguntou:
— E os teus filhos vêm ao casamento?
Miguel sorriu amarelo. — Não sei se querem vir… A Carla mete-lhes ideias na cabeça.
O meu pai olhou para mim com aquele olhar sério de quem já viu muito na vida. Depois do jantar, chamou-me à parte:
— Teresa, tens a certeza disto? Não me parece que ele saiba lidar com o passado dele.
Fiquei acordada nessa noite a pensar nas palavras do meu pai. Lembrei-me da minha própria infância: o meu pai nunca foi perfeito, mas nunca deixou que eu sentisse que era um peso para ele.
No fim de semana seguinte, fui com Miguel buscar os filhos outra vez. Quando chegámos à porta da Carla, ouvi-os discutir baixinho:
— Não podes simplesmente ignorar as necessidades deles! — dizia ela.
— Tu é que complicas tudo! — respondeu ele.
Os miúdos saíram cabisbaixos. No carro, Diogo perguntou:
— Pai, posso ir ao torneio de futebol no sábado?
Miguel revirou os olhos. — Outra vez futebol? Tens de estudar mais.
Vi o olhar triste do rapaz e senti uma pontada no coração.
Nessa noite, decidi falar com Miguel:
— Sinto que não estás feliz quando estás com eles…
Ele levantou-se abruptamente da mesa.
— Estás a dizer que sou mau pai? Agora também tu?
— Não é isso… Só acho que devias tentar aproximar-te deles sem ver sempre problemas na Carla.
Ele atirou o guardanapo para cima da mesa e saiu para a varanda. Fiquei ali sentada sozinha, a olhar para os pratos frios.
No dia seguinte, recebi uma mensagem inesperada da Carla:
“Desculpa incomodar-te, Teresa. Só queria agradecer por tentares ser simpática com os miúdos. Eles gostam de ti.”
Fiquei surpreendida pela delicadeza dela. Respondi apenas: “Quero o melhor para eles.”
Na semana seguinte, Miguel teve uma reunião importante e pediu-me para ir buscar os filhos à escola. Quando cheguei lá, Matilde estava sentada sozinha no banco do recreio.
— O teu pai está atrasado… Queres ir tomar um gelado?
Ela olhou para mim desconfiada mas acabou por aceitar. Sentámo-nos numa esplanada e ela começou a falar:
— O pai está sempre cansado… Sinto que não gosta de estar connosco.
O nó na garganta apertou ainda mais quando Diogo se juntou a nós e disse:
— Ele só fala mal da mãe…
Naquela noite chorei sozinha no quarto. Percebi que não queria aquela vida para mim: uma família feita de mágoas antigas e ressentimentos nunca sarados.
No dia seguinte liguei ao Miguel:
— Precisamos de falar.
Encontrámo-nos num café perto do trabalho. Ele chegou atrasado e mal-humorado.
— O que se passa agora?
Respirei fundo:
— Não posso casar contigo.
Ele ficou em silêncio durante longos segundos.
— Estás a brincar?
Abanei a cabeça.
— Não quero viver numa casa onde os filhos são vistos como um fardo e a ex-mulher como um inimigo eterno. Mereces alguém que aceite isso… Mas eu não consigo.
Ele levantou-se abruptamente e saiu sem dizer adeus.
Fiquei ali sentada a olhar para o café frio à minha frente. Senti tristeza mas também alívio: finalmente tinha ouvido o meu coração.
Hoje olho para trás e penso: quantas vezes aceitamos migalhas de felicidade só porque temos medo de ficar sozinhos? Será que vale mesmo a pena sacrificar a paz interior por uma ideia de amor que não nos serve? E vocês… já sentiram esse dilema?