Uma Mentira, Mil Feridas: A História de uma Mãe Portuguesa Traída pela Própria Filha
— Não quero ouvir mais nada, mãe! — gritou Mariana, com os olhos cheios de lágrimas e raiva. O eco da sua voz ainda ressoa nas paredes frias da nossa sala. Eu, Teresa, fiquei ali parada, com as mãos trémulas e o coração a bater tão forte que quase me sufocava. Como é possível que uma filha olhe para a mãe como se fosse uma estranha? Como é possível que o amor de uma vida se transforme em desconfiança num só instante?
Tudo começou numa tarde de domingo, dessas em que o cheiro do assado invade a casa e parece que nada pode correr mal. Mariana chegou mais cedo do que o habitual, com o namorado novo, o Rui, um rapaz simpático mas com um olhar desconfiado. Sentei-me à mesa com eles, tentando esconder o nervosismo. Mariana estava estranha, calada, mexia no prato sem comer. Eu sabia que algo não estava bem.
— Mãe, preciso falar contigo — disse ela, finalmente, depois de Rui sair para fumar um cigarro à varanda.
— Diz, filha. O que se passa?
Ela hesitou, olhou para as mãos e depois para mim. — Ouvi dizer… ouvi dizer que andaste a falar mal de mim à tia Rosa. Que disseste que eu sou ingrata, que não faço nada da vida, que só te dou despesa.
Senti o chão fugir-me dos pés. — Mariana! Nunca disse tal coisa! Quem te disse isso?
Ela levantou-se abruptamente. — Não interessa quem me disse! O que interessa é que eu confiei em ti e tu… tu falaste mal de mim nas minhas costas!
Tentei agarrar-lhe a mão, mas ela afastou-se como se eu fosse contagiosa. — Mariana, por favor! Eu nunca faria isso! Tu és tudo para mim!
Mas ela já não me ouvia. Saiu porta fora, deixando-me sozinha com o cheiro do assado e um silêncio pesado como chumbo.
Nos dias seguintes tentei ligar-lhe, mandei mensagens, fui à casa dela. Nada. Mariana bloqueou-me em todo o lado. A tia Rosa jurava-me que nunca dissera nada à Mariana. O meu irmão António dizia-me para dar tempo ao tempo. Mas como é que uma mãe pode dar tempo ao tempo quando sente o peito vazio?
As semanas passaram e os boatos começaram a circular na aldeia. Diziam que eu era uma mãe má, que tinha inveja da filha, que era amarga porque o meu marido nos deixou quando Mariana era pequena. Cada vez que ia ao café da Dona Lurdes sentia os olhares atravessados das vizinhas. Até a minha melhor amiga, a Paula, começou a afastar-se.
Uma noite, não aguentei mais e fui bater à porta da casa da Mariana. O Rui abriu a porta e olhou para mim como se eu fosse uma intrusa.
— Mariana não quer falar contigo — disse ele seco.
— Por favor, Rui… só quero explicar-me…
Ele abanou a cabeça. — É melhor ires embora.
Voltei para casa debaixo da chuva miudinha de novembro. Senti-me tão sozinha como nunca antes na vida. Olhei para as fotografias antigas na parede: Mariana bebé no meu colo; Mariana no primeiro dia de escola; Mariana a sorrir no Natal. Onde é que errei? O que é que fiz para merecer isto?
O Natal chegou e passou sem um telefonema da minha filha. A casa parecia maior e mais fria do que nunca. No Ano Novo escrevi-lhe uma carta longa, cheia de saudade e arrependimento por coisas que talvez nem tivesse feito. Pedi desculpa por tudo e por nada. Não obtive resposta.
Os meses foram passando e fui-me habituando à solidão. Comecei a fazer voluntariado na igreja para ocupar o tempo e não pensar tanto nela. Mas cada vez que via uma mãe com uma filha na rua sentia uma pontada no peito.
Um dia encontrei a tia Rosa no mercado.
— Teresa, tens de falar com a Mariana — disse ela baixinho. — Ela está pior do que tu. Anda triste, fechada em casa… O Rui diz que ela chora todas as noites.
— Mas ela não me quer ouvir…
— Tenta outra vez. Não desistas dela.
Ganhei coragem e escrevi-lhe outra carta. Desta vez fui direta: “Filha, se alguma vez te magoei, perdoa-me. Mas acredita em mim: nunca falei mal de ti nem à tia Rosa nem a ninguém. Amo-te mais do que tudo nesta vida.” Deixei a carta na caixa do correio dela.
Duas semanas depois recebi uma mensagem curta: “Preciso de tempo.” Era pouco, mas era alguma coisa.
O tempo passou devagarinho. Fui aprendendo a viver com a ausência dela, mas nunca deixei de esperar um sinal. Um dia recebi um telefonema inesperado: era o Rui.
— Teresa… podes vir cá? A Mariana está no hospital.
O chão voltou a fugir-me dos pés. Corri para o hospital sem saber ao certo o que esperar. Quando entrei no quarto vi a minha filha pálida na cama, os olhos vermelhos de tanto chorar.
— Mãe… — sussurrou ela.
Aproximei-me devagarinho e sentei-me ao lado dela. Peguei-lhe na mão como fazia quando era pequena.
— Desculpa… — murmurou ela entre lágrimas. — Eu estava tão magoada… ouvi coisas… não sabia em quem acreditar…
Chorámos as duas ali mesmo, sem vergonha nem orgulho. Abracei-a com toda a força do mundo.
— Só quero que fiques bem, filha. Só isso importa.
Aos poucos fomos reconstruindo a nossa relação. Não foi fácil nem rápido. Ainda hoje há feridas abertas e palavras por dizer. Mas aprendi que o amor de mãe resiste até às maiores tempestades.
Agora olho para trás e pergunto-me: quantas famílias se destroem por causa de palavras mal ditas? Quantas mães vivem com o coração partido por causa de um boato? Será possível perdoar verdadeiramente quando se perde a confiança? E vocês… já passaram por algo assim?