Um Milagre Tardio: Entre a Alegria e o Medo de Ser Pai aos 40

— Não faças isso, Ariana! — gritei, sentindo o coração apertar enquanto ela subia para cima do sofá, com aquele sorriso traquina que só as crianças conseguem ter. O meu marido, Miguel, olhou-me de lado, cansado, como se já não tivesse forças para mais uma discussão.

— Deixa-a brincar, Daniela. Ela precisa de explorar — disse ele, tentando soar calmo, mas eu conhecia aquele tom. Era o mesmo tom que usava quando queria evitar uma conversa séria.

Ariana tinha acabado de fazer três anos. Três anos que pareciam uma vida inteira e, ao mesmo tempo, um piscar de olhos. Lembro-me do dia em que descobri que estava grávida como se fosse ontem. Depois de quase quinze anos de tentativas, tratamentos dolorosos e lágrimas escondidas na casa de banho, finalmente o teste deu positivo. Eu tinha 40 anos e sentia-me a mulher mais sortuda do mundo.

Mas ninguém me avisou que a maternidade tardia vinha acompanhada de um medo constante. Medo de não estar à altura, medo de não ter energia suficiente, medo de não viver o suficiente para ver a minha filha crescer. E, acima de tudo, medo de a estragar com o excesso de mimo e proteção.

A minha mãe, Dona Teresa, nunca perdeu uma oportunidade para me lembrar disso:

— Daniela, tu dás-lhe tudo o que ela pede! Assim ela nunca vai aprender a ouvir um não. Olha que depois é tarde demais para corrigir.

Eu tentava ignorar, mas as palavras dela ecoavam na minha cabeça todas as noites. Miguel também não ajudava. Sempre que eu tentava impor limites à Ariana, ele vinha suavizar as regras. Dizia que ela era o nosso milagre e que merecia tudo. Mas será que merecia mesmo tudo? Ou será que estávamos a criar uma criança mimada e insegura?

As discussões começaram a tornar-se rotina cá em casa. Pequenas coisas transformavam-se em grandes conflitos. Uma vez, Ariana fez uma birra no supermercado porque queria um brinquedo novo. Eu disse que não podia ser, mas Miguel acabou por ceder só para evitar o escândalo.

— Não vês como ela sofre? — sussurrou-me ele, enquanto pagava pelo brinquedo.

— E tu não vês como ela nos manipula? — respondi-lhe, sentindo-me sozinha naquela luta.

À noite, depois de Ariana adormecer, sentámo-nos à mesa da cozinha em silêncio. O relógio marcava quase meia-noite e eu sentia-me exausta.

— Achas que estamos a fazer tudo mal? — perguntei-lhe finalmente.

Miguel suspirou e passou as mãos pelo rosto.

— Não sei… Só sei que esperei tanto por isto… por ela… E agora tenho medo de perder tudo num instante.

Chorei baixinho. Não queria que ele visse as minhas lágrimas. Mas a verdade é que eu também tinha medo. Medo de não ser suficiente. Medo de falhar como mãe.

Os meses passaram e Ariana crescia saudável e cheia de energia. Mas os sinais estavam lá: fazia birras cada vez maiores quando não conseguia o que queria; recusava-se a comer sozinha; chorava sempre que tinha de ir para o infantário. Eu sentia-me cada vez mais culpada.

Um dia, durante um jantar de família, o meu irmão Rui decidiu meter-se na conversa:

— Daniela, tu e o Miguel estão a criar uma pequena tirana! A sério… já viste como ela fala convosco? Se fosse comigo…

Senti-me humilhada diante de toda a família. A minha mãe assentiu com a cabeça e até a minha cunhada Mariana lançou aquele olhar reprovador típico dela.

— Não é fácil — tentei justificar-me. — Vocês não sabem o que é passar por tudo o que passámos para ter um filho…

O Rui encolheu os ombros.

— Mas agora tens de ser mãe, Daniela. Não podes ser só amiga ou protetora.

As palavras dele ficaram-me atravessadas na garganta durante dias. Comecei a reparar em tudo o que fazia com Ariana: será que estava mesmo a ser demasiado permissiva? Será que estava a compensar os anos perdidos com excesso de presentes e ausência de regras?

Numa noite chuvosa, depois de mais uma birra interminável porque Ariana não queria tomar banho, sentei-me no chão do corredor e chorei como há muito não chorava. Miguel apareceu ao meu lado e abraçou-me em silêncio.

— Estamos a perder-nos — sussurrei-lhe. — E estou a perder-me também.

Ele beijou-me a testa.

— Talvez precisemos de ajuda…

Foi assim que decidimos procurar uma psicóloga familiar. No início senti vergonha — como se pedir ajuda fosse admitir fracasso. Mas rapidamente percebi que era um ato de coragem.

A Dra. Filipa ouviu-nos sem julgar. Perguntou-nos sobre os nossos medos, as nossas rotinas e os nossos sonhos para Ariana.

— O amor nunca é demais — disse ela numa das sessões — mas o amor também é saber dizer não quando é preciso. Os limites são uma forma de amor.

Saí daquela consulta com uma sensação estranha: alívio misturado com culpa. Porque percebi que estava a tentar compensar tudo o que não tive durante anos… mas Ariana precisava de pais, não de servos.

Começámos devagarinho: pequenas regras à hora das refeições; horários para dormir; menos presentes sem motivo especial; mais tempo juntos no parque ou a ler histórias antes de dormir. No início foi difícil — Ariana resistiu, chorou, fez birras ainda maiores. Mas aos poucos começou a perceber que havia limites… e dentro desses limites havia segurança.

A relação entre mim e Miguel também mudou. Passámos a conversar mais sobre as nossas inseguranças e menos sobre as culpas do passado. A família continuou a opinar — sempre opina — mas aprendi a ouvir apenas aquilo que faz sentido para nós.

Hoje olho para Ariana a brincar no jardim e sinto um orgulho imenso nela… e em nós. Ainda tenho medo do futuro — medo de envelhecer depressa demais, medo de não estar cá quando ela precisar… Mas aprendi que ser mãe é viver com medo e amor ao mesmo tempo.

Às vezes pergunto-me: será que algum dia vou sentir-me suficiente? Será que todas as mães sentem este peso no peito? E vocês… também têm medo de falhar com quem mais amam?