Troca de Casas: A Minha Luta Dolorosa com a Minha Sogra

— Não percebes, Mariana? É o melhor para todos! — A voz da minha sogra, Dona Lurdes, ecoava pela cozinha, misturando-se com o cheiro do café queimado. Eu sentia as mãos suadas, agarradas à caneca, enquanto tentava processar o que ela acabara de propor.

— Mas… Dona Lurdes, quer mesmo que eu passe o apartamento para o seu nome? — perguntei, tentando manter a voz firme, mas sentindo o nó na garganta apertar.

Ela sorriu, aquele sorriso que sempre me pareceu mais uma ameaça do que um gesto de carinho. — Mariana, tu és como uma filha para mim. Só quero garantir que tudo fica em família. O meu T2 é maior, mais perto do centro. Ficas melhor servida. E eu fico com o teu, que é mais fácil de manter.

O meu marido, Rui, estava calado. Olhava para o telemóvel como se ali estivesse a solução para todos os nossos problemas. Eu sabia que ele não queria envolver-se — nunca quis. Desde que casámos, Dona Lurdes sempre teve uma palavra a dizer sobre tudo: desde a cor das cortinas até ao nome da nossa filha, Matilde.

— Rui, diz alguma coisa — pedi-lhe, quase num sussurro.

Ele encolheu os ombros. — Se a minha mãe acha que é melhor…

Senti-me sozinha. O apartamento onde vivíamos era pequeno, sim, mas era meu. Comprei-o antes de conhecer o Rui, com muito esforço e noites mal dormidas a trabalhar num call center em Lisboa. Era o meu refúgio, o meu orgulho. E agora… agora parecia que tudo isso não valia nada.

Naquela noite, não consegui dormir. Ouvia Rui ressonar ao meu lado e pensava em tudo o que Dona Lurdes já tinha feito para se meter na nossa vida: desde aparecer sem avisar até criticar a forma como educo a Matilde. Mas isto… isto era diferente. Era como se quisesse apagar a minha história.

No dia seguinte, fui trabalhar com olheiras profundas. A minha colega e amiga, Joana, percebeu logo que algo não estava bem.

— Mariana, estás péssima. O que se passa?

Contei-lhe tudo entre lágrimas e raiva contida. Ela olhou para mim com aquele olhar pragmático que sempre invejei.

— Não assines nada sem falar com um advogado. E fala com o Rui. Isto não é só entre ti e a tua sogra.

Voltei para casa decidida a enfrentar Rui. Quando cheguei, encontrei-o sentado à mesa da sala com Dona Lurdes e um senhor de fato escuro.

— Mariana! — exclamou Dona Lurdes — Este é o Dr. Almeida, amigo da família. Veio só explicar como se faz a escritura.

Senti o chão fugir-me dos pés.

— Rui, podemos falar? A sós?

Ele levantou-se contrariado. Fechámos-nos no quarto.

— Achas isto normal? — perguntei-lhe, já sem conseguir conter as lágrimas. — Queres mesmo que eu passe o apartamento para tua mãe?

Ele suspirou. — Mariana, ela só quer ajudar. O apartamento dela é melhor…

— Não é isso! É meu! Fui eu que lutei por ele! E se um dia nos separarmos? Fico sem nada?

Ele não respondeu. E naquele silêncio percebi tudo: estava sozinha nesta luta.

Os dias seguintes foram um inferno. Dona Lurdes ligava-me todos os dias, ora com voz doce, ora com ameaças veladas: “Não queres fazer parte da família? Achas-te melhor do que nós?”

A Matilde começou a perguntar porque é que a avó estava sempre zangada comigo. Tentei proteger a minha filha daquela tensão, mas era impossível esconder tudo.

Uma noite, depois de adormecer a Matilde, sentei-me na varanda e liguei à minha mãe.

— Filha, não deixes ninguém tirar-te aquilo que é teu — disse-me ela, com aquela força tranquila de quem já passou por muito na vida.

No dia seguinte marquei consulta com uma advogada. Expliquei-lhe tudo: as pressões, as ameaças veladas, o silêncio do Rui.

— Mariana, infelizmente estas situações são comuns — disse-me ela. — Mas tens direitos. Não assines nada sem garantias.

Voltei para casa mais forte. Quando Dona Lurdes apareceu com os papéis na mão e o Dr. Almeida atrás dela, respirei fundo.

— Não vou assinar nada — disse-lhes. — E se continuarem a pressionar-me assim, vou à polícia.

Dona Lurdes ficou vermelha de raiva. Rui ficou calado, como sempre.

Durante semanas quase não nos falámos em casa. A Matilde sentia tudo e começou a ter pesadelos à noite.

Um sábado de manhã, Dona Lurdes apareceu à porta aos gritos:

— És uma ingrata! Dei-te tudo e é assim que me pagas? Vais acabar sozinha!

Fechei-lhe a porta na cara e sentei-me no chão da entrada a chorar convulsivamente.

Foi aí que percebi: tinha de escolher entre continuar a agradar aos outros ou proteger aquilo que era meu — a minha dignidade e o futuro da minha filha.

Procurei ajuda psicológica para mim e para Matilde. Comecei a sair mais com amigas e a reconstruir a minha autoestima.

Rui acabou por sair de casa uns meses depois. Disse que não conseguia viver entre duas mulheres em guerra. Senti-me aliviada e devastada ao mesmo tempo.

Hoje vivo sozinha com Matilde no mesmo apartamento pelo qual tanto lutei. Dona Lurdes já não fala comigo e Rui vê a filha aos fins-de-semana.

Às vezes pergunto-me se fiz bem em lutar tanto por quatro paredes… Mas depois olho para Matilde a brincar no seu quarto e percebo: não foi só pelo apartamento. Foi por mim. Pela minha história.

E vocês? Até onde iriam para proteger aquilo que é vosso? Será que família é mesmo sinónimo de confiança?