Traição no Tejo: Entre o Amor, a Mentira e o Perdão

— Mariana, precisamos de falar. — A voz do Ricardo ecoou pelo corredor, fria e distante, enquanto eu pousava as chaves na mesa da entrada. O cheiro a chuva entranhava-se na casa, misturando-se com o aroma do jantar que tinha preparado para nós. Senti um aperto no peito, como se já soubesse que nada seria igual depois daquela noite.

— O que foi agora? — perguntei, tentando soar casual, mas a minha voz tremia. Ele olhou-me nos olhos, mas parecia ver através de mim.

— Não posso continuar a mentir-te. — O silêncio que se seguiu foi tão pesado que quase me sufocou. — Estou apaixonado pela Sofia.

O nome dela caiu como uma pedra no meio do Tejo. Sofia, a minha melhor amiga desde o liceu, a pessoa a quem contei todos os meus segredos, inclusive as minhas dúvidas sobre o próprio Ricardo. Senti o chão fugir-me dos pés.

— Tu… o quê? — A minha voz saiu num sussurro rouco. — Diz-me que isto é uma piada de mau gosto.

Ele baixou os olhos. — Não é. Já dura há meses. Eu tentei acabar, mas não consigo. Desculpa.

A palavra desculpa ecoou na minha cabeça enquanto o mundo à minha volta desabava. Corri para o quarto, fechei a porta e deixei-me cair no chão, soluçando como uma criança perdida. Lembrei-me de todas as noites em que Sofia vinha cá jantar, das gargalhadas partilhadas, dos olhares cúmplices entre eles que agora faziam sentido demais.

Durante dias vivi em piloto automático. O Ricardo saiu de casa nessa mesma noite, levando apenas uma mala e deixando para trás anos de memórias e promessas quebradas. A minha mãe ligava-me todos os dias, mas eu não atendia. Não sabia como explicar-lhe que tinha perdido tudo: o marido e a amiga.

Foi a minha irmã mais nova, Inês, quem me obrigou a sair da cama ao fim de uma semana.

— Mariana, não podes continuar assim. — Ela abriu as cortinas do meu quarto com violência. — Vais tomar banho e vens almoçar connosco. A mãe está preocupada.

— Não quero ver ninguém — murmurei.

— Não tens escolha. — O tom dela era firme, mas vi lágrimas nos olhos dela. — Não te quero perder também.

No almoço em casa dos meus pais, o ambiente era tenso. O meu pai tentava fingir normalidade, falando sobre futebol e política, mas a minha mãe olhava para mim como se eu fosse feita de vidro prestes a partir-se.

— Mariana, filha… — começou ela, hesitante. — O Ricardo ligou-nos. Disse que está arrependido.

Senti uma raiva surda crescer dentro de mim.

— Arrependido? Ele destruiu tudo! E vocês ainda falam com ele?

O meu pai suspirou.

— Ele fez parte da família durante dez anos. Não é fácil para ninguém.

Levantei-me da mesa sem dizer mais nada e fui para o jardim. Senti-me traída não só pelo Ricardo e pela Sofia, mas também pela minha própria família que parecia incapaz de tomar o meu partido sem reservas.

Os dias seguintes foram um borrão de emoções contraditórias: raiva, tristeza, culpa por não ter visto os sinais antes. Comecei a evitar todos os lugares onde poderia encontrar a Sofia ou o Ricardo: cafés do bairro, o ginásio onde costumávamos ir juntas, até mesmo o supermercado local.

Uma tarde, ao sair do trabalho mais cedo porque não conseguia concentrar-me em nada, cruzei-me com a Sofia na rua Augusta. Ela vinha sozinha, com ar abatido.

— Mariana… — chamou ela, hesitante.

Virei costas para fugir dela, mas ela agarrou-me no braço.

— Por favor, deixa-me explicar…

— Explicar o quê? Que traíste a tua melhor amiga? Que me roubaste tudo? — gritei-lhe no meio da rua, sem me importar com os olhares curiosos à nossa volta.

Ela chorava.

— Eu nunca quis magoar-te… Eu juro que tentei resistir…

— Poupas-me aos detalhes sórdidos? — cuspi as palavras como veneno. — Espero que sejas feliz com ele. Mas nunca mais me voltes a procurar.

Afastei-me dela sem olhar para trás. Senti-me vazia e ao mesmo tempo cheia de uma fúria que me queimava por dentro.

Os meses passaram devagar. Fui obrigada a reinventar-me: mudei de emprego para um escritório mais longe de casa; comecei aulas de pintura ao sábado; conheci novas pessoas que não faziam parte do meu passado com o Ricardo ou a Sofia.

Mas as feridas demoraram muito a sarar. Havia noites em que acordava sobressaltada com pesadelos em que via os dois juntos; outras em que sentia falta do Ricardo ao meu lado na cama e odiava-me por isso.

A minha relação com a família também mudou. A minha mãe tentava aproximar-se, mas eu mantinha-a à distância. Sentia que ninguém compreendia verdadeiramente a dor de ser traída por duas das pessoas mais importantes da minha vida.

Um dia, ao fim de quase um ano sem contacto, recebi uma carta da Sofia. Não consegui evitar abri-la:

“Mariana,
Sei que não mereço perdão nem sequer resposta. Mas precisava de te dizer que me arrependo todos os dias do que fiz. O Ricardo deixou-me há meses; percebi tarde demais que nada justifica trair uma amizade como a nossa. Espero que um dia consigas ser feliz e encontrar paz. Com carinho,
Sofia”

Li aquelas palavras vezes sem conta. Senti pena dela? Talvez um pouco. Mas acima de tudo senti pena de mim própria por ter confiado tanto em quem não merecia.

Aos poucos fui reconstruindo pontes com a minha família; aceitei que eles também tinham perdido alguém importante e estavam tão perdidos quanto eu. Comecei a perdoar-me por não ter visto os sinais antes e por ainda sentir saudades do passado.

Hoje olho para trás e vejo uma mulher diferente daquela que entrou em casa numa noite chuvosa em Lisboa há dois anos atrás. Sou mais forte porque sobrevivi à traição e à solidão; sou mais livre porque aprendi a viver comigo mesma antes de depender dos outros para ser feliz.

Mas às vezes pergunto-me: será possível confiar verdadeiramente em alguém depois de uma traição assim? E vocês, já conseguiram perdoar quem vos magoou profundamente?