Traição em Lisboa: Entre o Tejo e as Lágrimas, o Meu Recomeço
— Mariana, precisamos de conversar. — A voz do Rui ecoou pela sala, fria e distante, enquanto eu pousava o prato do jantar na mesa. O cheiro do bacalhau ainda pairava no ar, mas o apetite desapareceu-me num instante. Olhei-o nos olhos, tentando decifrar aquele tom que já não reconhecia.
— O que foi agora? — perguntei, tentando manter a voz firme, mas sentindo o coração a acelerar.
Ele desviou o olhar para a janela, onde a chuva batia forte contra os vidros. — Isto já não está a funcionar. Eu… — hesitou — …eu estou apaixonado por outra pessoa.
O mundo parou. Senti o chão fugir-me dos pés. — Como assim? Quem? — A pergunta saiu num sussurro, quase sem ar.
O Rui engoliu em seco. — É a Sofia.
A Sofia. A minha melhor amiga desde a infância. Aquela com quem partilhei segredos, risos e lágrimas. Senti uma náusea subir-me à garganta. — Não pode ser… Estás a gozar comigo?
Ele abanou a cabeça, os olhos marejados de culpa. — Desculpa, Mariana. Não queria que fosse assim.
A partir desse momento, tudo se tornou um borrão. Lembro-me de gritar, de atirar um copo contra a parede, de ver o meu filho Tomás a chorar no corredor, assustado com a confusão. Lembro-me da minha mãe a chegar pouco depois, chamada por Rui, e de me olhar como se eu fosse culpada por tudo aquilo.
— Mariana, tu nunca soubeste cuidar do Rui! Sempre foste fria! — atirou ela, sem piedade.
— Mãe, por amor de Deus! Ele traiu-me com a Sofia! — gritei-lhe, mas ela limitou-se a encolher os ombros.
— Se calhar devias pensar no que fizeste para ele procurar outra…
Nessa noite, fechei-me no quarto com o Tomás. Ele adormeceu agarrado ao meu peito, soluçando baixinho. Eu fiquei acordada até ao amanhecer, a olhar para o teto, a sentir-me vazia e traída por todos à minha volta.
Os dias seguintes foram um inferno. A Sofia tentou ligar-me dezenas de vezes. Não atendi nenhuma chamada. Recebi mensagens dela: “Desculpa, Mariana. Não planeámos isto. Aconteceu.”
Aconteceu? Como é que uma traição simplesmente acontece? Passei horas a reviver cada momento das últimas semanas: os jantares em casa, as conversas cúmplices entre os dois… Como é que fui tão cega?
A família do Rui virou-se contra mim. A minha mãe continuava a insistir que eu devia lutar pelo casamento “pelo bem do Tomás”. O meu pai limitava-se ao silêncio pesado de quem nunca soube lidar com emoções.
No trabalho, na escola do Tomás, nos cafés do bairro de Alvalade, sentia os olhares de pena ou julgamento. Lisboa parecia mais pequena do que nunca.
Uma tarde, depois de deixar o Tomás na escola, sentei-me num banco à beira do Tejo e chorei como há muito não chorava. Uma senhora idosa sentou-se ao meu lado e ofereceu-me um lenço.
— Filha, às vezes é preciso perder tudo para nos encontrarmos — disse ela com um sorriso triste.
Essas palavras ficaram comigo durante semanas. Comecei a recusar as tentativas da minha mãe de me convencer a perdoar o Rui. Procurei uma advogada e iniciei o processo de divórcio. O Rui mudou-se para casa da Sofia e eu fiquei sozinha com o Tomás num T2 demasiado grande para dois corações partidos.
As noites eram as piores. O silêncio pesava tanto quanto as memórias. O Tomás perguntava pelo pai todos os dias:
— A mãe acha que o pai ainda gosta de nós?
Eu abraçava-o com força e mentia-lhe com um sorriso: — Claro que sim, meu amor. O pai vai sempre gostar de ti.
Mas dentro de mim só havia raiva e tristeza.
A Sofia tentou encontrar-me várias vezes. Uma tarde apareceu à porta do prédio.
— Mariana… por favor… deixa-me explicar…
Olhei-a nos olhos e vi ali uma sombra da amiga que conheci. Mas também vi culpa e medo.
— Não há nada para explicar, Sofia. Traíste-me da pior maneira possível. Espero que sejas feliz com ele — respondi antes de lhe fechar a porta na cara.
Os meses passaram devagar. Tive de aprender a viver sozinha: pagar contas, gerir horários entre o trabalho e as atividades do Tomás, lidar com as perguntas indiscretas das vizinhas.
Uma noite, depois de adormecer o Tomás, sentei-me na varanda com um copo de vinho barato e liguei à minha irmã mais nova, Inês.
— Preciso de falar com alguém… Sinto-me tão perdida…
A Inês ouviu-me em silêncio durante minutos intermináveis antes de dizer:
— Mariana, tu sempre foste mais forte do que pensas. Eles é que te fizeram duvidar disso.
Essas palavras foram um bálsamo inesperado. Comecei a procurar pequenos momentos de alegria: um passeio ao domingo com o Tomás no Jardim da Estrela; um café sozinha na Brasileira; um livro lido até tarde na cama.
No trabalho, aceitei um novo desafio: liderar uma equipa num projeto importante para uma startup portuguesa. Pela primeira vez em anos senti-me valorizada fora do papel de mãe ou mulher traída.
O Rui continuava presente apenas nas visitas quinzenais ao Tomás. A relação deles era cordial mas distante. A Sofia desapareceu da minha vida como se nunca tivesse existido.
Um dia, ao buscar o Tomás à escola, cruzei-me com o Rui e percebi que ele estava diferente: mais magro, olhar cansado.
— Mariana… desculpa por tudo — murmurou ele sem me encarar.
Não respondi. Já não precisava das desculpas dele para seguir em frente.
O tempo foi curando as feridas devagarinho. Aprendi a perdoar-me por não ter visto os sinais; aprendi a aceitar que nem sempre os finais felizes são aqueles que imaginámos quando éramos crianças.
Hoje olho para trás e vejo uma mulher diferente: mais forte, mais livre e menos disposta a aceitar migalhas de quem não sabe amar.
Às vezes pergunto-me: quantas mulheres vivem presas ao medo do julgamento alheio? Quantas sacrificam a própria felicidade para manter aparências?
E vocês? O que fariam se tivessem de recomeçar do zero depois de uma traição tão profunda?