Tivemos de Mudar as Fechaduras para Manter a Minha Sogra Fora de Casa
— Não entendo como é que o meu filho pôde escolher-te a ti, Mariana! — gritou a Dona Lurdes, com os olhos faiscantes, enquanto batia com força na mesa da cozinha. O som ecoou pela casa, misturando-se com o cheiro do café acabado de fazer e o frio cortante daquela manhã de janeiro.
Eu estava ali, de pé, com as mãos trémulas, tentando manter a compostura. O Pedro, meu marido, olhava para mim e para a mãe, perdido entre o dever filial e o amor que dizia sentir por mim. A Dona Lurdes nunca me aceitou. Desde o início, deixou claro que tinha outros planos para o filho: queria vê-lo casado com a Inês, filha do senhor Álvaro, dono de metade das padarias da cidade. “Assim garantias o nosso futuro, Pedro!”, repetia ela vezes sem conta.
Mas Pedro escolheu-me. Escolheu-me a mim, Mariana Silva, filha de um eletricista e de uma costureira. Não tínhamos fortuna nem nome importante, mas tínhamos amor. Ou pelo menos era isso que eu pensava até aquela manhã fatídica.
— Mãe, por favor… — tentou intervir Pedro, mas Dona Lurdes cortou-lhe a palavra com um gesto brusco.
— Não te metas! Tu não percebes nada disto! — virou-se para mim, os olhos cravados nos meus. — Tu roubaste-me o meu filho! E agora ele vive nesta casa miserável, quando podia estar numa vivenda com piscina!
Senti uma lágrima escorrer-me pela face. Não era só o que ela dizia — era a forma como dizia, como se eu fosse um erro na vida dela. Mas o pior ainda estava para vir.
Naquela noite, depois de Dona Lurdes sair batendo a porta atrás de si, Pedro abraçou-me.
— Desculpa, Mariana. Eu não sei o que fazer… Ela não vai desistir.
— Eu sei — respondi, tentando não soluçar. — Mas isto não pode continuar assim.
Durante semanas, Dona Lurdes aparecia sem avisar. Às vezes entrava em casa sem bater à porta — tínhamos-lhe dado uma chave quando nos mudámos, achando que era um gesto de confiança. Agora era um pesadelo: encontrava-a na sala a remexer nas minhas coisas ou na cozinha a criticar a minha comida.
Uma tarde cheguei do trabalho e encontrei-a no nosso quarto, a vasculhar as gavetas.
— O que está a fazer?! — perguntei, incrédula.
Ela olhou-me com desdém.
— Só estou a ver se há alguma coisa de valor nesta casa… Porque pelo menos assim percebo porque é que o Pedro ficou contigo!
Senti uma raiva surda crescer dentro de mim. Liguei ao Pedro imediatamente.
— Ou ela sai daqui ou eu vou embora! — disse-lhe, sem rodeios.
Pedro chegou em minutos. Discutiram alto, palavras feias voaram pela casa. Dona Lurdes saiu aos gritos: “Isto ainda não acabou!”.
Naquela noite não dormi. O Pedro também não. Ficámos em silêncio, cada um perdido nos seus pensamentos. No dia seguinte, tomei uma decisão.
— Vamos mudar as fechaduras — disse-lhe ao pequeno-almoço.
Ele olhou-me como se eu tivesse enlouquecido.
— Mariana… é a minha mãe…
— E eu sou tua mulher! — rebati. — Esta casa é o nosso lar. Não posso viver assim.
Pedro hesitou. Mas no fim do dia, chamou um amigo serralheiro e mudámos as fechaduras. Senti-me culpada e aliviada ao mesmo tempo.
No sábado seguinte, Dona Lurdes apareceu e tentou entrar. Quando percebeu que a chave não funcionava, bateu à porta com força.
— Abram! Abram esta porta! Isto é um ultraje!
Pedro abriu a porta e tentou explicar-lhe calmamente.
— Mãe, tens de respeitar o nosso espaço…
Ela chorou, gritou, ameaçou nunca mais nos falar. Disse que eu era uma manipuladora, que estava a afastar o filho dela da família. Durante semanas não tivemos notícias dela.
Mas Dona Lurdes era persistente. Começou a ligar para os vizinhos, espalhando boatos sobre mim: que eu era interesseira, que estava grávida só para prender o Pedro (o que nem sequer era verdade). A minha mãe começou a receber chamadas anónimas com insultos.
O ambiente ficou insuportável. No trabalho, sentia os olhares dos colegas — alguns tinham ouvido as histórias da Dona Lurdes no café da esquina. O Pedro começou a chegar tarde a casa; dizia que precisava de pensar.
Uma noite, depois de mais uma discussão sobre a mãe dele, sentei-me sozinha na sala escura e perguntei-me se valia mesmo a pena lutar por aquele casamento.
No dia seguinte, recebi uma mensagem da Inês: “Se precisares de falar, estou aqui”. Fiquei perplexa. Sempre achei que ela era cúmplice da Dona Lurdes, mas afinal parecia tão vítima quanto eu.
Marcámos um café. A Inês contou-me que também sofria com as expectativas da mãe dela — queria vê-la casada com alguém rico e influente. Rimo-nos das ironias da vida: duas mulheres julgadas por aquilo que não eram nem queriam ser.
Quando voltei para casa naquela noite, encontrei o Pedro sentado à mesa da cozinha.
— Temos de conversar — disse ele, sério.
Sentei-me à frente dele, sentindo o coração bater descompassado.
— A minha mãe ligou-me hoje — começou ele. — Disse-me que nunca mais quer ver-te à frente… e que se eu continuar contigo, deixa de ser meu filho.
Fiquei em silêncio. Sabia que este momento ia chegar mais cedo ou mais tarde.
— E tu? O que vais fazer? — perguntei-lhe.
Ele baixou os olhos.
— Eu amo-te, Mariana… Mas não posso perder a minha mãe.
Senti o chão fugir-me dos pés. Levantei-me devagar e fui até ao quarto. Comecei a arrumar as minhas coisas numa mala pequena — só o essencial: umas roupas, fotografias antigas dos meus pais e um livro que sempre me acompanhou nos momentos difíceis.
Quando saí do quarto, Pedro estava à porta.
— Mariana… não faças isto…
Olhei-o nos olhos pela última vez.
— Não sou eu que estou a fazer isto, Pedro. És tu… e ela.
Saí de casa naquela noite fria de março sem olhar para trás. Fui para casa dos meus pais e chorei tudo o que tinha para chorar. Nos dias seguintes tentei reconstruir-me aos poucos: voltei ao trabalho, reatei amizades antigas e comecei terapia.
Pedro tentou ligar-me algumas vezes; nunca atendi. Soube pelos vizinhos que ele voltou para casa da mãe. Dizem que anda triste e calado — talvez um dia perceba o preço de nunca ter aprendido a dizer “não” à Dona Lurdes.
Hoje olho para trás e vejo tudo com outros olhos: percebo que há amores que só sobrevivem se houver respeito pelos limites do outro — e há famílias onde o amor sufoca mais do que protege.
Pergunto-me muitas vezes: quantas mulheres terão passado pelo mesmo? Quantas terão coragem de fechar a porta para protegerem o seu próprio coração? E vocês? O que fariam no meu lugar?