Tinha tantos planos para o fim de semana… Até que a minha sogra ligou

— Mariana, preciso falar contigo. — A voz da minha sogra, Dona Lurdes, ecoou pelo telefone antes mesmo de eu conseguir dizer “alô”. O relógio marcava 19h de sexta-feira e eu, exausta depois de uma semana infernal no escritório, só pensava em tomar um banho quente e ver uma série qualquer com o Miguel, o meu marido. Mas aquela voz, sempre urgente, já me fazia adivinhar que os meus planos iam por água abaixo.

— Claro, Dona Lurdes. Está tudo bem? — perguntei, tentando soar calma, mas sentindo o estômago apertar.

— Não está nada bem! O teu cunhado Rui vai trazer a namorada nova para jantar cá em casa amanhã e eu preciso de ajuda. Sabes como é, não posso fazer tudo sozinha. E tu sabes cozinhar tão bem… — Ela nem esperou pela minha resposta. — Amanhã às dez estou aí para irmos ao mercado juntas.

Fiquei ali parada, com o telefone ainda encostado ao ouvido, ouvindo o bip da chamada terminada. Nem sequer me perguntou se eu tinha planos. Nem sequer perguntou se podia contar comigo. Apenas decidiu.

Miguel entrou na sala nesse momento, sorrindo, com duas canecas de chá nas mãos.

— Quem era? — perguntou, pousando uma das canecas à minha frente.

— A tua mãe. — Suspirei. — Amanhã vou passar o dia com ela. Precisa de ajuda para preparar o jantar do Rui.

Miguel revirou os olhos, mas não disse nada. Sabia que discutir não ia adiantar. A mãe dele sempre foi assim: dona de tudo e todos, rainha absoluta do seu pequeno reino familiar.

Naquela noite mal dormi. O cansaço misturava-se com uma raiva surda e uma tristeza antiga. Quantas vezes já tinha abdicado dos meus planos para agradar à Dona Lurdes? Quantas vezes já tinha engolido o que queria dizer para evitar discussões?

No sábado de manhã, quando ela chegou à minha porta — pontualíssima — trazia já uma lista interminável de tarefas e um olhar crítico que me analisava dos pés à cabeça.

— Mariana, estás com um ar cansado… Não dormiste bem? — perguntou, mas sem esperar resposta. — Vá, despacha-te que temos muito que fazer.

No carro, enquanto ela falava sem parar sobre as exigências da nova namorada do Rui — “diz que é vegetariana, imagina!” — eu sentia-me cada vez mais pequena. Queria gritar que também tinha direito ao meu tempo, que também tinha vida própria. Mas calei-me.

No mercado, Dona Lurdes cumprimentava toda a gente como se fosse a presidente da junta. Eu seguia atrás dela, carregando sacos cada vez mais pesados e ouvindo as suas críticas veladas:

— Olha para aquela senhora ali… Sempre tão arranjada! Mariana, devias cuidar mais de ti. O Miguel gosta de mulheres vaidosas.

Mordi o lábio para não responder. Senti os olhos encherem-se de lágrimas, mas engoli em seco e continuei.

De volta a casa dela, passámos horas na cozinha. Dona Lurdes dava ordens como um general:

— Mariana, corta as cenouras mais finas! Não sabes que assim cozinham melhor? E não te esqueças do molho especial para a salada da menina vegetariana!

Quando finalmente me sentei um pouco para descansar, ela olhou para mim com desdém:

— Não sei como consegues estar tão cansada… No meu tempo fazia-se muito mais e ninguém se queixava.

O jantar foi um desfile de sorrisos forçados e conversas superficiais. A namorada do Rui era simpática, mas percebi logo que também ela se sentia deslocada naquele ambiente controlado pela Dona Lurdes.

Miguel tentou animar-me durante o jantar:

— Amanhã compensamos e vamos passear só nós os dois, prometo.

Mas eu já não conseguia sorrir. Sentia-me esgotada, invisível dentro da minha própria vida.

Quando finalmente voltámos para casa, já depois da meia-noite, desabei no sofá. Miguel sentou-se ao meu lado e pegou na minha mão.

— Desculpa… Sei que a minha mãe pode ser difícil.

— Não é só isso — respondi, com a voz embargada. — Sinto que nunca tenho direito a escolher nada. Que a nossa vida gira sempre à volta do que ela quer.

Miguel ficou em silêncio durante uns segundos longos demais.

— Queres que eu fale com ela?

Olhei para ele e percebi que estava tão preso quanto eu naquela teia de obrigações familiares.

— Não sei se adianta… Acho que sou eu que tenho de aprender a dizer “não”.

Na manhã seguinte acordei cedo e fui até à varanda. O sol nascia devagarinho e Lisboa parecia ainda adormecida. Senti uma vontade imensa de chorar e ao mesmo tempo uma raiva nova a crescer dentro de mim.

Peguei no telefone e escrevi uma mensagem à Dona Lurdes:

“Bom dia. Para a próxima vez gostava de poder combinar contigo antes de assumires que posso ajudar. Preciso também do meu tempo e descanso. Espero que compreendas.”

O dedo tremia antes de carregar no botão “enviar”. Mas enviei.

Durante horas não recebi resposta. O silêncio era ensurdecedor. Miguel percebeu logo:

— Mandaste mensagem à minha mãe?

Assenti com a cabeça.

Ele sorriu, orgulhoso:

— Já era tempo.

Quando finalmente recebi resposta da Dona Lurdes, foi curta:

“Compreendo. Da próxima vez aviso antes.”

Senti um peso sair-me dos ombros. Pela primeira vez em anos senti que tinha recuperado um bocadinho do controlo sobre a minha vida.

Mas será que é mesmo possível ser feliz quando alguém insiste em decidir sobre a nossa casa? Ou será que a felicidade depende apenas da coragem de impor os nossos próprios limites? E vocês, já passaram por algo assim?