“Tens um mês para saírem da minha casa!” – O dia em que a minha sogra destruiu o nosso lar
“Tens um mês para saírem da minha casa!” — A voz da Dona Lurdes ecoou pela sala, fria e cortante como uma lâmina. Senti o chão fugir-me dos pés. O meu marido, Rui, ficou branco como a cal. Olhei para ele à procura de apoio, mas ele desviou o olhar, como se quisesse desaparecer ali mesmo.
Eu sabia que não era fácil viver com a minha sogra. Desde que o Rui perdeu o emprego na fábrica e eu tive de fechar o meu pequeno salão de cabeleireiro por causa da pandemia, não tivemos outra escolha senão aceitar a oferta dela para ficarmos no apartamento dela em Almada. No início, parecia uma bênção. Mas rapidamente percebi que a hospitalidade da Dona Lurdes tinha um preço alto: a nossa liberdade.
“Não admito mais esta falta de respeito na minha casa! Sempre a discutir, sempre a fazer barulho! Isto não é uma pensão!” — continuou ela, com os olhos cravados em mim. Senti o sangue ferver-me nas veias. “Falta de respeito? Só porque pedi para não mexerem nas minhas coisas?” — respondi, tentando manter a voz firme, mas já com as lágrimas a ameaçarem cair.
O Rui tentou intervir: “Mãe, por favor, não compliques… Estamos todos nervosos, mas isto não é razão para…”
“Chega! Já decidi. Um mês. Depois disso, quero a casa só para mim.”
Ficámos ali parados, eu e o Rui, como duas crianças apanhadas a fazer asneiras. O nosso filho, Tiago, de apenas seis anos, entrou na sala nesse momento com o seu carrinho vermelho na mão. Olhou para nós, depois para a avó, e percebeu logo que algo estava errado. “Mamã…?” — murmurou ele, agarrando-se às minhas pernas.
Naquela noite não dormi. Fiquei deitada ao lado do Rui, ouvindo-o respirar pesadamente. Queria perguntar-lhe porque não me defendeu mais. Queria gritar-lhe que era sempre assim: quando a mãe dele falava, ele encolhia-se. Mas limitei-me a virar-me para o lado e chorar em silêncio.
No dia seguinte, tentei falar com ele à mesa do pequeno-almoço. “Rui, não podemos continuar assim. Não podemos viver sempre à sombra da tua mãe.” Ele olhou-me cansado: “E achas que eu quero? Achas que isto é fácil para mim? Não tenho trabalho, tu também não… Onde é que vamos viver?”
O desespero começou a instalar-se. Passei os dias seguintes a procurar quartos para alugar na internet. Tudo caríssimo. Liguei à minha irmã, Carla, mas ela vive num T1 minúsculo em Setúbal com os dois filhos pequenos e mal tem espaço para ela própria.
A Dona Lurdes fazia questão de nos lembrar todos os dias do prazo: “Já viram alguma coisa? Não se esqueçam do que vos disse!” — dizia ela enquanto passava com o espanador pela sala, como se quisesse varrer-nos dali também.
O Tiago começou a ter pesadelos. Acordava a meio da noite a chorar: “Mamã, vamos ficar sem casa?” Eu tentava acalmá-lo: “Não vamos, filho… A mamã e o papá vão arranjar uma solução.” Mas nem eu acreditava nas minhas próprias palavras.
Uma tarde, enquanto lavava a loiça, ouvi a Dona Lurdes ao telefone com uma amiga: “Eles pensam que podem ficar aqui eternamente! Já têm idade para se desenrascarem… Eu já fiz a minha parte!” Senti uma raiva surda crescer dentro de mim. Será que ela nunca percebeu o quanto estávamos gratos? O quanto nos custava depender dela?
O Rui começou a chegar cada vez mais tarde a casa. Dizia que andava à procura de trabalho, mas eu sabia que era só para evitar as discussões. Uma noite chegou bêbado. Atirou-se para cima do sofá e começou a chorar: “Desculpa… Desculpa por não conseguir dar-te uma vida melhor.”
A minha mãe ligava-me todos os dias: “Filha, tens de ser forte. Não deixes que te tratem assim.” Mas eu sentia-me cada vez mais pequena, mais impotente.
Faltavam duas semanas para o prazo acabar quando recebi uma chamada inesperada. Era a dona Rosa, uma cliente antiga do salão: “Menina Sofia! Ouvi dizer que está com dificuldades… Olhe, eu tenho um anexo aqui no quintal que está vazio desde que o meu filho foi para Londres. Não é grande coisa, mas se quiserem podem ficar lá até se orientarem.”
Chorei de alívio ao telefone. Contei ao Rui e vi um brilho de esperança nos olhos dele pela primeira vez em semanas.
No dia em que fizemos as malas, a Dona Lurdes nem apareceu na sala para se despedir. O Tiago abraçou-a à pressa: “Avó…”, mas ela limitou-se a dizer: “Porta-te bem.”
O anexo da dona Rosa era pequeno e húmido, mas era nosso. Pela primeira vez em meses senti que podia respirar sem medo de ser posta na rua de um momento para o outro.
O Rui arranjou trabalho numa oficina de automóveis ao fim de duas semanas. Eu comecei a fazer unhas e depilações às vizinhas da dona Rosa na cozinha dela. O dinheiro era pouco, mas era nosso.
Às vezes ainda sonho com aquele dia em que tudo mudou. Pergunto-me se algum dia vou conseguir perdoar à Dona Lurdes por nos ter virado as costas quando mais precisávamos dela. Ou se algum dia o Rui vai conseguir olhar para ela sem sentir vergonha.
E vocês? Acham que há limites para o apoio familiar? Ou será que cada um deve aprender a sobreviver sozinho?