“Só Preciso de Um Neto!”: Quando a Família se Torna o Maior Obstáculo à Felicidade

— Mariana, não achas que já chega? Um neto basta-me, não preciso de mais confusão nesta casa! — A voz da Dona Lurdes ecoou pela cozinha, cortando o silêncio como uma faca afiada. Eu estava de costas para ela, com as mãos trémulas a segurar a chávena de chá, enquanto tentava encontrar coragem para responder.

O Miguel, meu marido, olhava para mim, dividido entre o dever de filho e o de marido. O nosso pequeno Tomás brincava no tapete da sala, alheio à tempestade que se formava à sua volta. Eu sentia o coração apertado, como se cada palavra da minha sogra fosse um peso a mais sobre o peito.

— Dona Lurdes, eu… — tentei começar, mas ela interrompeu-me com um gesto brusco.

— Não me venhas com histórias, Mariana. Já sabes que o Miguel tem o trabalho dele, mal chega para as contas. E tu agora com essas ideias… Mais uma boca para alimentar? Achas que isto é vida?

As palavras dela eram como pedras atiradas contra mim. Senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos, mas respirei fundo. Não podia mostrar fraqueza. Não ali, não agora.

— Mãe, por favor… — O Miguel tentou intervir, mas ela virou-se para ele com aquele olhar que sempre o fazia recuar.

— Tu cala-te, Miguel! Sempre foste mole demais. Se me tivesses ouvido, não estavas agora nesta situação. — Depois voltou-se para mim, os olhos duros. — Mariana, eu só quero o melhor para vocês. Mas isto… isto é egoísmo. Pensaste sequer no Tomás? No que ele vai perder?

Aquelas palavras doeram mais do que qualquer outra coisa. Como podia ela achar que dar um irmão ao Tomás era tirar-lhe algo? Não era suposto uma família crescer ser motivo de alegria?

Naquela noite, depois de todos se recolherem, fiquei sentada na varanda, sentindo o vento frio de Lisboa a bater-me no rosto. O Miguel sentou-se ao meu lado em silêncio. Ficámos assim durante minutos intermináveis.

— Achas que estamos a fazer mal? — perguntei-lhe finalmente, a voz embargada.

Ele pegou na minha mão e apertou-a.

— Não. Mas às vezes sinto que nunca vou conseguir agradar à minha mãe. E isso… cansa-me.

Olhei para ele e vi o mesmo medo e insegurança que sentia em mim. Era como se estivéssemos sozinhos numa ilha cercada por expectativas e julgamentos.

Os dias seguintes foram um desfile de silêncios constrangedores e olhares reprovadores. Dona Lurdes fazia questão de comentar tudo: desde o preço do leite até ao tamanho do nosso apartamento em Benfica.

— Isto não é casa para duas crianças! — exclamou ela num dos seus acessos de dramatismo. — E depois ainda querem que eu ajude? Eu já dei o que tinha a dar!

O pior foi quando começou a falar com os vizinhos. Um dia, ao descer as escadas com o Tomás pela mão, ouvi a Dona Rosa sussurrar:

— Dizem que a Mariana está outra vez de esperanças… Coitada da Lurdes!

Senti-me exposta, julgada por todos. Até as minhas amigas começaram a perguntar se eu tinha pensado bem nas consequências.

A pressão aumentava todos os dias. O Miguel começou a chegar mais tarde do trabalho, claramente a evitar os confrontos em casa. Eu sentia-me cada vez mais sozinha, isolada até do próprio marido.

Uma noite, depois de mais uma discussão acesa com Dona Lurdes — desta vez porque comprei fraldas em promoção em vez da marca habitual — fechei-me na casa de banho e chorei baixinho para não acordar o Tomás.

Foi nesse momento que percebi: estava a perder-me. A tentar agradar a todos, esqueci-me de mim própria, dos meus sonhos e do que queria para a minha família.

No dia seguinte, tomei uma decisão. Esperei até todos estarem sentados à mesa do jantar e falei:

— Dona Lurdes, eu respeito muito tudo o que fez por nós até hoje. Mas esta é a minha família. O Miguel e eu decidimos juntos ter outro filho porque acreditamos que é o melhor para nós e para o Tomás. Não vou pedir desculpa por querer ser feliz.

Ela ficou em silêncio durante uns segundos eternos. Depois levantou-se bruscamente e saiu da sala sem dizer palavra.

O Miguel olhou para mim com um misto de orgulho e medo.

— Achas que ela vai perdoar-nos? — perguntou ele.

Encolhi os ombros. Pela primeira vez em meses, senti-me leve.

Os dias seguintes foram estranhos. Dona Lurdes evitava-me, falava apenas o indispensável. Mas aos poucos, talvez por ver que não íamos ceder, começou a amolecer.

Quando nasceu a nossa pequena Matilde, ela apareceu no hospital com um ramo de flores e lágrimas nos olhos.

— Desculpa, Mariana… Eu só tinha medo de vos ver sofrer como eu sofri quando o vosso pai morreu… — disse ela num sussurro quase imperceptível.

Abracei-a sem dizer nada. Naquele momento percebi que por trás da dureza havia apenas medo e amor mal expressos.

Hoje olho para trás e vejo quanto cresci com tudo isto. Aprendi que às vezes temos de lutar até contra quem mais amamos para sermos fiéis a nós próprios.

E vocês? Já sentiram que tiveram de escolher entre agradar à família ou seguir o vosso coração? Até onde iriam pelo vosso próprio sonho?