Sempre fui eu a salvar o nosso casamento. Quando finalmente desisti, ele começou a lutar por nós
— Vais mesmo sair outra vez, Miguel? — perguntei, sentindo a voz tremer, enquanto ele já procurava as chaves no bolso do casaco.
Ele não respondeu. Limitou-se a olhar para mim com aquele ar cansado, como se cada palavra minha fosse um peso extra nos ombros dele. O silêncio entre nós era tão denso que quase podia ouvi-lo a gritar. Oiço o portão a bater e fico sozinha na cozinha, com o cheiro do jantar que já ninguém vai comer.
Sempre fui eu a primeira a ceder. A primeira a pedir desculpa, mesmo quando não tinha culpa. A primeira a procurar as palavras certas para remendar o que estava partido. Miguel nunca foi de falar sobre sentimentos. Preferia sair, ir até ao café do Zé, beber uma cerveja e fingir que tudo estava bem. Eu ficava em casa, a tentar juntar os cacos do que restava de nós.
Lembro-me de uma noite em particular, há uns anos, quando a nossa filha Inês tinha apenas três anos. Tínhamos discutido por causa de dinheiro — ou melhor, por causa da falta dele. Ele gritava que eu não percebia a pressão que sentia no trabalho, eu gritava que ele não percebia o peso de estar sozinha com uma criança pequena e uma casa para manter. No fim, fui eu quem chorou baixinho no quarto da Inês, enquanto ela dormia agarrada ao meu dedo.
A minha mãe dizia sempre: “Filha, casamento é para a vida toda. Aguenta.” E eu aguentei. Aguentei as ausências, os silêncios, as palavras duras e até os olhares frios ao pequeno-almoço. Aguentei porque acreditava que era isso que se fazia por amor. Porque acreditava que um dia ele ia perceber o quanto eu lutava por nós.
Mas os dias foram passando e nada mudava. Miguel continuava a sair sempre que as coisas ficavam difíceis. Eu continuava a remendar tudo sozinha. Até que um dia, já cansada de tanto tentar, decidi parar.
Foi numa terça-feira à noite. Tínhamos discutido por causa da escola da Inês — ela tinha tido uma nota baixa e ele culpou-me por não estar mais atenta aos trabalhos de casa dela. Senti uma raiva tão grande que nem consegui responder. Limitei-me a olhar para ele e disse:
— Não vou discutir mais contigo, Miguel. Faz o que quiseres.
Ele ficou surpreendido. Esperava que eu explodisse, que chorasse ou que corresse atrás dele como sempre fazia. Mas dessa vez fiquei sentada à mesa, em silêncio, a olhar para o prato vazio à minha frente.
Nos dias seguintes, continuei assim. Não lhe pedi desculpa, não tentei conversar, não lhe perguntei onde ia nem a que horas voltava. Cuidei da Inês, fui trabalhar, tratei da casa — mas deixei de tentar salvar o nosso casamento sozinha.
Miguel começou a estranhar. No início parecia aliviado com o meu silêncio, mas depois começou a ficar inquieto. Chegava mais cedo a casa, perguntava se precisava de alguma coisa, tentava meter conversa à mesa do jantar.
— Está tudo bem contigo? — perguntou-me numa noite.
Olhei para ele e vi nos olhos dele algo que há muito não via: medo. Medo de me perder.
— Está tudo bem — respondi. Mas pela primeira vez na vida, não tentei convencê-lo disso.
As semanas passaram e Miguel mudou. Começou a ajudar mais em casa, a perguntar pela Inês, a interessar-se pelos meus dias. Um sábado de manhã apareceu-me na cozinha com um ramo de flores — coisa que nunca tinha feito em quase quinze anos de casamento.
— Desculpa — disse ele baixinho. — Sei que tenho sido um idiota.
Senti as lágrimas a quererem cair, mas segurei-as. Não queria voltar ao papel de salvadora.
— Não quero desculpas — respondi. — Quero respeito. Quero sentir que estamos juntos nisto.
Ele assentiu com a cabeça e abraçou-me como se tivesse medo de me partir.
A partir desse dia, as coisas começaram lentamente a mudar entre nós. Não foi fácil — ainda tivemos muitas discussões, muitos silêncios desconfortáveis e algumas recaídas nos velhos hábitos. Mas pela primeira vez senti que Miguel estava realmente ali comigo, disposto a lutar pelo nosso casamento tanto quanto eu.
A Inês percebeu logo a diferença. Começou a sorrir mais, a brincar mais connosco à mesa do jantar. Um dia disse-me:
— Mãe, gosto quando o pai está feliz contigo.
E eu percebi que era isso que faltava: deixarmos de lutar um contra o outro e começarmos finalmente a lutar juntos.
Hoje olho para trás e penso em todas as vezes que me anulei para manter o casamento de pé. Em todas as noites em que chorei sozinha no escuro, convencida de que era minha obrigação salvar tudo sozinha. E pergunto-me: quantas mulheres vivem assim? Quantas continuam a carregar sozinhas o peso de um casamento?
Se pudesse voltar atrás faria diferente? Talvez não — porque foi preciso chegar ao limite para perceber que mereço ser amada e respeitada sem ter de implorar por isso.
Às vezes penso: quantos casamentos seriam salvos se ambos lutassem com igual força? E vocês? Já sentiram que lutam sozinhos por algo que devia ser dos dois?