Sempre fui a má sogra? – Confissões de uma mulher rejeitada pela própria família
— Não precisas de vir buscar as meninas hoje, Maria. Eu já tratei de tudo. — A voz da Marta, seca e distante, ecoou no telefone como tantas outras vezes. Senti o nó na garganta apertar, mas limitei-me a responder:
— Está bem, Marta. Se precisares de alguma coisa, avisa.
Desliguei e fiquei a olhar para o telemóvel, como se esperasse que ele me devolvesse o tempo perdido. Quantas vezes já tinha ouvido aquela frase? Quantas vezes me tinha sentido um peso, um incómodo, uma presença indesejada na vida do meu próprio filho e da sua família?
Quando o Ricardo conheceu a Marta, eu estava feliz por ele. Era um rapaz reservado, sempre muito ligado a mim depois da morte do pai. Vi nele o reflexo do homem que amei e perdi cedo demais. Talvez por isso tenha sido tão difícil aceitar que ele crescia, que fazia escolhas sem me consultar. Mas nunca quis ser aquela sogra controladora de quem todos falam mal. Queria apenas continuar a fazer parte da vida dele.
No início, tentei aproximar-me da Marta. Convidei-os para jantar, ofereci-me para ajudar com a mudança para a nova casa. Ela sorria, mas havia sempre uma distância nos olhos dela, como se eu fosse uma ameaça. O Ricardo dizia-me para não me preocupar, que era só o feitio dela. Mas eu sentia-me cada vez mais afastada.
Quando nasceram as gémeas, a Leonor e a Matilde, pensei que tudo mudaria. Sonhava com tardes no parque, bolos feitos em conjunto, histórias contadas ao serão. Mas a Marta foi clara desde o início:
— Prefiro que as meninas fiquem em casa comigo. Ainda são pequenas.
Respeitei. Afinal, era mãe delas. Mas cada vez que via as minhas netas só em festas de aniversário ou em encontros rápidos à porta da escola, sentia um vazio crescer dentro de mim. O Ricardo parecia dividido entre nós duas, mas acabava sempre por ceder à vontade da Marta.
Os anos passaram e fui-me habituando à solidão. Os meus dias eram preenchidos com pequenas rotinas: o café com a vizinha Rosa, as idas ao mercado, os serões passados a ver novelas. Sempre à espera de um telefonema, de um convite, de um sinal de que ainda fazia parte daquela família.
Até que um dia tudo mudou. O Ricardo ligou-me à pressa:
— Mãe, a Marta teve um acidente de carro. Não é grave, mas vai precisar de repouso. Podes ficar com as meninas?
O coração disparou-me no peito. Finalmente iam precisar de mim! Fui buscar as gémeas à escola com as mãos a tremer. Elas olharam para mim com surpresa e algum desconforto.
— A mãe disse que íamos para casa da avó? — perguntou a Leonor.
— Sim, minhas queridas. Vamos passar uns dias juntas.
Nos primeiros dias foi estranho. As meninas estavam habituadas às rotinas da mãe e estranhavam tudo em minha casa: o cheiro do arroz doce, os lençóis lavados com sabão azul e branco, até o som do relógio antigo na sala.
— A mãe não deixa ver televisão à noite — disse a Matilde num tom acusador.
— Aqui podem ver um bocadinho — tentei sorrir.
Mas sentia-me sempre a pisar ovos. Tinha medo de fazer algo errado e depois ouvir da Marta:
— Não era assim que eu queria.
A Marta ligava todos os dias para saber se estava tudo bem. As conversas eram curtas e práticas:
— Deram banho às meninas? Comeram bem? Não se esqueceram dos trabalhos de casa?
Nunca perguntava por mim. Nunca agradecia.
Uma noite, depois de deitar as gémeas, sentei-me na varanda com uma chávena de chá e deixei as lágrimas correrem. Senti-me usada. Durante anos fui afastada e agora esperavam que eu estivesse ali, pronta para ajudar como se nada tivesse acontecido.
No dia seguinte, ao pequeno-almoço, ouvi as meninas sussurrar:
— Achas que a avó gosta mesmo de nós?
O meu coração partiu-se em mil pedaços.
— Claro que gosto! — disse-lhes com voz trémula. — Vocês são tudo para mim.
Elas olharam para mim com olhos grandes e assustados. Percebi então quanto tempo tinha perdido por orgulho alheio e por medo de ser inconveniente.
Quando a Marta recuperou e veio buscar as meninas, agradeceu-me com um aceno de cabeça seco.
— Obrigada por ter ficado com elas.
Olhei-a nos olhos e perguntei:
— Marta, porque é que nunca me deixaste fazer parte da vossa vida?
Ela hesitou antes de responder:
— Tive uma sogra muito difícil. Sempre temi que se repetisse comigo.
Nesse momento percebi que os fantasmas do passado dela tinham moldado o nosso presente. Senti raiva, tristeza e uma vontade imensa de gritar tudo o que tinha guardado durante anos.
O Ricardo tentou mediar:
— Mãe, precisamos todos de mudar isto. As meninas precisam da avó.
Mas será assim tão fácil? Anos de distância não se apagam com um pedido de ajuda ou um agradecimento apressado.
Agora passo os dias a pensar: será que fui mesmo a má sogra? Ou fui apenas vítima dos medos e inseguranças dos outros? Será possível reconstruir uma família depois de tanto tempo afastados?
E vocês? Acham que ainda há tempo para recomeçar? O amor chega para curar feridas tão antigas?