Sempre Apoiei a Minha Filha no Divórcio. Agora Ela Voltou Para o Marido e Eu Tornei-me a Sua Inimiga
— Não percebes, mãe? Eu amo o Miguel! — gritou a Inês, com os olhos vermelhos de tanto chorar. O eco da sua voz ainda ressoava na cozinha, misturando-se com o cheiro do café frio e do pão torrado que ninguém tocou naquela manhã.
Senti o peito apertar-se, como se cada palavra dela fosse uma faca a cortar-me por dentro. Passei anos a ser o seu apoio, a sua confidente, a pessoa que limpava as lágrimas quando o casamento dela se desmoronou. Fui eu quem a ajudou a fazer as malas, quem a recebeu de volta ao quarto de infância, quem lhe segurou as mãos quando ela tremia de medo do futuro. E agora, ali estava ela, a olhar para mim como se eu fosse o maior obstáculo à sua felicidade.
— Inês, filha… — tentei falar baixo, mas a voz saiu-me trémula — Tu sabes tudo o que passaste. Lembras-te das noites em que choravas até adormecer? Das vezes em que ele te deixou sozinha porque o trabalho era sempre mais importante? Eu só quero proteger-te.
Ela afastou-se de mim, os braços cruzados como um escudo. — Tu não percebes! As pessoas mudam! O Miguel mudou! E eu também! Não quero viver presa ao passado.
O silêncio caiu entre nós como uma sentença. Olhei para ela e vi não a menina que criei, mas uma mulher ferida, determinada a seguir um caminho que eu não conseguia aceitar. Senti-me impotente, como se todo o amor e sacrifício de anos não valessem nada.
Lembro-me do dia em que ela me ligou, há dois anos, a chorar: — Mãe, não aguento mais. O Miguel não me ouve, não me vê… Sinto-me invisível nesta casa. — Corri para ela sem hesitar. Fui buscar-lhe as roupas, preparei-lhe o quarto, fiz sopa quente e prometi que tudo ia ficar bem. Passei noites acordada ao lado dela, ouvindo os desabafos, as mágoas, as dúvidas. Quando ela decidiu avançar com o divórcio, fui eu quem segurou a mão dela no tribunal.
A família inteira ficou dividida. O meu marido, António, sempre foi mais reservado. — Não te metas tanto na vida dela — dizia-me baixinho à noite. Mas eu não conseguia evitar. Era a minha filha. Era o meu dever.
Quando o divórcio ficou oficializado, senti um misto de alívio e tristeza. Vi a Inês renascer aos poucos: voltou a sair com amigas, inscreveu-se num curso de fotografia, começou a sorrir de novo. Pensei que finalmente ia encontrar a felicidade longe daquele homem que tanto a fez sofrer.
Mas há três meses tudo mudou. Comecei a notar mensagens no telemóvel dela, sorrisos envergonhados quando falava ao telefone. Um dia cheguei mais cedo do trabalho e encontrei o Miguel sentado na sala, com um ramo de flores nas mãos e um ar arrependido.
— Dona Teresa… — disse ele, sem conseguir olhar-me nos olhos — Sei que errei muito com a Inês. Mas quero tentar outra vez.
Senti uma raiva surda crescer dentro de mim. Como podia ele ter coragem de voltar ali? Como podia ela sequer pensar em dar-lhe outra oportunidade?
— Inês… — chamei-a à parte — Tens a certeza do que estás a fazer? Não te lembras do que passaste?
Ela olhou-me com uma firmeza que nunca lhe tinha visto antes: — Mãe, eu preciso tentar. Se não der certo, pelo menos sei que fiz tudo o que podia.
Desde esse dia tudo mudou entre nós. Cada conversa era uma discussão à espera de acontecer. Eu tentava esconder o meu medo e desilusão atrás de conselhos práticos: — Não te esqueças do que ele te fez… — Mas ela só via julgamento nos meus olhos.
A família começou a afastar-se. O António evitava falar do assunto; os meus pais diziam-me para deixar a Inês viver a vida dela; até os amigos começaram a evitar visitar-nos para não serem apanhados no meio das nossas discussões.
Um domingo à tarde, durante o almoço de família, tudo explodiu. A Inês anunciou que ia voltar a viver com o Miguel.
— Não posso continuar aqui contigo, mãe. Sinto-me sufocada. Preciso da minha vida de volta.
O silêncio foi absoluto. Senti as lágrimas ameaçarem cair mas engoli-as com dificuldade. O António pousou a mão no meu ombro mas eu afastei-o. Senti-me sozinha como nunca.
Nos dias seguintes tentei ligar-lhe várias vezes mas ela não atendia. Mandava mensagens curtas: “Estou bem”, “Preciso de tempo”. Vi-a esvair-se da minha vida como areia entre os dedos.
Comecei a duvidar de tudo: teria sido demasiado dura? Teria projetado nela os meus próprios medos? Ou teria simplesmente amado demais?
As noites tornaram-se longas e silenciosas. O António tentava animar-me: — Ela vai voltar a procurar-te… Dá-lhe tempo.
Mas eu sabia que algo tinha mudado para sempre entre nós.
Um mês depois recebi uma mensagem da Inês: “Mãe, gostava de falar contigo.” O coração disparou no peito. Encontrámo-nos num café discreto perto da casa dela.
Ela parecia mais magra, cansada mas determinada.
— Mãe… — começou ela — Sei que estás magoada comigo. Mas preciso que respeites as minhas escolhas. Se falhares nisso… não sei se consigo continuar a ter-te na minha vida.
As palavras caíram sobre mim como pedras pesadas. Senti vontade de gritar, de chorar, de lhe pedir para voltar para casa e esquecer aquele homem para sempre. Mas limitei-me a acenar com a cabeça e segurar-lhe as mãos por cima da mesa.
— Só quero que sejas feliz… — murmurei, sem saber se acreditava nisso ou não.
Ela sorriu tristemente e levantou-se para sair. Fiquei ali sentada muito tempo depois dela partir, olhando para o café frio à minha frente e perguntando-me onde tinha falhado como mãe.
Agora passo os dias à espera de uma mensagem dela, de um telefonema qualquer. O António diz-me para ter paciência; os amigos dizem-me para seguir com a minha vida; mas eu só consigo pensar na menina que criei e na mulher em quem se tornou — tão diferente de mim e tão igual ao mesmo tempo.
Será este o destino das mães? Amarmos tanto que acabamos por perder quem mais queremos proteger? Será possível apoiar sem sufocar? Gostava de ouvir outras mães… Como lidam com esta dor silenciosa?