Sem Berço, Sem Paz: O Meu Coração de Mãe no Meio do Caos

— Não acredito, António! Disseste que ias montar o berço antes de eu chegar! — gritei, a voz embargada, enquanto segurava o pequeno Tomás ao colo, ainda envolto na manta do hospital. O cheiro a desinfetante ainda me perseguia, mas o que mais me incomodava era o vazio do quarto do bebé. O berço, desmontado, encostado a um canto, as caixas de fraldas por abrir, e eu, sozinha, a sentir-me mais perdida do que nunca.

António apareceu à porta, o telemóvel colado ao ouvido, a gravata torta e a expressão de quem já estava noutra sala, noutro mundo. — Desculpa, amor, o chefe ligou outra vez. Tenho mesmo de resolver isto agora. Prometo que daqui a pouco trato de tudo, está bem?

Senti uma raiva surda a crescer dentro de mim. Promessas. Sempre promessas. Desde que engravidei, António parecia cada vez mais ausente. O trabalho era sempre mais importante. E agora, com Tomás nos meus braços, o medo de não ser suficiente misturava-se com a frustração de não ter ninguém ao meu lado.

Sentei-me na cama, o corpo ainda dorido do parto, e olhei para o meu filho. Ele dormia tranquilo, alheio ao caos à sua volta. As lágrimas começaram a cair-me pelo rosto. Lembrei-me da minha mãe, que sempre dizia: “Filha, quando fores mãe, vais perceber o que é solidão.” Nunca pensei que fosse assim tão literal.

O telefone tocou. Era a minha sogra, Dona Lurdes. — Então, Mariana, já chegaram? Precisas de alguma coisa?

Engoli em seco. — Olá, Dona Lurdes. Chegámos agora. O António está ocupado com o trabalho e eu… — a voz falhou-me. — O berço ainda está por montar.

— Ai, menina, esses homens! Olha, se precisares de ajuda, diz. Mas sabes que o António tem de trabalhar, não é? Ele faz isso por vocês.

A frase ficou a ecoar-me na cabeça. Por nós. Mas e eu? Quem faz alguma coisa por mim?

Naquela noite, adormeci com Tomás ao meu lado, na cama de casal, porque não tinha forças para montar o berço sozinha. O António chegou tarde, cheirando a tabaco e cansaço. Deitou-se sem dizer palavra. Fingi que dormia, mas por dentro gritava.

Os dias seguintes foram uma sucessão de tarefas intermináveis: dar de mamar, mudar fraldas, tentar acalmar o choro do Tomás, tudo enquanto a casa se desmoronava à minha volta. O António saía cedo e chegava tarde. Às vezes, nem via o filho acordado.

Uma tarde, ao tentar preparar o jantar com uma mão só, ouvi um estrondo vindo do quarto. Corri, o coração aos pulos. Era apenas uma caixa caída, mas o susto fez-me desabar. Sentei-me no chão, Tomás ao colo, e chorei como nunca tinha chorado.

Nesse momento, o telefone tocou de novo. Era a minha irmã, Sofia. — Mariana, estás bem? Ouvi dizer pela mãe que já estavas em casa. Queres que vá aí?

Hesitei. O orgulho sempre me impediu de pedir ajuda. Mas naquele instante, só queria alguém que me visse, que me ouvisse. — Vem, por favor. Não aguento mais isto sozinha.

Sofia chegou meia hora depois, com um saco de comida e um sorriso cansado. Abraçou-me, e eu desatei a chorar outra vez. — Mariana, tens de falar com o António. Não podes carregar isto tudo sozinha.

— Ele não percebe. Para ele, o trabalho é tudo. E a mãe dele só sabe desculpá-lo.

Sofia suspirou. — E tu? Quando é que vais começar a desculpar-te a ti própria por não seres perfeita?

As palavras dela ficaram comigo. Naquela noite, depois de Tomás adormecer, sentei-me na sala à espera do António. Quando ele entrou, largou as chaves na mesa e foi direto ao frigorífico. — O que é o jantar?

Levantei-me devagar. — António, precisamos de falar.

Ele olhou-me, cansado. — Agora? Não pode esperar?

— Não. Não pode. Sinto-me sozinha, António. Sinto que estou a criar o nosso filho sozinha. Preciso de ti. Preciso que estejas aqui, não só fisicamente, mas presente. O Tomás precisa de um pai, e eu preciso de um marido.

Ele ficou em silêncio. Pela primeira vez, vi-lhe as lágrimas nos olhos. — Mariana, eu… não sei como fazer isto. Tenho medo de falhar. O trabalho é a única coisa que sei fazer bem.

Aproximei-me dele. — E eu? Achas que não tenho medo? Mas estou aqui. Estou a tentar. Só queria que tentasses comigo.

Naquela noite, António ficou acordado comigo. Montámos o berço juntos, entre silêncios e olhares cúmplices. Não foi perfeito, mas foi um começo.

Os dias seguintes foram diferentes. António começou a chegar mais cedo, a ajudar nas tarefas, a pegar no Tomás ao colo. A sogra continuava a ligar, a dar palpites, mas eu aprendi a pôr limites. A Sofia tornou-se presença constante, trazendo comida, conselhos e, acima de tudo, compreensão.

Mas as feridas ficaram. Houve discussões, portas a bater, noites em que dormimos de costas voltadas. A maternidade não é um conto de fadas. É feita de noites sem dormir, de dúvidas, de culpas. Mas também de pequenos milagres: o primeiro sorriso do Tomás, o olhar de António quando percebeu que era capaz de ser pai.

Hoje, olho para trás e vejo o quanto cresci. Não sou a mãe perfeita, nem a esposa ideal. Mas sou alguém que lutou para não se perder no meio do caos. E pergunto-me: quantas mulheres passam por isto em silêncio, sem coragem de pedir ajuda? Quantos homens se escondem atrás do trabalho por medo de falhar em casa?

Será que algum dia vamos aprender a ser família, mesmo no meio do caos? E vocês, já sentiram que estavam sozinhos quando mais precisavam de alguém?