“Sai da minha casa!” — Como expulsei a minha sogra e voltei a ser dona da minha vida (história de Marta, de Braga)

— Marta, não achas que devias pôr mais sal na sopa? — perguntou a minha sogra, Dona Lurdes, enquanto mexia a panela como se a cozinha fosse dela.

Eu estava cansada. Não era só do dia de trabalho no hospital, nem das noites mal dormidas por causa do pequeno Tomás, que ainda acordava a chorar. Era um cansaço que me pesava nos ossos, uma exaustão que vinha de dentro, de anos a engolir sapos e a sorrir para não criar problemas.

— Está bem assim, Dona Lurdes — respondi, tentando manter a voz calma. Mas ela já nem me ouvia. Pegou no saleiro e despejou mais sal, como se eu fosse invisível.

O meu marido, Rui, entrou na cozinha nesse momento. Olhou para mim, depois para a mãe, e fingiu não ver nada. Era sempre assim. Desde o dia em que nos casámos e ela veio morar connosco “só por uns meses”, nunca mais saiu. E eu nunca tive coragem de dizer nada. Afinal, era a mãe dele. E eu queria ser uma boa nora, uma boa esposa, uma boa mãe.

Mas a verdade é que já não sabia quem era. Sentia-me uma sombra na minha própria casa. Dona Lurdes criticava tudo: a forma como eu limpava, como educava o Tomás, até como me vestia para ir trabalhar. “Uma mãe devia ficar em casa com o filho”, dizia ela, sempre com aquele tom de superioridade. E Rui? Rui encolhia os ombros. “Sabes como ela é, Marta. Tem bom coração.”

Mas eu já não aguentava mais. Comecei a ter insónias. Chorava sozinha na casa de banho para ninguém ouvir. Sentia-me uma estranha na minha própria vida. Até que uma noite, depois de mais uma discussão por causa do jantar — “O arroz está empapado, Marta!” — fechei-me no quarto e desatei a chorar. Tomás dormia no berço, alheio ao drama da mãe. E eu ali, a sentir-me tão pequena.

No dia seguinte, fui trabalhar com os olhos inchados. A minha colega e amiga, Patrícia, percebeu logo.

— O que se passa, Marta? — perguntou ela, baixinho.

Desabei. Contei-lhe tudo. Pela primeira vez, disse em voz alta aquilo que me sufocava há anos.

— Tens de fazer alguma coisa — disse ela. — Isto não é vida. Não podes continuar assim.

As palavras dela ficaram a ecoar na minha cabeça o resto do dia. Quando cheguei a casa, Dona Lurdes estava sentada no sofá, a ver a novela. Rui ainda não tinha chegado. Sentei-me ao lado dela e respirei fundo.

— Dona Lurdes, precisamos de conversar.

Ela olhou para mim com aquele ar de quem já sabe tudo.

— Diga lá, Marta.

— Eu… Eu preciso do meu espaço. Preciso que a senhora encontre outra solução para viver. Não posso continuar assim.

Ela ficou em silêncio durante uns segundos. Depois levantou-se, indignada.

— Então é isso? Depois de tudo o que fiz por vocês? Depois de criar o Rui sozinha? Agora quer pôr-me na rua?

Senti o coração a bater descompassado.

— Não é isso… Eu agradeço tudo o que fez. Mas preciso de ser dona da minha casa. Preciso de respirar.

Ela saiu da sala a chorar alto, como se eu fosse um monstro. Quando Rui chegou, encontrou-me sentada no chão, a tremer.

— O que é que fizeste à minha mãe? — gritou ele.

— Só pedi para ela procurar outra casa. Não aguento mais, Rui. Estou a perder-me.

Ele ficou furioso. Durante dias não me falou. Dona Lurdes fazia questão de dramatizar tudo: chorava, batia portas, ligava às tias a contar como eu era ingrata. A família toda ficou contra mim. Até a minha própria mãe me ligou:

— Marta, tens a certeza do que estás a fazer? Vais destruir o teu casamento…

Mas eu já não podia voltar atrás. Pela primeira vez em anos, sentia-me viva. Comecei a procurar casas para Dona Lurdes. Falei com o assistente social da junta de freguesia, procurei lares, apartamentos partilhados. Ela recusava tudo. “Prefiro morrer do que sair daqui”, dizia.

Entretanto, Rui começou a dormir no sofá. O ambiente em casa era insuportável. Tomás sentia tudo — estava mais irrequieto, chorava mais. E eu sentia-me culpada por tudo.

Uma noite, depois de adormecer o Tomás, sentei-me na varanda e olhei para o céu escuro de Braga. Lembrei-me da Marta que fui antes de casar: cheia de sonhos, independente, feliz. Onde é que ela tinha ido parar?

No dia seguinte, Dona Lurdes teve uma crise de ansiedade e foi parar ao hospital. Rui culpou-me imediatamente.

— Estás satisfeita? Olha o que fizeste à minha mãe!

Eu chorei tanto nessa noite que pensei que nunca mais ia conseguir parar. Mas depois olhei para o meu filho e percebi: não podia desistir agora. Tinha de lutar por mim — por nós.

Foi então que tomei a decisão mais difícil da minha vida: disse a Rui que se ele não me apoiava, talvez devêssemos separar-nos.

— Não posso escolher entre ti e a minha mãe — disse ele, com os olhos cheios de lágrimas.

— Mas eu já escolhi por mim — respondi.

Foram semanas de silêncio, discussões baixinho para o Tomás não ouvir, olhares frios à mesa do jantar. Até que um dia Rui entrou no quarto e disse:

— Falei com o meu primo em Guimarães. Ele tem um apartamento livre. A mãe pode ir para lá durante uns tempos.

Senti um alívio tão grande que quase desatei a rir e a chorar ao mesmo tempo.

Dona Lurdes saiu de casa uma semana depois. Fez questão de dramatizar até ao último segundo: chorou à porta, abraçou o neto como se nunca mais o fosse ver, olhou para mim como se eu fosse uma criminosa.

Mas quando fechei a porta atrás dela, senti uma paz que já não conhecia há anos. Abracei o Tomás e chorei baixinho — desta vez de alívio.

Rui demorou a perdoar-me. Ainda hoje há mágoas entre nós. Mas aos poucos fomos reconstruindo a nossa relação — agora com limites claros. Dona Lurdes liga todos os dias, claro, mas já não manda na minha vida.

Hoje olho para trás e percebo: às vezes é preciso coragem para dizer basta. Para escolhermos a nós próprias, mesmo quando toda a gente nos julga.

E vocês? Já tiveram de impor limites à família para poderem ser felizes? Será egoísmo escolhermos a nossa paz em vez de agradar a todos?