Resolvi Tratar o Meu Filho e a Minha Nora Como Eles Me Tratam: Um Retrato de Respeito e Desilusão
— Mãe, por favor, podes vir cá a casa ficar com a Leonor? O Rui está com febre alta e eu tenho uma dor de garganta horrível! Sinto-me mesmo mal! Ajuda-me! — implorou Andreia ao telefone, a voz trémula de desespero.
Fechei os olhos por um segundo, sentindo o peso daquela súplica. Quantas vezes já tinha largado tudo para acudir ao chamado deles? Quantas vezes pus as minhas próprias dores de lado para ser o suporte que eles precisavam? Mas naquele momento, algo dentro de mim quebrou. Lembrei-me das tardes em que fiquei sozinha, do aniversário em que ninguém apareceu, das mensagens não respondidas. Lembrei-me de como me tratavam quando eu precisava deles.
— Desculpa, Andreia, mas hoje não posso. — A minha voz saiu mais fria do que eu esperava. Do outro lado, silêncio. Depois, um suspiro magoado.
— Mas… mãe… — insistiu ela, quase num sussurro.
— Hoje não posso — repeti, desligando antes que a culpa me esmagasse.
Sentei-me à mesa da cozinha, as mãos a tremer. O relógio marcava 18h47. O cheiro do café frio misturava-se com o silêncio pesado da casa. Lembrei-me de quando o Rui era pequeno e vinha ter comigo a correr, joelhos esfolados, olhos marejados de lágrimas. “Mãe, dói!”, dizia ele. E eu estava sempre lá. Sempre.
Mas agora? Agora era diferente. Desde que se casou com a Andreia, parecia que só me procuravam quando precisavam de algo. Nunca um convite para jantar, nunca um “como estás?” genuíno. No Natal passado, sentei-me sozinha à mesa posta para três, os pratos vazios à minha frente como um lembrete cruel da ausência deles.
Na semana anterior, tinha-lhes pedido ajuda para mudar um móvel pesado na sala. “Não podemos, mãe, estamos ocupados.” No entanto, vi no Instagram uma foto deles no cinema nessa mesma noite. O coração apertou-se-me de novo ao recordar.
O telefone tocou outra vez. Era o Rui desta vez.
— Mãe, por favor, é importante! A Leonor está inquieta e nós estamos mesmo mal. Não tens ninguém que te possa substituir? — A voz dele era mais dura do que suplicante.
Respirei fundo.
— Rui, lembras-te quando precisei de ti na semana passada? Ou quando fiz anos e vocês não vieram? — perguntei, tentando manter a voz firme.
— Oh mãe, agora não é altura para isso! Estamos doentes! — respondeu ele, impaciente.
— Pois… mas para mim nunca é altura — murmurei.
Desliguei novamente. Senti-me miserável. Era isto ser mãe? Ser sempre a última prioridade?
As horas passaram devagar naquela noite. O telefone não voltou a tocar. Sentei-me no sofá com um cobertor velho e tentei ver televisão, mas as imagens passavam sem sentido à minha frente. Oiço o vento lá fora e penso em como tudo mudou desde que o Rui saiu de casa.
No dia seguinte, fui ao supermercado. Encontrei a Dona Emília na fila do pão.
— Então, Maria do Carmo, como vai isso? — perguntou ela com aquele sorriso caloroso.
— Vai-se andando… — respondi, sem grande entusiasmo.
— Não tem visto o Rui nem a Andreia? — insistiu ela.
— Só quando precisam de mim — confessei, sentindo as lágrimas ameaçarem cair.
Ela pousou a mão no meu braço.
— Não se deixe pisar, minha querida. Às vezes é preciso mostrar-lhes como dói — disse ela baixinho.
As palavras dela ecoaram em mim durante todo o dia. Talvez tivesse razão. Talvez estivesse na altura de inverter os papéis.
Naquela noite, escrevi uma mensagem ao Rui: “Filho, espero que melhores depressa. Se precisares de alguma coisa, avisa com antecedência. Também tenho os meus compromissos.” Hesitei antes de enviar, mas acabei por carregar no botão.
Dois dias depois, recebi uma mensagem curta: “Já estamos melhores. Obrigado.” Sem mais nada. Sem convite para ir ver a Leonor ou tomar um café.
Os dias passaram e comecei a sair mais de casa. Juntei-me ao grupo de costura da igreja e comecei a fazer caminhadas com a Dona Emília e outras vizinhas. Senti-me mais leve, menos dependente daquela família que parecia só lembrar-se de mim quando lhes dava jeito.
Certa tarde, enquanto regava as plantas na varanda, ouvi passos apressados nas escadas do prédio. Era o Rui.
— Mãe! — chamou ele da porta, ofegante.
Abri-lhe a porta com calma.
— Olá, Rui. Está tudo bem?
Ele entrou sem pedir licença e sentou-se à mesa da cozinha.
— O que se passa contigo? Porque é que não nos ajudaste quando pedimos? — perguntou ele, magoado mas também zangado.
Sentei-me à frente dele e olhei-o nos olhos.
— E tu? Quando é que me ajudaste quando eu precisei? Quando é que estiveste presente sem ser por obrigação ou necessidade?
Ele ficou em silêncio por uns segundos.
— Mãe… nós temos uma vida muito ocupada…
— E eu não tenho vida? Não tenho sentimentos? — interrompi-o, sentindo as lágrimas finalmente caírem.
Ele baixou os olhos.
— Desculpa…
O silêncio instalou-se entre nós como uma parede invisível.
— Sabes, Rui… sempre pus a vossa felicidade acima da minha. Sempre estive disponível para tudo. Mas agora percebo que também mereço respeito e consideração. Não sou só uma empregada ou uma babysitter — disse-lhe com voz trémula mas decidida.
Ele levantou-se devagar e abraçou-me pela primeira vez em muito tempo.
— Tens razão, mãe. Fomos egoístas. Vou falar com a Andreia…
Nesse fim de semana convidaram-me para jantar em casa deles. A Leonor correu para mim com um desenho nas mãos: “Avó Maria!” Estava lá eu desenhada com um sorriso enorme.
Senti o coração aquecer um pouco. Mas sabia que ainda havia muito por resolver. O respeito não se exige num dia; constrói-se todos os dias.
Agora pergunto-me: quantas mães e avós vivem assim, esquecidas até serem necessárias? Será justo darmos tudo sem recebermos nada em troca? E vocês… já sentiram isto na pele?