Quando Pedi ao Meu Marido para Me Pagar por Cuidar da Nossa Filha

— Achas mesmo que o que faço aqui em casa não é trabalho? — perguntei, com a voz a tremer, enquanto segurava um prato ainda molhado de detergente. O Luís olhou-me, surpreendido, como se eu tivesse acabado de falar noutra língua.

— Não foi isso que eu disse, Sofia. Só acho que… — hesitou, procurando as palavras certas — cuidar da Matilde é uma coisa natural. És mãe, não é?

O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Senti o peito apertar, como se cada palavra dele me tivesse arrancado um pedaço. Natural. Como se o meu cansaço, as noites mal dormidas, as refeições frias e as horas a brincar no chão fossem apenas parte do ar que respiro, invisíveis, obrigatórias, sem valor.

Naquela noite, depois de deitar a Matilde, sentei-me no sofá, exausta. Oiço o Luís a mexer no telemóvel, rindo-se de qualquer coisa que viu nas redes sociais. Senti-me sozinha, mesmo com ele ali ao lado. Lembrei-me de como era antes, quando sonhávamos juntos com uma família, quando ele me dizia que eu era a mulher mais forte que conhecia. Agora, parecia que a minha força era um dado adquirido, algo que não precisava de reconhecimento.

No dia seguinte, enquanto preparava o pequeno-almoço, a ideia surgiu-me de repente, como um grito abafado que finalmente se solta:

— Luís, quero que me pagues por cuidar da nossa filha.

Ele largou a chávena de café, atónito.

— Estás a brincar?

— Não. Quero um salário. Se eu estivesse a trabalhar fora, teríamos de pagar a alguém para cuidar da Matilde. Porque é que, só porque sou eu, não vale nada?

O Luís ficou em silêncio. Vi-lhe no rosto a confusão, a incredulidade, talvez até um pouco de medo. Senti-me, pela primeira vez em muito tempo, ouvida. Não compreendida, mas ouvida.

Os dias seguintes foram um campo de batalha. O Luís tentava evitar o assunto, mas eu insistia. As discussões tornaram-se rotina. A Matilde, com apenas três anos, começou a perguntar porque é que a mamã e o papá estavam sempre a falar alto.

— Sofia, isto não faz sentido — disse ele, uma noite, já depois de a Matilde adormecer. — Somos uma equipa. Eu trabalho fora, tu ficas com a Matilde. Cada um tem o seu papel.

— Mas o teu papel é reconhecido, é pago, é valorizado. O meu é invisível. Quando chegas a casa, esperas que tudo esteja feito, que a Matilde esteja feliz, que a casa esteja limpa. E se não estiver, perguntas o que andei a fazer o dia todo.

Ele suspirou, passando as mãos pelo cabelo.

— Não é isso que quero dizer… Só acho que estamos a complicar as coisas. Sempre foi assim nas nossas famílias. A minha mãe ficou em casa, a tua também.

— E achas que elas foram felizes? Achas que nunca se sentiram sozinhas, cansadas, desvalorizadas?

O Luís não respondeu. O silêncio dele era uma resposta em si.

Comecei a pensar em tudo o que tinha abdicado. O meu emprego como educadora de infância, os cafés com amigas, até o tempo para ler um livro sem interrupções. Tudo por amor à Matilde, claro. Mas também porque, de alguma forma, sempre me disseram que era isso que uma boa mãe fazia.

Uma tarde, a minha mãe veio visitar-nos. Notei-lhe o olhar preocupado quando me viu de olhos inchados.

— O que se passa, filha?

Desabafei. Contei-lhe tudo, até o pedido do salário.

Ela ficou calada, pensativa.

— Sabes, quando eras pequena, eu também me sentia assim. O teu pai nunca percebeu o que era estar sempre disponível, sempre pronta para tudo. Mas nunca tive coragem de pedir nada. Achei que era o meu dever. Talvez tenhas razão em exigir mais.

As palavras dela ecoaram em mim. Não era só eu. Era uma cadeia de mulheres cansadas, invisíveis, a quem nunca foi permitido pedir mais.

O Luís, entretanto, começou a chegar mais tarde a casa. Dizia que era trabalho, mas eu sabia que era para evitar as discussões. A distância entre nós crescia, como uma fissura que ameaçava partir tudo ao meio.

Uma noite, depois de deitar a Matilde, sentei-me com ele à mesa da cozinha.

— Luís, isto não é só sobre dinheiro. É sobre respeito. Quero sentir que o que faço tem valor. Quero que a Matilde cresça a ver que o trabalho de uma mãe é tão importante como o de um pai.

Ele olhou-me nos olhos, finalmente sem fugir.

— E se eu te desse um salário, achas que isso resolvia tudo?

— Não sei. Mas seria um começo. Seria reconhecer que o meu tempo, o meu esforço, a minha vida, têm valor.

Ele ficou calado, mas vi-lhe nos olhos uma tristeza nova, como se finalmente percebesse o peso das minhas palavras.

No dia seguinte, encontrei um envelope em cima da mesa. Dentro, estava um papel com um valor escrito e uma nota: “Para a melhor mãe do mundo. Desculpa não ter visto antes.”

Chorei. Não pelo dinheiro, mas pelo gesto. Pela primeira vez, senti-me reconhecida.

As coisas não mudaram de um dia para o outro. Ainda discutimos, ainda há dias em que me sinto sozinha. Mas agora, o Luís ajuda mais. Brinca com a Matilde, faz o jantar de vez em quando, pergunta-me como foi o meu dia. Pequenas coisas, mas que fazem toda a diferença.

Às vezes pergunto-me se outras mulheres sentem o mesmo. Se também se sentem invisíveis, cansadas, à espera de um simples “obrigado”. Será que é pedir demais querer ser vista, ser valorizada, ser amada não só pelo que damos, mas também pelo que somos?

E vocês, já se sentiram assim? O que acham que realmente vale o trabalho de uma mãe?