Quando o Passado se Recusa a Partir: Como a Nova Namorada do Meu Ex-Marido Mudou a Minha Vida
— Não admito que fales assim do teu pai, Tomás! — gritei, a voz embargada de raiva e desespero, enquanto o meu filho de apenas dez anos me fitava com olhos marejados de lágrimas. O silêncio que se seguiu pesou no ar da cozinha, como se cada azulejo absorvesse a tensão que nos separava.
Nunca pensei que a minha vida chegasse a este ponto. Chamo-me Mariana, tenho trinta e oito anos e sou professora primária em Almada. O Rui foi o meu primeiro amor, o homem com quem sonhei envelhecer. Mas os sonhos têm o estranho hábito de se desfazerem quando menos esperamos. O nosso casamento acabou há dois anos, depois de meses de discussões abafadas e silêncios ensurdecedores. O Tomás ficou comigo, mas sempre fiz questão de manter o Rui presente na vida dele. Não queria que o meu filho crescesse com ressentimentos ou buracos no coração.
Tudo mudou quando o Rui conheceu a Sílvia. Lembro-me do dia em que ele me contou, com um sorriso nervoso e um brilho nos olhos que já não via há muito tempo. — Mariana, queria apresentar-te alguém — disse ele, hesitante, enquanto deixava o Tomás no portão da escola. — Acho que é importante para todos nós.
A Sílvia era bonita, elegante, com aquele ar confiante de quem nunca duvida de si própria. No início, tentei ser cordial. Afinal, não era ela a responsável pelo fim do meu casamento. Mas rapidamente percebi que havia algo nela que me inquietava. Pequenos comentários aqui e ali, olhares de soslaio, uma necessidade constante de marcar território. O Tomás começou a voltar dos fins de semana com o pai diferente: mais distante, mais irritadiço.
— A Sílvia disse que tu és muito controladora — atirou-me ele um dia, sem levantar os olhos do telemóvel.
Senti um nó apertar-se-me no estômago. — O quê? Quem te disse isso?
Ele encolheu os ombros. — Ela só quer ajudar o pai a ser feliz.
A partir daí, tudo se tornou uma batalha. A Sílvia começou a aparecer em todas as reuniões da escola, sentava-se ao lado do Rui e fazia perguntas sobre o Tomás como se fosse mãe dele. Os professores olhavam para mim com pena ou confusão. Uma vez, ouvi-a dizer à professora de Matemática: — O Tomás precisa de mais disciplina em casa. Eu cá sou muito exigente com ele.
Senti-me invisível na vida do meu próprio filho.
As discussões com o Rui tornaram-se frequentes. — Não podes deixar que ela se intrometa assim! — dizia-lhe eu ao telefone, tentando controlar as lágrimas.
— Mariana, estás a exagerar. A Sílvia só quer ajudar — respondia ele, sempre defensivo.
Mas eu via os sinais: o Tomás começou a recusar-se a vir para casa ao domingo à noite, dizia que preferia ficar com o pai e com a Sílvia porque lá podia jogar PlayStation até tarde e comer pizza ao jantar. Comecei a sentir-me uma estranha na minha própria família.
A minha mãe tentava animar-me: — Filha, não deixes que essa mulher te tire o teu lugar. O Tomás é teu filho!
Mas como lutar contra alguém que parecia estar sempre um passo à frente? A Sílvia organizava festas de aniversário para o Tomás sem me consultar, publicava fotografias nas redes sociais com legendas como “Família feliz” e respondia aos comentários das amigas como se fosse mãe dele desde sempre.
Uma noite, depois de mais uma discussão com o Tomás sobre as regras da casa, fechei-me na casa de banho e chorei até não ter mais forças. Senti-me derrotada, como se estivesse a perder tudo aquilo por que tinha lutado.
No dia seguinte, fui chamada à escola. A diretora queria falar comigo sobre o comportamento do Tomás: estava mais distraído, respondia aos professores e parecia triste.
— Ele sente-se dividido entre dois mundos — disse-me ela com delicadeza. — Talvez fosse bom conversarem todos juntos.
Tentei organizar uma reunião com o Rui e a Sílvia. No início, recusaram. Só depois de muita insistência aceitaram encontrar-se comigo num café discreto perto da escola.
— Mariana, tens de perceber que agora faço parte da vida do Tomás — disse-me a Sílvia logo ao início, sem rodeios.
— Eu percebo isso — respondi, tentando manter a calma — mas sou eu a mãe dele! Preciso que respeites isso.
O Rui ficou calado durante quase toda a conversa. Só no final murmurou: — Não quero conflitos. O Tomás precisa de estabilidade.
Saí dali ainda mais frustrada. Sentia-me sozinha nesta luta.
Foi então que decidi procurar ajuda profissional. Marquei consultas para mim e para o Tomás com uma psicóloga familiar. Nas primeiras sessões ele mal falava; só depois de várias semanas começou a abrir-se.
— Tenho medo que deixes de gostar de mim se eu gostar da Sílvia — confessou-me um dia, baixinho.
O meu coração partiu-se em mil pedaços. Abracei-o com força e prometi-lhe que nada nem ninguém mudaria o amor que sentia por ele.
A psicóloga ajudou-nos a encontrar formas de comunicar melhor e sugeriu uma reunião conjunta com todos os adultos envolvidos. Foi um momento tenso: lágrimas, acusações veladas e silêncios desconfortáveis. Mas pela primeira vez senti que estava a recuperar algum controlo sobre a situação.
Com o tempo, as coisas começaram a acalmar. A Sílvia continuava presente, mas aprendeu (a custo) a respeitar os meus limites como mãe do Tomás. O Rui percebeu finalmente que precisava de me apoiar mais nas decisões importantes.
Hoje ainda há dias difíceis — há sempre feridas que demoram a sarar — mas sinto-me mais forte. Aprendi que ser mãe é lutar todos os dias pelo bem-estar dos nossos filhos, mesmo quando tudo parece estar contra nós.
Às vezes pergunto-me: quantas mães passam pelo mesmo sem terem voz? E será que alguma vez conseguimos realmente deixar o passado para trás quando ele insiste em fazer parte do nosso presente?