Quando o Ninho Vazio se Enche de Novo: O Regresso do Meu Filho e o Peso das Decisões
— Mãe, não temos outra solução. — A voz do Rui ecoava pelo telefone, carregada de urgência e vergonha. — O senhorio aumentou a renda outra vez, e a Andreia perdeu o trabalho. Não conseguimos aguentar mais.
Fiquei em silêncio, sentada à mesa da cozinha, com a chávena de chá a tremer-me nas mãos. O António, meu marido, olhava para mim do outro lado da mesa, olhos semicerrados, já a adivinhar o que se passava. O relógio da parede marcava quase meia-noite, mas o sono tinha fugido há muito tempo.
— Eles vêm cá para casa? — perguntou ele, sem rodeios.
Assenti, sentindo o peso da decisão a esmagar-me o peito. O Rui sempre foi o nosso filho mais velho, o que parecia ter a vida mais encaminhada. Mas nos últimos anos tudo mudou: perdeu o emprego na construção civil, tentou abrir um café que faliu em menos de um ano, e agora isto. A Andreia, a nora que nunca me olhou nos olhos durante mais de cinco segundos, estava desempregada há meses. Os miúdos, o Tiago e a Matilde, eram adoráveis mas irrequietos, e a nossa casa — dois quartos apenas — já parecia pequena só para nós dois.
— Não podemos dizer que não — murmurei. — Ele vai herdar parte da casa de qualquer maneira. E são nossos filhos.
O António bufou, levantando-se para ir buscar um copo de água. — Herdar? E nós? Ainda estamos vivos! Não quero passar os meus últimos anos a viver num acampamento.
As palavras dele magoaram-me mais do que queria admitir. Mas compreendia-o. A nossa vida tinha sido feita de sacrifícios: noites sem dormir para pagar a casa, férias adiadas para comprar livros escolares, discussões por causa do dinheiro que nunca chegava. Agora que finalmente tínhamos algum sossego, íamos perder tudo outra vez?
No dia seguinte, o Rui apareceu com a Andreia e as crianças. Trazia apenas duas malas e uma caixa de brinquedos. A Andreia entrou sem dizer palavra, os olhos vermelhos de chorar ou de raiva — nunca consegui perceber bem. O Tiago correu logo para o sofá, atirando-se às almofadas como se fosse um trampolim. A Matilde agarrou-se à minha saia.
— Avó, posso dormir contigo? — perguntou com aquela voz doce que me derretia sempre.
Sorri-lhe, mas por dentro sentia-me a desmoronar.
As primeiras noites foram um caos. O António resmungava porque não conseguia ver televisão em paz; a Andreia passava horas fechada no quarto ao telefone com amigas; o Rui tentava ajudar mas acabava sempre por se sentar à mesa comigo, cabisbaixo.
— Desculpa, mãe — disse-me uma noite enquanto lavávamos a loiça juntos. — Sei que isto não é justo para vocês.
— És meu filho — respondi, tentando sorrir. — Mas tens de perceber que isto não pode ser para sempre.
Ele assentiu, mas vi nos olhos dele que não acreditava nisso.
Os dias passaram e as tensões aumentaram. O António começou a sair mais vezes para o café do bairro, só para fugir ao barulho. Eu tentava manter tudo limpo e organizado, mas era impossível com quatro adultos e duas crianças num espaço tão pequeno.
Uma noite, ouvi uma discussão vinda do quarto deles:
— Não aguento mais! — gritava a Andreia. — A tua mãe está sempre a meter-se na nossa vida!
— O que queres que faça? Não temos para onde ir!
Tapei os ouvidos com a almofada, mas as palavras dela ficaram-me gravadas na memória. Sempre tentei não me intrometer, mas era impossível não reparar quando ela deixava roupa espalhada pela casa ou quando gritava com as crianças por coisas mínimas.
O Tiago começou a ter pesadelos. Chorava durante a noite e vinha para o nosso quarto pedir colo. O António perdeu a paciência uma noite:
— Isto não pode continuar assim! — gritou ele à mesa do pequeno-almoço. — Ou arranjam maneira de sair daqui ou eu vou-me embora!
O Rui ficou branco como a cal.
— Pai…
— Não quero saber! Esta casa era o nosso refúgio e agora parece um campo de batalha!
A Andreia levantou-se da mesa sem dizer palavra e trancou-se na casa de banho. Eu fiquei ali sentada, sem saber o que fazer ou dizer.
No dia seguinte, recebi uma chamada da minha irmã Maria:
— Ouvi dizer que tens a casa cheia outra vez…
Desabafei tudo com ela: as discussões, o cansaço, o medo de perder o marido ou afastar o filho para sempre.
— Tens de pôr limites — disse ela. — Eles têm de perceber que tu também tens direito à tua vida.
Mas como é que se põem limites ao próprio filho?
Nessa noite, sentei-me com o Rui e a Andreia na sala.
— Filhos… precisamos de conversar. Eu e o vosso pai estamos cansados. Gostamos muito de vocês, mas esta situação não pode continuar assim indefinidamente.
A Andreia olhou para mim com lágrimas nos olhos:
— Não temos para onde ir…
O Rui pegou-lhe na mão:
— Mãe…
— Eu sei — interrompi-o. — Mas têm de procurar alternativas. Fiquem mais um mês, mas depois têm de encontrar uma solução. Se quiserem ajuda para procurar casa ou trabalho, eu ajudo-vos.
O António entrou na sala nesse momento e ficou parado à porta:
— Obrigado — disse apenas ao Rui, antes de sair outra vez.
O mês passou devagar. O Rui arranjou uns biscates numa obra; a Andreia começou a limpar casas nas redondezas. Conseguiram juntar algum dinheiro e alugaram um pequeno T1 numa vila próxima. No dia em que saíram, senti um alívio imenso misturado com uma tristeza profunda.
A casa ficou silenciosa outra vez. O António voltou ao seu lugar no sofá; eu voltei às minhas rotinas silenciosas.
Mas à noite, quando me deito na cama fria e vazia, pergunto-me: será que fizemos bem? Será que ser mãe é saber quando dizer basta? Ou será que falhámos ao não conseguir dar-lhes tudo aquilo de que precisavam?
E vocês? O que fariam no meu lugar?