Quando o Meu Filho se Afasta: Confissões de uma Mãe Portuguesa
— Tiago, filho, atende o telefone, por favor… — sussurro para o vazio, olhando para o ecrã do telemóvel que insiste em não vibrar. São já três dias sem resposta. O silêncio da casa ecoa mais alto do que qualquer grito. Sento-me à mesa da cozinha, onde ainda ontem preparei o arroz de pato que ele tanto gosta, mesmo sabendo que não viria ninguém jantar.
Lembro-me do dia em que me disse que ia para França com a Ana. “Mãe, é só por uns anos, para juntar dinheiro. Depois voltamos.” Sorri-lhe, escondendo o medo atrás dos olhos marejados. Sempre fui mãe galinha, talvez demasiado. O Tiago era o meu único filho, o meu orgulho e a minha companhia desde que o pai dele nos deixou. Fui mãe e pai, fui tudo o que consegui ser.
Agora, a casa está vazia. Os vizinhos perguntam por ele na mercearia: “Então, a Maria do Carmo já tem saudades do rapaz?” Sorrio amarelo e digo que sim, que ele está bem, que fala comigo todos os dias. Mas é mentira. Ele não fala. E eu não sei porquê.
A Ana nunca gostou muito de mim. Sempre achei que ela achava que eu era demasiado presente, demasiado opinativa. Talvez tenha razão. Lembro-me de uma discussão há uns meses:
— Maria, o Tiago precisa de espaço! — disse-me ela, voz firme.
— Espaço? Mas eu só quero saber se ele está bem! — respondi, sentindo-me pequena.
— Ele está bem. Só precisa de viver a vida dele.
Desde então, as chamadas tornaram-se mais curtas, as mensagens mais secas. “Está tudo bem, mãe.” E pronto. Nada mais.
No Natal passado, esperei por eles com a mesa posta e o bacalhau no forno. À última hora ligaram a dizer que não conseguiam vir. Chorei sozinha na sala, com as luzes da árvore a piscarem para ninguém.
A minha irmã Rosa diz-me para não ser tão dramática:
— Eles têm a vida deles agora, Maria. Não podes querer ser sempre o centro do mundo do Tiago.
Mas como não querer? Fui eu que lhe limpei as lágrimas quando caiu da bicicleta, fui eu que lhe fiz sopa quando estava doente. Fui eu que fiquei acordada noites inteiras à espera que chegasse a casa.
Agora fico acordada à espera de uma mensagem.
No outro dia fui ao centro de saúde. A enfermeira perguntou-me se estava tudo bem. Disse-lhe que sim, mas ela olhou para mim com aqueles olhos de quem sabe ler mais do que as palavras dizem. “Tem de cuidar de si também, dona Maria.” Mas como cuidar de mim se metade de mim está longe?
O Tiago mandou uma mensagem ontem: “Desculpa mãe, tenho andado ocupado no trabalho.” Só isso. Nem um emoji.
Fui ao Facebook ver as fotos deles em Paris: sorrisos largos, passeios à beira do Sena, jantares com amigos novos. Fico feliz por ele estar bem, mas dói ver que já não precisa de mim para sorrir.
Às vezes penso em ligar à Ana e perguntar-lhe diretamente: “O que é que fiz de mal?” Mas depois lembro-me das palavras da Rosa e fico calada. Não quero ser aquela sogra chata de quem toda a gente foge.
No café da vila ouço conversas sobre filhos emigrados:
— O meu João liga-me todas as semanas! — gaba-se a D. Teresa.
— A minha Mariana manda sempre postais! — diz a D. Lurdes.
Sorrio e minto: “O Tiago também fala comigo todas as semanas.” Mas por dentro sinto-me cada vez mais sozinha.
No domingo passado fui à missa acender uma vela por ele. Pedi a Deus para proteger o meu menino e para me dar força para aceitar esta distância. Saí da igreja com o coração apertado e os olhos húmidos.
À noite sonhei com ele pequenino:
— Mãe, não me deixes sozinho! — dizia-me ele no sonho.
Acordei sobressaltada e percebi que sou eu agora quem tem medo de ficar sozinha.
Tentei ocupar o tempo: comecei a fazer tricô, inscrevi-me nas aulas de hidroginástica na piscina municipal. Mas nada preenche este vazio.
Ontem à noite decidi escrever-lhe uma carta à moda antiga:
“Meu querido Tiago,
Sei que estás ocupado e feliz aí em França com a Ana. Só queria dizer-te que tenho saudades tuas todos os dias. Não quero ser um peso na tua vida, só quero saber se estás bem. Amo-te muito.
Beijinhos da mãe.”
Não sei se vai responder. Talvez ache exagero meu. Talvez nem leia até ao fim.
Hoje acordei com vontade de lhe ligar outra vez. O dedo pairou sobre o botão verde do telemóvel, mas desisti à última hora. Não quero ser insistente.
A vizinha do lado bateu à porta:
— Maria, venha tomar um café comigo!
Fui, mas a conversa rodou sempre à volta dos filhos dela: “O Pedro vai casar! A Joana já tem emprego!” Sorri e fingi interesse.
À noite sentei-me no sofá e olhei para as fotografias antigas: o Tiago no primeiro dia de escola, o Tiago com o diploma na mão, o Tiago ao colo do pai antes deste partir para sempre.
Senti uma raiva surda: porque é que tive de ficar sozinha? Porque é que ele não percebe que preciso dele?
No fundo sei que estou a ser egoísta. Ele tem direito à sua vida, aos seus sonhos. Mas será pedir muito um telefonema de vez em quando?
Amanhã vou ao mercado comprar flores para pôr na varanda. Talvez assim a casa pareça menos vazia.
Antes de dormir escrevo no diário:
“Hoje senti falta do teu abraço, filho.” Fecho o caderno e apago a luz.
Será isto o destino das mães portuguesas? Criar os filhos para depois vê-los partir? Será egoísmo querer um pouco mais de atenção? Gostava tanto de ouvir as vossas opiniões…