Quando o fim de semana se transforma num campo de batalha: A minha história com a sogra, compromissos e a luta por mim mesma

— Vais mesmo deixar a tua mãe sozinha este fim de semana? — perguntou o Rui, com aquele tom hesitante que eu já conhecia tão bem. O relógio marcava 21h17 de sexta-feira e eu, sentada no sofá com as pernas encolhidas, sentia o peso do mundo nos ombros. O telefone ainda vibrava na mesa, a chamada perdida da Dona Teresa a piscar como um aviso silencioso.

Respirei fundo. “Outra vez?” pensei. Tínhamos planeado este fim de semana há semanas: só nós os três, eu, o Rui e o nosso pequeno Tomás, finalmente juntos depois de meses de trabalho, escola e desencontros. Mas bastou um telefonema da minha sogra para tudo vacilar.

— Não é uma questão de deixar ou não deixar — respondi, tentando manter a voz calma. — Ela sabe que combinámos isto há semanas. Não podemos estar sempre a mudar os nossos planos por causa dela.

O Rui olhou para mim, os olhos castanhos cheios de culpa e indecisão. — Mas ela está sozinha desde que o teu sogro morreu. Sabes como ela fica…

E eu sabia. Sabia demasiado bem. Desde que o Sr. António partiu, há dois anos, a Dona Teresa transformou-se numa sombra do que era. Ligava-nos quase todos os dias, aparecia sem avisar, fazia questão de lembrar que estava sozinha — e que nós éramos tudo o que lhe restava.

Mas eu também estava cansada. Cansada de ser sempre eu a ceder, de ver os meus planos desfeitos por expectativas alheias. Cansada de sentir que nunca era suficiente — nem como nora, nem como mãe, nem como mulher.

O Tomás apareceu na sala, com o pijama dos dinossauros e um sorriso sonolento. — Mamã, amanhã vamos ao parque?

Sorri-lhe, tentando esconder a angústia. — Vamos sim, meu amor.

Mas sabia que nada estava garantido.

O telefone voltou a tocar. O nome da Dona Teresa iluminou o ecrã. O Rui olhou para mim, como quem pede desculpa por algo que ainda não aconteceu.

Atendi.

— Olá, Dona Teresa.

— Filha, desculpa ligar tão tarde… mas estava aqui a pensar se não podiam vir cá amanhã almoçar. Fiz aquele arroz de pato que tu gostas tanto… E sabes, faz-me tanta falta ver o Tomás…

A voz dela tremia ligeiramente. Senti uma pontada no peito — culpa misturada com raiva.

— Dona Teresa, tínhamos combinado passar o dia juntos, só nós… O Tomás está ansioso para ir ao parque.

— Oh filha… mas eu estou tão sozinha… Só queria um bocadinho da vossa companhia…

Fechei os olhos. O Rui fazia gestos para aceitar. O Tomás olhava para mim com esperança.

— Vamos pensar e amanhã logo lhe digo, está bem?

Desliguei antes que as lágrimas me traíssem.

A noite foi longa. O Rui virou-se para o lado sem dizer mais nada. Eu fiquei acordada horas, a olhar para o teto, a pensar em tudo o que tinha abdicado nos últimos anos: os jantares cancelados, as férias adiadas, os fins de semana passados em casa da sogra enquanto os meus próprios pais viam os netos cada vez menos.

No sábado de manhã, acordei com uma mensagem da minha mãe: “Bom fim de semana, filha! Aproveita muito com os teus homens.” Senti uma dor aguda — há quanto tempo não via a minha mãe? Porque era sempre a família do Rui a prioridade?

Na cozinha, o Rui preparava café em silêncio. O Tomás já estava vestido, mochila às costas.

— Então? — perguntou o Rui sem me olhar nos olhos.

— Então… vamos ao parque. Como tínhamos combinado.

Ele suspirou. — E a minha mãe?

— A tua mãe tem de perceber que também temos direito à nossa vida. Não posso continuar a anular-me para agradar toda a gente.

O Rui ficou calado. O silêncio entre nós era pesado, quase insuportável.

No parque, tentei esquecer tudo: corri atrás do Tomás, empurrei-o no baloiço, rimos juntos como há muito não fazíamos. Mas cada vez que pegava no telemóvel via mensagens da Dona Teresa: “Estão quase a chegar?”, “O arroz está pronto!”, “O Tomás vai gostar da sobremesa…”

À hora do almoço, sentámo-nos num banco do jardim com sandes e sumos. O Rui estava distante. Finalmente explodiu:

— Não percebes que ela só tem a nós? Que se sente abandonada?

— E tu não percebes que eu também existo? Que também tenho limites? Que também tenho saudades da minha família?

As palavras saíram mais duras do que queria. O Tomás olhou para nós assustado.

— Desculpa — murmurei ao meu filho. — Não é contigo.

O resto do dia passou num nevoeiro de mágoa e ressentimento. À noite, depois de adormecer o Tomás, sentei-me na varanda e chorei em silêncio.

No domingo de manhã, tomei uma decisão. Liguei à Dona Teresa.

— Dona Teresa… precisamos de conversar.

Ela ficou em silêncio do outro lado.

— Eu gosto muito de si e sei que está a passar um momento difícil. Mas também preciso do meu espaço, da minha família… Preciso de tempo para mim e para o Rui e para o Tomás. Não posso estar sempre disponível.

Houve um silêncio longo e doloroso.

— Eu percebo… — disse ela finalmente, com voz embargada. — Só tenho medo de ficar sozinha…

— Não vai ficar sozinha — garanti-lhe. — Mas temos de encontrar um equilíbrio. Eu também tenho mãe, também tenho vida própria…

Chorámos as duas ao telefone. Pela primeira vez senti que ela me ouvia realmente.

Quando desliguei, o Rui estava à porta da varanda.

— Foste corajosa — disse ele baixinho.

Sentei-me ao lado dele e ficámos ali em silêncio, mãos dadas pela primeira vez em muito tempo.

Hoje olho para trás e percebo quanto tempo perdi a tentar agradar toda a gente menos a mim própria. Quantas vezes deixei os meus sonhos para segundo plano por medo do conflito ou da rejeição?

Será que é possível amar sem nos anularmos? Será que alguém já passou pelo mesmo? Gostava tanto de ouvir as vossas histórias…