Quando o Dinheiro Fala Mais Alto: Entre o Amor de Irmã e o Peso das Expectativas
“Não podes simplesmente virar as costas à tua irmã, Mariana!” A voz da minha mãe ecoava pela sala, carregada de uma urgência que me esmagava o peito. Eu estava sentada à mesa da cozinha, com o convite do meu casamento ainda por enviar, as mãos trémulas a segurar uma chávena de chá frio. O olhar dela, fixo na janela, parecia perdido num horizonte que só ela via. “O Pedro deixou-a. Agora temos de garantir que ele paga a pensão, senão a Eliana não vai conseguir sozinha.” Nem uma palavra sobre o meu casamento, nem um sorriso pelo meu noivado.
Senti uma raiva surda a crescer dentro de mim. Porque é que tudo tinha de ser sempre sobre a Eliana? Desde pequenas, ela era a frágil, a que precisava de proteção. Eu era a responsável, a que resolvia tudo. Mas agora… agora eu queria ser feliz. Queria pensar em mim, pelo menos uma vez.
“Eu compreendo, mãe, mas eu também tenho a minha vida. O Miguel e eu estamos a tentar organizar tudo para o casamento. Não posso assumir tudo sozinha.” A minha voz saiu mais baixa do que queria, quase um sussurro.
A minha mãe virou-se para mim, olhos vermelhos de chorar. “A tua irmã está sozinha com duas crianças pequenas! Achas que é fácil? O Pedro foi-se embora sem olhar para trás. E tu… tu só pensas em ti.”
Senti-me pequena, egoísta. Mas também cansada. Tão cansada.
Naquela noite, deitei-me ao lado do Miguel e contei-lhe tudo. Ele ouviu-me em silêncio, passando os dedos pelo meu cabelo. “Mariana, tu não és responsável por toda a gente. Tens de pensar no que é melhor para ti também.”
Mas como? Como é que se faz isso quando toda a vida nos ensinaram que família vem antes de tudo?
Os dias seguintes foram um turbilhão. A Eliana ligava-me todos os dias, a chorar. “Ele não atende o telefone, Mariana! Como é que vou pagar a renda? E as crianças? O Simão precisa de sapatos novos para a escola…”
Eu tentava ajudar como podia: ia buscar os miúdos à escola, fazia compras para ela, emprestava-lhe dinheiro do pouco que tinha guardado para o casamento. Mas nunca era suficiente.
O Miguel começou a ficar impaciente. “Mariana, já gastaste metade do dinheiro do casamento! Não podes continuar assim.”
Discutimos pela primeira vez desde que estávamos juntos. Ele queria que eu dissesse à minha família que não podia ajudar mais. Mas como é que se diz isso à mãe? À irmã?
Uma noite, depois de mais uma discussão com o Miguel, fui até casa da minha mãe. Ela estava sentada no sofá, com a Eliana ao lado, ambas de olhos inchados.
“Mariana, precisamos que fales com o Pedro. Ele sempre gostou de ti, talvez te ouça.”
Senti um nó na garganta. “Mãe… eu não posso resolver tudo. Já fiz o que pude.”
A Eliana olhou para mim como se eu fosse uma estranha. “Então vais deixar-me sozinha?”
O silêncio caiu pesado sobre nós.
Saí dali com lágrimas nos olhos. Senti-me traidora e injustiçada ao mesmo tempo.
No dia seguinte, fui trabalhar como se nada fosse. Mas não era nada. Os colegas repararam no meu ar cansado, mas ninguém perguntou nada. Em Portugal, aprendemos cedo a guardar os dramas familiares para dentro das paredes de casa.
O Miguel tentou animar-me com planos para a lua-de-mel: “Podíamos ir aos Açores… ou talvez ao Gerês?” Eu sorri, mas por dentro sentia-me vazia.
As semanas passaram e o casamento aproximava-se. A Eliana continuava sem receber pensão do Pedro e eu continuava a ser o pilar de todos.
Na véspera do casamento, recebi uma mensagem da Eliana: “Desculpa não poder ir amanhã. Não tenho com quem deixar os miúdos.”
Chorei como há muito não chorava.
No dia do casamento, olhei à volta e vi cadeiras vazias onde deviam estar a minha irmã e os meus sobrinhos. A minha mãe estava presente mas distante, preocupada com a Eliana.
Durante o copo-d’água, sentei-me sozinha por uns minutos no jardim do restaurante. O Miguel veio ter comigo e apertou-me a mão.
“Fizeste tudo o que podias, Mariana.”
Mas será que fiz? Ou será que falhei à minha família?
Hoje olho para trás e pergunto-me: até onde devemos ir por aqueles que amamos? E quando é que chega o momento de escolhermos por nós próprios? Será egoísmo querer ser feliz?