Quando o Casamento Parece um Sonho Distante: A História de Inês

— Inês, já viste a idade que tens? — A voz da minha mãe ecoou pela cozinha, cortando o silêncio como uma faca afiada. — Quando é que pensas assentar? Não queres ter filhos?

A colher de pau parou na minha mão. O cheiro do refogado subia no ar, mas o apetite tinha desaparecido. Olhei para a minha mãe, sentada à mesa, os olhos semicerrados de preocupação e julgamento. Tinha acabado de chegar do trabalho, cansada, com a cabeça cheia de relatórios e prazos, e agora era confrontada com a pergunta que mais temia.

— Mãe, por favor… — tentei desviar o olhar, mas ela insistiu.

— Não me digas para não me preocupar! Olha para a tua prima Mariana: casou-se aos vinte e oito, já tem dois filhos. E tu? Sempre sozinha…

O nó na garganta apertou-se. Mariana. Sempre Mariana. O exemplo perfeito da mulher portuguesa: casada, filhos, casa própria. Eu? Diretora de marketing numa multinacional em Lisboa, apartamento alugado em Campo de Ourique, viagens de trabalho constantes e… sozinha.

A verdade é que nunca imaginei chegar aos trinta e sete anos sem sequer um namoro sério nos últimos tempos. Não por falta de tentativas. Mas os homens que conhecia pareciam assustados com a minha independência ou simplesmente não queriam compromissos. E eu, entre reuniões e deadlines, fui adiando o sonho do casamento.

Lembro-me do dia em que tudo mudou. Estava sentada no café da esquina com a minha melhor amiga, Sofia. Ela olhou-me nos olhos e disse:

— Inês, tu tens medo de amar. Achas que não mereces ser feliz.

Fiquei sem palavras. Sempre achei que era forte, determinada, mas aquelas palavras ficaram a ecoar na minha cabeça durante semanas.

No trabalho, era respeitada. Os meus colegas admiravam-me pela capacidade de liderança, pela forma como resolvia crises. Mas quando chegava a casa, o silêncio era ensurdecedor. Oiço os vizinhos a rir na varanda, casais a discutir trivialidades. E eu? Jantava sozinha, com o televisor ligado só para ouvir vozes humanas.

A pressão familiar aumentava a cada Natal. O meu pai tentava ser mais discreto:

— Filha, não te esqueças que a vida passa depressa…

Mas a minha mãe era implacável:

— Não vais querer acabar sozinha como a tia Lurdes!

A tia Lurdes era o fantasma do fracasso familiar: solteirona, professora reformada, gatos por companhia. Sempre achei injusto esse rótulo. Ela parecia feliz com os seus livros e viagens. Mas para a minha mãe era o pior destino possível.

Houve um tempo em que tive esperança. Conheci o Miguel numa conferência no Porto. Inteligente, divertido, parecia diferente dos outros. Saímos durante meses. Falávamos sobre tudo: política, viagens, sonhos. Um dia perguntei-lhe se via futuro connosco.

— Inês… — hesitou — Eu gosto muito de ti, mas não estou preparado para algo sério agora. A tua vida é tão cheia… sinto que não há espaço para mim.

Fiquei destroçada. Mais uma vez, a minha independência era vista como obstáculo e não como qualidade.

Os anos passaram depressa demais. Vi amigas casarem-se, terem filhos, divorciarem-se até. Algumas invejavam-me:

— Tu és livre! Fazes o que queres!

Mas será que era mesmo livre? Ou prisioneira das minhas escolhas?

Comecei a questionar tudo: será que devia ter aceitado aquele pedido de namoro do Rui aos vinte e cinco? Será que devia ter sido menos exigente? Será que devia ter dado prioridade ao amor em vez da carreira?

As noites tornaram-se longas e frias. Oiço o relógio da sala marcar as horas enquanto penso no futuro. E se nunca encontrar alguém? E se nunca for mãe?

Num domingo chuvoso, fui visitar a tia Lurdes. Ela recebeu-me com chá quente e bolachas caseiras.

— Inês, não deixes que os outros definam a tua felicidade — disse-me ela com um sorriso sereno. — A vida é tua. Se queres casar, luta por isso. Se não queres, vive à tua maneira.

Saí dali mais leve, mas as dúvidas persistiam.

No trabalho começaram a surgir rumores sobre uma possível promoção para Madrid. Era o reconhecimento pelo qual sempre lutei. Mas isso significava afastar-me ainda mais da família e das poucas raízes afetivas que tinha em Lisboa.

Contei à minha mãe:

— Vais mesmo deixar tudo para trás? E se nunca voltares? — perguntou ela com lágrimas nos olhos.

— Mãe, eu preciso disto… Preciso sentir que sou boa em alguma coisa.

— E ser feliz? Não queres ser feliz?

O que era afinal ser feliz? Ter um marido? Filhos? Ou sentir orgulho em mim mesma?

Aceitei o desafio e mudei-me para Madrid. Os primeiros meses foram duros: nova língua, nova equipa, solidão ainda maior. Mas também foi libertador. Conheci pessoas novas, outras realidades. Percebi que havia muitas mulheres como eu: portuguesas, espanholas, italianas… todas à procura de algo mais.

Numa dessas noites solitárias em Madrid, recebi uma mensagem da Sofia:

— Inês, o meu casamento acabou… Estou perdida.

Falei com ela durante horas ao telefone. Percebi que nem tudo é tão simples como parece do lado de fora.

Voltei a Lisboa meses depois para o aniversário da minha mãe. A família toda reunida: primos com filhos pequenos a correr pela casa, tios a discutir futebol na sala.

A minha mãe abraçou-me forte:

— Tenho saudades tuas…

Olhei à volta e senti um vazio estranho. Era ali que pertencia? Ou seria sempre uma estrangeira na própria família?

No final da noite sentei-me no jardim com o meu pai.

— Filha… — começou ele — Sabes que te amamos como és. Só queremos ver-te feliz.

Sorri-lhe com lágrimas nos olhos.

Hoje continuo solteira. Tenho quarenta anos e ainda sonho com o casamento — não porque me disseram que devia querer isso, mas porque acredito no amor partilhado. Mas aprendi também que posso ser feliz sozinha.

Às vezes pergunto-me: será que é errado desejar algo tão simples como partilhar a vida com alguém? Ou será que o mundo mudou tanto que já não há espaço para sonhos antigos?

E vocês? Também sentem esta luta entre aquilo que querem e aquilo que esperam de vocês?